Na pequena Taquara, na zona rural de Planaltina, uma adolescente cega, Luana, faz questão de participar do grupo de teatro mantido pela professora de artes que estampa a foto principal desta matéria. Ali, Luana se sente confiante. Em Taguatinga, uma aluna se descobre artista plástica a partir do contato com a aula de artes. Em São Sebastião, um jovem oriundo de uma família de pais analfabetos revela o amor pelo cinema para a educadora de artes. Hoje, por motivação daquela professora, ele é cineasta. No Lago Norte, um ex-aluno esbarra com a antiga professora de artes. Ele trabalha no caixa de um supermercado. Ao avistar a professora, diz sorrindo: ;Queria te agradecer. Eu mal falava com as pessoas, de tão tímido. Foi a senhora quem me ajudou a vencer essa barreira. Agora, faço questão de cumprimentar cada cliente que passa;.
A partir de hoje, neste Dia do Professor, o Correio destaca e reverencia as jornadas de alunos e mestres que ratificam a importância das artes no currículo escolar, na formação intelectual e no exercício da cidadania.
;A bússola;
;Sou uma feroz defensora da manutenção do ensino de artes na educação brasileira;, afirma categoricamente Ana Mae Barbosa, a primeira doutora em arte-educação no Brasil, e referência máxima no ensino de artes nas escolas. Em entrevista à reportagem, a professora de 80 anos enfatiza a relevância da arte na melhora da nossa ;capacidade de estabelecer relações de qualquer natureza, racional ou emotiva; e acrescenta ainda que o contato com com as pedagogias da arte ;ajuda a desenvolver a gestualidade, a expressão, a comunicação e o processo criador de cada indivíduo;.
Na recém-inaugurada capital federal, ela trabalhou diretamente com Alcides da Rocha Miranda, cofundador da UnB e primeiro diretor da Escola de Arquitetura e Belas Artes. ;Morei na Colina e ajudei a montar e a idealizar uma escola de artes dentro da universidade. Pena que fui embora antes de vê-la funcionando;. A jornada acadêmica a levou para a Universidade de São Paulo (USP) por 26 anos, onde ainda orienta teses de doutorado. Na trajetória, conheceu como poucos a realidade do ensino de artes, escreveu obras de referência na área e testemunhou a falta de protagonismo da disciplina.
Nem por isso ela perde as esperanças. ;Eterna otimista;, Ana Mae elogia os professores de artes e nos convida a celebrá-los: ;O fardo que pesa sobre o professor de artes, para tristeza dos pessimistas, não o desencoraja, mas o estimula. Cada vez mais, a bússola do professor tem sido o interesse do aluno, o que é importantíssimo. Acredito nos nossos professores da rede pública;.
Depoimento/Rosa Iavelberg*
Autoestima positiva
Aprender arte é imprescindível na educação escolar porque as modalidades artísticas são parte do patrimônio cultural, das práticas sociais e promovem o desejo de aprender e a autoestima positiva. A interação cultural se destaca na formação cognitiva, perceptiva e sensível dos alunos.
Além disso, por intermédio da arte, ocorre a expressão da subjetividade como forma de desenvolvimento integral a partir do conhecimento de si, do outro e do mundo. A autoestima que interessa à escola é proveniente do domínio do saber aprender e das aprendizagens alcançadas, o que resulta na construção da identidade dos estudantes. Assim, os alunos podem acreditar neles mesmos como seres capazes de aprender, com domínio de conteúdos que expandem a possibilidade de novas aprendizagens, e de participação cultural e social na escola e fora dela.
Arte também faz sentido na escola contemporânea porque fomenta a construção da imagem positiva do aprendiz quando ele protagoniza sua visão de mundo por intermédio de suas criações, quando atribui significado à produção cultural de artistas e colegas, quando comunica, expressa e compartilha ideias, sentimentos e percepções.
Em arte, os alunos experimentam trocas simbólicas com suporte nas linguagens artísticas, afirmando sua subjetividade e seu pertencimento a uma coletividade mais ampla, que transcende os muros da escola. Tal base ajuda a ler um texto criticamente, a resolver problemas, a apreciar arte atribuindo significados e deixando-se afetar pelas criações de modo cultivado, ou seja, informado pelas culturas. Arte é importante na escola porque um sujeito criativo e informado, que faz e frui arte com autoria, pode mobilizar formas de pensar e estar no mundo, exercendo sua subjetividade com liberdade e crítica.
*Rosa Iavelberg é professora livre-docente da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP)