Engana-se quem pensa que as histórias de terror ficam restritas às telas de cinema. Utilizando as possibilidades dos recursos cênicos, como a maquiagem teatral, músicas de suspense e a iluminação que interfere na atmosfera ambiente, artistas da cidade se empenham em trabalhar o gênero de diferentes maneiras no palco. As histórias podem falar de zumbis, monstros que povoam o imaginário infantil, personagens típicos e até mesmo seres humanos cotidianos envoltos por uma roupagem que caracterize o terror-trash. Para aproveitar o mês das bruxas e a criatividade dos grupos brasilienses, a Mostra Monstra, na Funarte, reuniu conhecidos nomes do teatro da cidade com produções atuais de espetáculos de terror: o grupo Novos Candangos, a Trupe de Argonautas, a cia. Setebelos e o grupo Depois das Cinco, com a banda Tumba lá Catumba.
O gênero do terror no teatro, assim como em outras expressões artísticas, pode ser trabalhado de múltiplas formas e cada grupo vai criar a partir da estética que mais se identifica. A Trupe de Argonautas optou por se aproximar do terror mais clássico ao criar o espetáculo Paradoxo Zumbi. A história se passa em um universo diferente, com mitologia específica criada para o desenrolar da peça. Em um universo pós-apocalíptico, os humanos que retam aprendem como controlar os zumbis, sendo assim, os personagens foram criados a partir desta característica. ;O figurino e a maquiagem são muito importantes para criar essa atmosfera e personificar as características no palco. Nos aproximamos de uma ideia meio punk, com muita assimetria, uso de linhas, além de mordidas e manchas feitas com maquiagem teatral;, conta a atriz e diretora Cyntia Carla, parte do elenco e da direção do espetáculo.
O treinamento para incorporar as características físicas de zumbis também fazem parte do trabalho cênico do grupo, que fez todo o seu processo criativo adaptado ao espetáculo, com forte presença de ações físicas e do universo circense. ;Pesquisamos como inserir os zumbis nessa atmosfera e queremos também levar ao público a ideia de massificação que se reflete a partir destes personagens;, conta a diretora. A estética da peça se aproxima aos filmes de terror B, com uma atmosfera trash e algo de comédia, trabalhados dentro de uma atmosfera macabra. ;A gente usa uma iluminação esverdeada, que lembra a fotografia de muitos filmes de terror. O cenário é abstrato e carregado de cinza, sujo, sangue. Tudo para criar essa atmosfera assustadora;, declara.
Diego de León, ator e diretor do espetáculo Perdoa-me por traíres, do grupo Novos Candangos, lembra que grandes dramaturgos como Shakespeare e Nelson Rodrigues sempre souberam utilizar de maneira eficaz cenas terríveis de morte e violência, temperadas com humor. A ideia é valorizar e diferenciar os momentos de peso e leveza para deixar o espetáculo mais rico e atraente ao público. A montagem do grupo é feita com o texto de Nelson Rodrigues e inspirada no musical de terror-trash Rocky horror picture show. ;Gostamos de dizer que é uma tragédia-neo-trash-candanga. Misturamos uma tragédia carioca com um musical-trash e criamos um híbrido;, conta o diretor.
Pesquisas
Aqui, a sonoplastia e a iluminação também são fundamentais para manter o clima de suspense e tensão que, normalmente, caracterizam obras de terror. Cada montagem vai exigir seus próprios estudos e pesquisas, seja para contar histórias mais fantásticas ou para buscar no realismo o terror e o suspense. ;O terror também é um gênero bem específico e cheio de particularidades. Não acredito que exista uma maneira exata e infalível de se montar uma peça de terror, mas sempre prezo pela atmosfera do espetáculo. O tempo, o silêncio, a trilha sonora, a luz, o escuro, tudo deve estar a favor da atmosfera;, afirma Diego de León.
Mostrando que as possibilidades de trabalho com o terror nos palcos é grande, um dos grupos de comédia mais conhecidos da cidade também utilizou o tema para uma de suas criações. O espetáculo Terror ; a comédia, da cia. Setebelos, optou por explorar personagens do gênero: Frankenstein, Conde Drácula, Cientista Maluco, Van Helsin e a própria Morte. ;O universo do Terror é muito rico e já foi bastante explorado, mas não necessariamente com a ótica do humor. Foi muito divertido, durante o processo de criação do espetáculo, imaginar qual o outro lado de cada personagem clássico;, conta DanielVillas Bôas, um dos atores do grupo. A ideia é mostrar o que não foi contado desses personagens e que intrigas poderiam surgir se todos os monstros clássicos do terror se encontrassem em um mesmo local.
Daniel conta que bastou colocar o foco no lugar certo e os personagens acabaram se mostrando ao mesmo tempo aterrorizantes e extremamente cômicos. ;Esse é um dos nossos espetáculos favoritos do público. A plateia se identifica imediatamente com aqueles personagens, tão conhecidos por gerar medo, mas que agora, fora de ação, mostram seus próprios conflitos e problemas pessoais;, afirma o ator.
Para os pequenos
O grupo cênico-musical Tumba Lá Catumba mistura rock, monstros e contação de histórias, desmistificando o terror para o público infantil. Os monstros foram criados pelos músicos atores e a atriz Lívia Maria Leal conta que no começo do show algumas crianças demonstram certo medo pelo visual dos personagens. ;Durante o show eles conhecem melhor os monstrinhos, perdem o medo e curtem o espetáculo com a gente. Fizemos também neste ano a peça O sumiço da pandeirola, que mistura os monstros com histórias e figuras do folclore brasileiro;, conta a atriz.