A eternidade do Quixote
O escritor mexicano Jorge Volpi esteve de passagem por Brasília para participar da segunda edição da Bienal Brasil do Livro e da Leitura. Ele veio com a missão de falar sobre a misteriosa atualidade de um dos maiores clássicos da literatura, o Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, na passagem dos 400 anos da morte do autor espanhol.
Volpi conquistou prestígio internacional ao participar na década de 1990 do movimento crack, que se contrapunha ao realismo mágico sul-americano, em voga ao reivindicar maior liberdade da literatura para abordar temas que não fossem exclusivamente sociais. No entanto, é curioso que acaba de ser lançado no Brasil Memorial da fraude (Ed. Alfaguara), ficção na qual Volpi aborda precisamente um tema social, diretamente inspirado na crise econômica vivida pelo México em 2008, no contexto da globalização econômica.
Em uma mixagem de realidade e farsa, um tanto quixotesca, o protagonista se chama J. Volpi. Com essa ficção, ele pretendia investigar quem são os responsáveis pela debacle econômica. E, claro, como sempre, chegou aos especuladores, aos fraudadores e aos corruptos. Qualquer semelhança com a situação brasileira é mera coincidência.
Atualmente, Volpi leciona literatura na universidade americana de Princenton. Para ele, uma das razões do fascínio pelo Dom Quixote está na riqueza de sentidos que Cervantes projeta, ao criar um personagem envolvido em uma loucura que é a da justiça e a de se empenhar em fazer coisas pelos outros. Nesta entrevista, ele fala sobre o idealismo, as inovações, a atualidade, a loucura e as lições do Quixote para os cidadãos do século 21.
Qual é o mistério da atualidade do Dom Quixote?
Sim, durante a palestra que fiz sobre os 400 anos da morte de Cervantes eu falei precisamente sobre o milagre que representou a escrita de Cervantes e sobre a maneira de ler o Quixote hoje.
O que confere permanência a Dom Quixote?
Muitas coisas. Uma delas que me parece notável é a ambiguidade frente ao mundo, ao império e à igreja, instituições muito dogmáticas naquela época. Nesse contexto, Cervantes criou uma novela em que todas as verdades são múltiplas e parciais. Isso foi uma inovação e uma grande explosão de imaginação para o seu tempo.
O Dom Quixote é um livro que inaugura a modernidade literária. Em que medida, essa modernidade se mantém viva?
A mim, não me agrada tanto dizer que o Dom Quixote é moderno porque Cervantes não pensou nos outros ou em nós quando concebeu a sua obra. Cervantes tinha em perspectiva a época em que viveu. Mas, para a sua época, teve uma enorme originalidade, fez coisas que eram tão estranhas e inovadoras que ele mesmo não se dava conta. Subveteu todas as normas do que deveria ser a literatura séria, essa mescla de loucura e candura, drama e humor. Nos rimos desse personagem e, ao mesmo tempo, nós nos compadecemos dele.
Nós estamos vivendo em uma época bastante pragmática. Que diálogo é possível estabelecer com o idealismo de Dom Quixote?
O idealismo é um aspecto muito interessante do Quixote. Mas quando aparece a novela não era visto como idealista, era um personagem que queria estabelecer a justiça no meio da sua experiência de loucura. Não era uma loucura de insanidade e incapacidade de se relacionar com o mundo. Ele era capaz de dizer coisas muito lúcidas sobre a justiça. Os poetas e filósofos românticos alemães formularam uma interpretação de idealismo. Era uma construção do século 19 para definir alguém que se empenha em realizar os seus sonhos contra todas as adversidades.
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