Rebeca Oliveira
postado em 14/11/2016 06:00
Em sua gênese, a palavra fotografia, derivada do radical grego phôs, significa luz. Quando usado como uma ferramenta social, esse alumbramento pode ressignificar espaços de poder e mostrar discrepâncias que, a olho nu, parecem invisíveis. Esse potencial revolucionário da imagem fotográfica pode ser comprovado no projeto Retrato negro, do fotógrafo carioca Wendy Andrade. O cerne do site é a postagem da fotografia de um personagem negro por dia até ano que vem, mais precisamente em 13 de maio, data quando é celebrada a abolição da escravatura.
Estudante de comunicação na PUC-RJ e morador da Zona Sul, Wendy deu início ao Retrato negro incomodado por inquietações pessoais. ;Fazia terapia e minha psicóloga sempre me questionava sobre qual era a minha causa. Eu via isso como algo para o futuro, como socorrer crianças carentes ou acabar com a fome na África. Apesar de ser negro, eu não tinha causa, porque não me reconhecia como tal;, recorda.
;Meu pai é branco, meus últimos relacionamentos foram com mulheres brancas, eu me sentia um branco com a pele negra. Nunca pensei em problematizar algumas coisas, como as meninas que pegavam no meu pênis no primeiro encontro. Não queria entender isso ; e hoje sei que é por conta da hiperssexualização do homem e da mulher negra;, acredita o fotógrafo de 23 anos. Então, Andrade decidiu sair da bolha e conhecer as angústias, alegrias e dores que nunca viveu por ser negro em uma confortável situação financeira. Fato que, de certa forma, não o fazia se sentir vítima de preconceito.
Forma sensorial
Decidiu, então, que já passava a hora de se enegrecer e fincar-se nas origens ancestrais que o levaram até ali. Como a maioria dos projetos semelhantes trabalhavam com algum estereótipo ; o samba, as periferias ou a mulher, por exemplo ; resolveu clicar sem padrões previamente programados quem se voluntariasse a participar.
;Eu comecei de forma sensorial e espontânea, procurava no Facebook pessoas que eu achava interessante. Recebi indicações e no começo, foi um problema, porque eu não conhecia nenhum negro. À medida que fazia as imagens, a pessoa que eu fotografa indicava outras. Criei laços fortes. Foi um momento transformador;, conta. ;Muitas dessas pessoas nunca tinham sido fotografadas. Elas falam que não se acham bonitas. Ouvir isso dói;, lamenta. É o personagem quem escolhe onde serão feitas as fotos, pois o conceito é de reconhecimento.
Uma menina em especial o marcou ao longo das mais de 100 fotos que fez. Antes completar 17 anos, Gabrielly Nunes engravidou. Tentou abortar em casa, sem sucesso. A jovem quase morreu. A avó fez a promessa de que, se ela se recuperasse, subiria a escadaria da Igreja da Penha, na Penha, com 382 degraus. As imagens foram feitas ali, mesmo debaixo de chuva. Gabrielly é bailarina e, com muito esforço, conseguiu comprar uma casa para a família. ;São histórias como essa que mudam a minha vida;, acredita.
; Em Brasília
Acaba hoje, no Sesc da 713/913 Sul (informações 3445-4401), a exposição CorPura, que conta com fotos de Emanuelle Sena e Luiz Ferreira e textos do poeta Mateus Santana. A ideia dos criadores é explorar o que há de mais simbólico na estética negra, dos traços aos cabelos crespos. A visitação é até as 19h.