Diversão e Arte

Fotógrafa uruguaio-holandesa Diana Blok subverte as premissas do gênero

Em entrevista ao Correio, a artista questiona a imposição de padrões de gêneros e lamenta a agressividade de uma repressão moralista

postado em 03/12/2016 07:45

Em entrevista ao Correio, a artista questiona a imposição de padrões de gêneros e lamenta a agressividade de uma repressão moralista
Há 40 anos, Diana Blok se debruça sobre a questão de gênero. E foi a fotografia que a conduziu por esse caminho que se inicia movido pela curiosidade e que acabaria se tornando um dos mais expressivos trabalhos mundiais acerca das figuras clássicas masculinas e femininas. Primordialmente, sobre a desconstrução de tais figuras.

A fotógrafa, nascida no Uruguai e criada na Holanda, volta a nos provocar com a série Monólogos de gênero, na qual atores homens encarnam papéis femininos e mulheres personificam personagens masculinos, em uma produção entre Brasil e Holanda que resultou em uma videoinstalação, atualmente em cartaz em Brasília. O ator Mateus Solano, por exemplo, vive Cinderela, enquanto a atriz Grace Passô encarna Martin Luther King, e Matheus Nachtergaele encara a própria mãe a partir das provocações de Diana, levadas adiante com a colaboração do designer Pawel Pokutycki e com a dramaturgia do sempre competente pesquisador brasiliense Glauber Coradesqui.

Ao longo das quatro décadas de trabalho, Diana estreitou os laços com a cultura brasileira após uma residência artística no Instituto Sacatar, na Bahia, em 2002. Mas viria em várias outras oportunidades. Monólogos de gênero, inclusive, surge a partir de uma primeira experiência intitulada Adventures in cross-casting, germinada durante o Cena Contemporânea, quando artistas integrantes do festival foram convidados a posar como figuras do sexo oposto.

Em entrevista ao Correio, durante a montagem da instalação, Diana ratificou as indagações que a movem desde os primórdios da jornada como fotógrafa. Entre outros, a artista uruguaiao-holandesa questiona a imposição de padrões estéticos e de gêneros a crianças (;em pleno 2016, ainda temos essa história de meninos usando azul e meninas rosa?;), fala da necessidade de se debater a liberdade sexual e lamenta a agressividade de uma repressão moralista que ;ainda inibe e impede tantas pessoas de serem o que, de fato, são;.

Além da fotografia
Os anos de experiência fazem de Diana Blok uma conferencista, palestrante e professora concorrida pelo mundo. São muitos os museus, institutos e órgãos relacionados às artes que a convidam para falar sobre o trabalho ou ministrar oficinas. A bagagem pedagógica e artística a levou a criar um método voltado para o desenvolvimento livre dos processos criativos, que ganhou o nome de ;Retratos Invisíveis;. Os livros, as fotos, as exposições e as aulas a tornaram uma referência inquestionável dentro das temáticas relacionadas ao gênero.

>> entrevista Diana Blok

Essa iniciativa de debater o gênero percorre toda a sua carreira...
Sim. Todos os trabalhos que fazemos são consequências de processos de vida. O gênero é um tópico com o qual trabalho desde minhas primeiras fotos, ali por volta de 1976. Tenho autorretratos onde estou travestida de meu pai. A minha irmã aparece como minha mãe. Mesmo que ainda fosse de uma forma inconsciente, e não política, como agora.

Uma provocação que surge inicialmente no campo pessoal, depois no artístico?

Tudo anda junto. A vida artística e pessoal é muito conectada. Como fotógrafa, quase não fiz trabalhos encomendados, por exemplo. Talvez alguns retratos, mas trabalhos distantes da minha área de atuação nunca me atraíram. Prefiro pensar nos projetos em níveis pessoais, psicológicos, de pesquisa.

Além da expressão artística envolta de gênero, qual o protesto e provocação tenta oferecer?
Eu sempre busco com meu trabalho oferecer um recorte, um debate, uma discussão, sobre os tabus que permeiam a sociedade. Em aspectos sexuais, de gênero, de liberdade, de espiritualidade. Nesse sentido, há sempre um nível de provocação. Os tabus são meus elementos de pesquisa.

Você começa na década de 1970. No que tange esses tabus, vivemos dias mais acolhedores?
Menos. Os anos 1970 e 1980 foram fantásticos. Muitas controvérsias foram dissolvidas e tabus rompidos, principalmente no campo da sexualidade, vide as colaborações da (poetisa e música) Patti Smith, do (fotógrafo Robert) Mapplethorpe... Mas aquilo que foi aberto nessas décadas voltou a se fechar nos anos mais recentes. A Holanda, um país conhecido pela liberalidade, também está enfrentando uma invasão da direita. Políticos contrários à imigração, uma maior agressividade aos gays... É um movimento conservador mundial. Acho que ainda piora, antes de melhorar.

Você tem origem holandesa e uruguaia. Apesar do que diz, a Holanda ainda é referência em políticas progressistas, assim como o Uruguai, quando pensamos na América Latina. Te assusta a situação do Brasil, um dos países que mais matam transexuais no mundo, por exemplo?
O Brasil vende uma falsa imagem de liberdade para o exterior. Que estamos falando de um país livre e sensual... Quando comento sobre a quantidade de pessoas da comunidade LGBT que são assassinadas, quando falo da violência contra gays, negros e mulheres, eles (os estrangeiros) se surpreendem. Eu, inclusive, acredito que exerço um papel de mediadora nesse sentido, por meio do meu trabalho.

Essa história de homem fazendo papel de mulher e vice-versa não é novidade. Pelo contrário. Então, o que há de peculiar em Monólogos de gênero? O que espera atingir?

Apesar das provocações teatrais sobre o tema, ainda há uma série de padrões de gênero que são sumariamente seguidos e precisam ser melhor debatidos. Não tenho dúvida de que alguns desses padrões estão culturalmente enraizados e precisam ser desconstruídos ou, pelo menos, discutidos. Meninos devem usar azul e meninas só gostam de rosa? Isso ainda me incomoda profundamente. Danos irreparáveis que ainda são causados às crianças por conta desses padrões obsoletos. Com quem deveríamos nos casar, quem deveríamos amar... Há muita diversidade em quem somos. Ainda há muita repressão social. Repressão gera medo. E muitos deixam de viver. Não sei se a arte é a solução, mas definitivamente uma nova percepção.

No Brasil, anda em voga a premissa do ;lugar de fala;, que estipula, basicamente, que somente um negro pode falar do negro, somente um gay pode falar do gay, uma trans pode falar de uma trans...
Rola muito essa indagação do ;como você poderia saber?; ou até do ;como você ousa dizer algo sobre isso?;. Mas me recuso a aceitar esses questionamentos. Se você for um ser humano sensível, que carrega um mínimo de compreensão e compaixão, você sempre saberá e sentirá. Basicamente, queremos as mesmas coisas, independentemente da orientação, da cor, do status, da origem. Estamos todos conectados, viemos do mesmo lugar. Por conta da religião, política, temos a falsa impressão de que somos diferentes, mas não é verdade. Esse culto à individualidade gera uma ilusão.

Se fosse encarar um personagem do gênero masculino, quem seria?
Eu não sei... Talvez Oscar Wilde. Mas também consideraria a questão da fisicalidade. Mas gosto da ideia de uma figura mística também, como Paramahansa Yogananda (notório guru indiano, conhecido primordialmente por conta da obra Autobiografia de um iogue). Adoraria ser alguém iluminada, então por que não? (risos)

Qual a experiência espera que os visitantes alcancem durante a videoinstalação?

Uma interação entre elementos do teatro, do gênero, do tempo, da história, da dramaturgia. Uma experiência de impacto, de amplidão, de expansão.


Monólogos de gênero

Videoinstalação de Diana Blok. No CCBB (SCES, Trecho 2). Entre 9h e 21h, até 2 de janeiro. Entrada franca. Não recomendado para menores de 12 anos. Diana participa ainda do Semina ; Seminário Equidade de Gênero nas Profissões da Cultura, que acontece entre os dias 8 e 11 de dezembro na Funarte, com uma série de painéis e debates sobre o tema. Maiores informações e inscrições por meio do site da Secretaria de Cultura: http://www.cultura.df.gov.br/

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