Os fãs do universo sombrio de José Mojica Marins, que completou 80 anos em março, podem comemorar. Mais importante personagem do trash brasileiro, Zé do Caixão está de volta em uma HQ especial publicada pela Marsupial Editora. A HQ Zé do Caixão apresenta adaptações dos longas À meia-noite levarei sua alma e Esta noite encarnarei no teu cadáver, produzidas pelo quadrinista Laudo Ferreira.
A versão de À meia-noite levarei sua alma é uma republicação da década de 1990 que trouxe a clássica estreia de Zé do Caixão nos cinemas, em 1964, para os quadrinhos. Já Esta noite encarnarei no teu cadáver é uma versão inédita, que tem inclusive adaptações no roteiro, a pedido do próprio Mojica.
O desejo de adaptar história de Mojica, conta Laudo, surgiu na década de 1990, mesma época em que Zé do Caixão conquistou destaque no exterior. ;Naquele período, eu era muito ligado à cultura trash e a ideia de fazer a HQ me veio da intenção de pegar um ícone do cinema brasileiro que eu achava que era um personagem que merecia ir para os quadrinhos;, lembra Laudo.
O fato de adaptar histórias de um personagem com quem tinha intimidade ajudou e facilitou o processo, acredita Laudo. ;Não houve grandes dificuldades nessas versões por eu já gostar do personagem e conhecê-lo, e também pela amizade que construí com o Mojica. Passei muito tempo conversando com ele e pude entender o personagem;, conta.
Antes disso, explica o quadrinista, Zé do Caixão aparecia nos quadrinhos apenas como narrador das histórias, em revistas como o Estranho mundo de Zé do Caixão, mas nunca como personagem das narrativas. ;Nas publicações que existiam, o Zé contava as histórias, mas não era personagens delas;, conta.
Para a adaptação, Laudo procurou José Mojica e propôs levar histórias de Zé do Caixão para os quadrinhos, utilizando-o como personagem central das narrativas. ;Procurei o Mojica na época e propus adaptar e foi ele que sugeriu que fizesse a adaptação dos filmes. Ele me deu o roteiro e total liberdade;, conta.
No caso de À meia-noite levarei sua alma, a adaptação ocorreu na íntegra, sem alterações no roteiro e na história. ;Eu peguei o roteiro e transpus na íntegra para os quadrinhos. A única mudança que fiz foi no visual, ao atualizar algumas coisas para a época;, explica.
Mudanças
Já em Esta noite encarnarei no teu cadáver, Mojica pediu que uma alteração fosse feita. Lançado em 1967, em plena ditadura militar, o filme teve que ter uma redublagem. No final, na cena da morte do personagem, Zé do Caixão deixa de negar a Igreja e a Deus, como era a ideia original, e passa a dizer para fugir da censura: ;Eu acredito na cruz, eu acredito no poder de Deus;.
Na HQ, Mojica pediu que fosse publicada a versão original, com as negações. ;Quando fui conversar com ele, ele pediu que alterasse isso. Nessa adaptação, ficou o texto original em que ele nega a Deus, a Igreja, como ateu que o personagem, de fato, era;, esclarece.
O quadrinista acredita que a HQ pode ajudar a revitalizar o personagem e a mantê-lo vivo. ;Ele é um ícone da cultura pop brasileira. E, num momento em que a cultura pop e geek vem se tornando tão forte no Brasil, é importante manter vivo um personagem como esse;, acredita Laudo.
Apesar de nos últimos tempos a figura de Zé do Caixão ter ganhado um tom mais humorístico, Laudo aponta que o personagem é muito rico em vários sentidos. ;Ele tem toda uma filosofia perante a vida, um modo diferente de enxergar. Ele queria construir o mundo dele pelo poder da mente e não ficar preso a dogmas e crendices;, comenta.
A HQ, além das versões em quadrinhos dos dois filmes, traz ainda um relato do próprio Laudo sobre como foi o processo de adaptação e o contato com Mojica; e um texto do diretor de fotografia Virgílio Roveda sobre o cineasta.
Zé do Caixão
Adaptação em quadrinhos dos filmes À meia-noite levarei sua alma e Esta noite encarnarei no teu cadáver. Laudo Ferreira. Marsupial Editora. 160 páginas. R$ 58.