Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Tony Bellotto evidencia, na literatura, São Paulo como musa de suspense

Coletânea de contos organizada pelo autor coloca paulistanos no foco de histórias com crimes

Dois ingredientes básicos formam a literatura noir: é preciso haver morte e medo. Combinados com um ambiente urbano povoado por desigualdade e violência, o caldo pode render boas histórias. Com esse pensamento, o músico e escritor Tony Bellotto encomendou 13 contos a autores brasileiros contemporâneos com histórias de romance policial passadas na cidade de São Paulo.

O time de São Paulo Noir é formado por nomes como Marcelino Freire, Drauzio Varella, Jô Soares, Marcelo Rubens Paiva, Mario Prata, Ferrez e Marçal Aquino, entre outros ; a capital paulista é a protagonista de tramas que envolvem crimes e suspense. ;Literatura noir é qualquer texto que revele esteticamente a ambiência e o assombro da morte. Pode ser uma história de detetive, de suspense, um conto fantástico ou de terror. O importante é que se invoque, de alguma forma, nosso assombro perante o enigma da morte;, avisa o organizador.

Todos os contos foram encomendados e escritos especialmente para o livro, o segundo organizado por Bellotto com o mesmo tema. Publicada em 2014, a coletânea Rio Noir reuniu nomes como MV Bill e Luiz Fernando Veríssimo. No volume dedicado a São Paulo, o escritor roqueiro quis manter a mesma diversidade de autores. ;Escolhi os autores da mesma forma que procedi em relação ao Rio Noir, tentando formar um panorama variado da cidade em questão, pela ótica ;noir;, mas também ousando ir além das fronteiras impostas pelo gênero. No Rio Noir juntei autores díspares. No São Paulo Noir você encontra Jô Soares e Ferréz lado a lado. Fico orgulhoso de poder proporcionar isso aos leitores;, conta o Titã.

São Paulo, Bellotto lembra, é uma cidade construída por imigrantes que chegam em busca de ilusões, mas é também uma aglomeração enorme de injustiça social na qual convivem milionários e miseráveis. ;Dessas paixões nascem os crimes;, acredita. Quando recebeu os textos encomendados, ele ficou surpreso com a boa vontade dos convidados. Jô Soares e Drauzio Varella, por exemplo, raramente escrevem contos, mas toparam produzir um texto para a coletânea. ;Fiquei feliz de conseguir motivá-los a escrever narrativas curtas;, diz o músico e escritor.

Paulistano, Bellotto mora no Rio de Janeiro há décadas e diz não ter tempo para sentir saudades da cidade natal porque faz viagens semanais à terra da garoa. Para ele, São Paulo e Rio se complementam. Do Rio, ele ama a beleza da cidade e odeia os governantes. De São Paulo, destaca a diversidade. ;Amo a variedade de culturas que convivem num mesmo quarteirão e odeio o trânsito que me paralisa no mesmo quarteirão;, diz.

Entrevista // Tony Bellotto

O que mudou na sua escrita entre Bellini e a esfinge e Diário inútil, o conto que está no livro?
Escrevo com mais fluência e menos dúvida. O interessante é que Diário inútil é uma história do Bellini, ambientada em 1980, nos dias seguintes à morte de John Lennon. Foi muito divertido escrevê-la, lembrando de minha vida em São Paulo naquela época, quando tinha 20 anos.

São Paulo sempre forneceu bom material para romances policiais e literatura noir. Acha que isso continua acontecendo?
A questão não é o lugar, mas o talento de quem escreve. Qualquer lugar pode render uma boa história noir, até mesmo um quarto fechado, como comprova o inventor do gênero, Edgar Allan Poe.

Comparando ficção com realidade e pensando no momento político do Brasil, a realidade supera a ficção?
Discordo, a política brasileira renderia ficção noir de qualidade ambígua, por um viés de comédia, de pastiche. Nossos políticos são tão pavorosamente ridículos, que no máximo rendem tragicomédias canastronas.

Como você encara o momento político que estamos vivendo?
Gosto dessa sensação de que as máscaras estão caindo e de que as verdades estão se revelando. Há uma sensação de caos muito produtiva. Sairemos fortalecidos desses dias confusos.

A literatura contemporânea brasileira anda mais interessante que o rock?

O Nobel de literatura concedido ao Bob Dylan prova que rock e literatura estão mais próximos do que se pensa. Não sei se a literatura contemporânea brasileira está mais interessante que o rock. Há coisas boas e ruins em ambas as formas. O que posso garantir é que fazer rock é muito mais divertido que fazer literatura.

São Paulo Noir
Organização: Tony Bellotto. Casa da Palavra, 272 páginas, R$ 44,90.