Diversão e Arte

Cantores brasilienses se destacam na noite mesmo em tempos difíceis

Não interessa se o público na mesa do bar seja de apenas uma pessoa ou de 100, o importante é manter com competência a profissão de artista

Irlam Rocha Lima
postado em 11/12/2016 07:35

Uma das mais versáteis cantoras da noite brasiliense, Célia Rabelo exerce o ofício há 30 anos

Nos primórdios da construção de Brasília, os pioneiros apreciadores da música se reuniam no piano bar do Brasília Palace Hotel, na beira do Lago, para ouvir as inesquecíveis interpretações de Glória Maria. Historicamente, ela foi a primeira cantora da noite na nova capital. Desde então, bares, restaurantes e casas noturnas da cidade vêm oferecendo essa atração aos seus frequentadores, mesmo, quando a crise se instaura no setor, como agora. São artistas que mantêm viva a tradição ;do barzinho e do violão;, sempre respeitando o gosto de quem deseja ouvir a boa música brasileira. Na plateia, pode ter apenas um cliente, ou 100, não interessa, o profissional sempre apresenta seu repertório.

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Palcos de alguns desses estabelecimentos comerciais são lembrados como ponto de partida da carreira de nomes consagrados da MPB, como Cássia Eller, Zélia Duncan e Rosa Passos. Muitos desses icônicos espaços por onde passaram esses músicos não mais existem. Outros, porém, mesmo enfrentando obstáculos ; como o rigor da Lei do Silêncio ;, resistem e buscam manter viva a vocação brasiliense pela música.


O Correio saiu na noite e ouviu vários desses personagens que contribuem para a criação de um caldo cultural e de um ambiente de maior leveza no conturbado centro do poder. Sem desistir, eles buscam driblar a intolerância e problemas diversos, no exercício do ofício de levar arte, entretenimento e alegria aos que os assistem.

Não interessa se o público na mesa do bar seja de apenas uma pessoa ou de 100, o importante é manter com competência a profissão de artista

Ângela Regina
Sobrinha-neta de Sinval Silva, autor de Adeus batucada (samba clássico imortalizado por Carmem Miranda), a cantora iniciou a carreira há quase 40 anos, se apresentando em bares como Odara (405 Sul), Chorão (Norte) e Amigos (105 Norte). Intérprete da MPB, depois de lançar um CD em 2003, deixou o palco por um longo período, tendo voltado à cena recentemente. ;No show que fiz em novembro no C;est la vie (408 Sul), pude perceber que as pessoas não me esqueceram, pois lotaram o bistrô;, diz.


Mírian Greco
Com carreira iniciada na década de 1980, cantando no Asterix (Lago Sul) e Singular (316 Norte), Mírian mantém-se fiel aos palcos. ;Não saberia viver sem exercer o meu ofício. Faço show durante quase toda a semana, e tenho o reconhecimento do público brasiliense;, comemora. Ela se divide entre o Bar Brahma (201 Sul), Coco Bambu (Setor de Clubes Sul), Armazém do Ferreira (202 Norte), Feitiço Mineiro (306 Norte) e Coco Bambu (Setor de Clubes Sul), para onde leva sua bela voz e seu repertório eclético.


Cezinha Rodrigues
Em 35 anos de carreira, o goiano Cezinha Rodrigues já cantou em praticamente todo o circuito noturno de Brasília. Ele se recorda de casas que fecharam as portas como Fina Flor do Samba (Centro Comercial Gilberto Salomão), Cavaquinho (408 Sul) e Flor Amorosa (103 Norte). ;Sou um profissional da música. Tudo o que eu consegui até hoje foi com meu canto;, fala Cezinha em tom de agradecimento, Atualmente, ele se reveza entre o Oliver (Setor de Clubes Sul), onde se apresenta há 10 anos; Coco Bambu e Bar Brahma.


Célia Rabello

Uma das mais versáteis cantoras da noite brasiliense, Célia exerce o ofício há 30 anos. Um dos primeiros lugares que ela cantou foi o Bar Academia, na 308 Norte. ;Desde então, vivo da música. Com meu canto mantenho minha casa, pago minhas contas e, mesmo em tempo de crise, consigo viver com dignidade;, afirma. Atualmente ela é destaque em locais como Casarão e Figueira da Vila (Vila Planalto), Fulô do Sertão (404 Norte) e Nosso Mar (115 Norte) e faz eventos particulares.

Jô Alencar

Cearense de Fortaleza, onde iniciou no canto, ainda na adolescência, veio morar em Brasília há 30 anos e, desde então, mantém ativa a carreira musical. Saveiros (302 Norte), Glaucos (408 Norte) foram as primeiras casas onde se apresentou, cumprindo temporadas. Hoje em dia é difícil ter lugar fixo para cantar, em função do vínculo empregatício que gera;, explica Jô que tem soltado a voz, com mais frequência, no Bar Brahma (202 Sul) e no Feitiço Mineiro (306 Norte).

Marinho Lima

Outro veterano da noite de Brasília, o cantor piauiense diminuiu um pouco seu ritmo, mas tem uma convicção: ;Não deixo a música por nada. Dela tiro o sustento da família e o prazer de estar em contato com o público.; Com CDs e DVDs lançados, hoje ele opta por cumprir temporadas no Sai da Toca (Condomínio do Jardim Botânico) e cantar em eventos corporativos ou particulares.


Nani Barros
Cantora há 15 anos, a mineiro Nani Barros está em Brasília desde 2011. Intérprete de composições dos seus conterâneos, como o pessoal do Clube da Esquina, ela tem se apresentado no Bar Brahma, Feitiço Mineiro e no Fulô do Sertão. ;Não está fácil viver de música em Brasília, mas vou insistir mais um pouco, até porque cantar me dá muito prazer;.


Daniel Jr.
Em 1978, o carioca Daniel veio a Brasília, acompanhando Dona Ivone Lara e Roberto Ribeiro em show pelo Projeto Pixinguinha. Gostou da cidade e meses depois radicou-se aqui, onde permanece até hoje. Inicialmente, tocou baixo e cantou em alguns locais e depois, por 14 anos, foi arrendatário do Otello, na 107 Norte, onde hoje existe o Beirute. ;Há três anos sou fixo no Osteria dei Sapore (212 Sul) e levo minha música para festas particulares;, conta.


Marquinho Gil

Desde que iniciou a carreira há 30 anos, no London Tavern (408 Sul) e Caras e Coroas (306 Norte), o cantor e violonista nunca parou de cantar, mas no momento a agenda está um tanto quanto restrita. ;Tenho tocado em festas particulares e no Bar Churrasquinho, na 412 de Samambaia. Sinto que as coisas estão difíceis para nossa classe, mas não abro mão do meu ofício;, observa convicto.


Joselito Bowen
O cantor começou a trajetória nos anos 1990, no Canoeiro (707 Norte). No momento se divide entre Rio Botequim (Águas Claras), Bier Fass (Pontão do Lago Sul) e Barão (202 Norte). ;Vivo da música e não posso reclamar da minha agenda de shows;, festeja.


Celso Trindade
Na noite brasiliense, Celso pode ser ouvido no Roda Viva (Conjunto Nacional), no Bar do Eliseu (513 Sul) e no Brasileirinho (Núcleo Bandeirante). Cantor de canções e de samba de raiz, ele é convidado também para animar festas de aniversário e de casamento. ;Estou sempre à disposição da música. Cantar é o que mais gosto de fazer e, felizmente, não tem faltado trabalho;, celebra.


Cleiton Fernandes

Embora tenha uma banda com trabalho autoral, o cantor, desde o início da carreira, no Blues Pub, em Taguatinga, sempre cantou na noite. No momento ele se divide entre a cervejaria Kaixa D;Água (Praça da CNF 2/ Taguatinga), Stad Beer (Setor de Indústrias Gráficas) e shopping Libery Mall (Setor Comercial Norte), atacando de pop rock nacional e MPB das antigas.

As 10 mais tocadas
Oceano (Djavan)
O bêbado e a equilibrista (João Bosco e Aldir Blanc)
Eu sei que vou te amar (Tom Jobim e Vinicius de Moraes)
Canteiros (Raimundo Fagner)
Dia branco (Geraldo Azevedo e Renato Rocha)
Chão de giz (Zé Ramalho)
Tocando em frente (Almir Sater e Renato Teixeira)
As rosas Não falam (Cartola)
Como nossos pais (Belchior)
Como é grande o meu amor por você (Roberto Carlos)



Histórias musicais

Cantando o amor

Na década passada, Célia Rabelo fazia uma série de apresentações no Villa Tevere, restaurante da 113 Sul. Ela tinha como espectadores assíduos os médicos Diogo Mendes (urologista) e Rosa Matos (dermatologista). O casal se tornou tão fã da Célia que a contratou para cantar na recepção do casamento. ;Fiquei feliz com o convite, mas a surpresa veio quando li o script: no momento da festa, em que estivesse interpretando Fotografia, de Tom Jobim, uma das músicas preferidas do casal, ele a perguntaria: Rosa, você me aceita como esposo?; O script foi seguido à risca, para aplausos entusiasmados dos convidados. ;Ah, sim! Um dia antes, eles haviam se casado oficialmente;, lembra Célia.

Dor de cotovelo

Jô Alencar fazia a happy hour do Saveiro (restaurante que existia na 302 Norte). Numa certa sexta-feira, um cliente da casa a pediu para cantar Marina, de Dorival Caymmi, e foi atendido. Durante a noite, ele fez a mesma solicitação outras vezes. ;Percebi que aquele homem já estava bêbado e curtia uma tremenda dor de cotovelo. Ao voltar a interpretar essa bela canção de amor pela quinta vez, o vi se aproximar para me presentear com uma nota de 100 dólares;, conta Jô. ;Aquele dinheiro foi mais do que suficiente para pagar as contas do supermercado daquela semana;, acrescenta.

Canja da deputada
O Otello, bar que funcionava onde hoje existe o Beirute (107 Norte), era muito frequentado por políticos e jornalistas que faziam cobertura da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Daniel Jr, que o arrendara, recebia personalidades como o atual ministro da Cultura, Roberto Freire, o então senador Eduardo Suplicy e o o deputado Luis Eduardo Magalhães, entre tantos outros. ;Certa noite, chegou lá a deputada Jandira Feghali, que gostava de tocar bateria. Aí a convidei para dar uma canja. Ela foi para o instrumento e, comigo no contrabaixo, acompanhamos a jornalista Leda Flora, em O bêbado e a equilibrista, de João Bosco e Aldir Blanc, um grande sucesso com Elis Regina;, relata Daniel.

Cachê extra
;O ano era 1986. Eu estava cantando no Cavaquinho, um bar que marcou época na 408 Sul. Numa das mesas estava um casal, acompanhado por alguns amigos. O cara que comandava a mesa foi até o palco e pediu para eu cantar Canteiros, do repertório do Fagner, um das músicas mais tocadas no rádio naquele período. Assim que acabei de cantar ele me entregou 50 cruzeiros;, destacou Cezinha Rodrigues. Durante a noite, a cada vez que o cantor atendia o mesmo pedido, o homem voltava a presenteá-lo com cédula com o mesmo valor. No fim da noite, sai do Cavaquinho com o cachê pago pelo bar e mais 200 cruzeiros. O saudoso Evandro Barcelos, um dos músicos que me acompanhava, disse, em tom de brincadeira, que eu perdi a chance de levar para a casa uma grana ainda maior, bastava só interpretar Canteiros a noite toda;.

Mãe coruja
Em 1978, Ângela Regina cumpria temporada no Chorão, bar da 302 Norte que era um ponto de encontro dos boêmios, de artistas e de amantes da música. Naquela época, Brasília recebia nomes consagrados da MPB que estavam participando do Projeto Pixinguinha. Um deles foi Paulinho da Viola, que, depois da apresentação na Piscina Coberta (hoje Ginásio Cláudio Coutinho), saiu para tomar um chope com o pai e violonista César Faria e com Celsinho do Pandeiro. O autor de clássicos como Foi um rio que passou em minha vida então se dirigiu ao Chorão e, ao chegar no local, sentou-se numa das mesas, ao lado de Artur Pedreira, proprietário do estabelecimento, de quem era amigo desde o Rio de Janeiro e ficou ouvindo Ângela cantar. ;Ao vê-lo, minha mãe Iaiana (que também gostava de cantar), foi até a mesa onde estava Paulinho e disse que tinha muito orgulho de mim. Aí ele a deixou toda envaidecida, ao afirmar: ;A senhora está certíssima. Tem que corujar mesmo;;, recorda-se Ângela.

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