Diversão e Arte

Projetos de cinema e música mantêm viva a obra de Ferreira Gullar

O cineasta Sílvio Tender anunciou que está produzindo um longa sobre o poeta, sem previsão de estreia

Rebeca Oliveira
postado em 12/12/2016 07:14
O cineasta Sílvio Tender anunciou que está produzindo um longa sobre o poeta, sem previsão de estreia
;A vida só consome o que a alimenta;, decretou Ferreira Gullar em Aprendizado. Com a morte do poeta de grandeza inigualável, fica a grandiosa obra e o que nasceu a partir dela. Desde que partiu, em 4 de dezembro, muitos são os projetos anunciados em memória de um dos mais revelantes escritores da literatura brasileira. Amigo do maranhense há mais de 30 anos, o cineasta Sílvio Tender anunciou que está produzindo um longa sobre o poeta, sem previsão de estreia.

A morte de Gullar, aos 86 anos, será inclusa no material que, agora, deve demorar mais a chegar às telonas. ;Arte boa é que nem um bom vinho, tem que amadurecer. Quando o meu amigo estava vivo, por alguns momentos estava crivado por conta dos pensamentos políticos. Sempre separei o Gullar político do poeta e sempre soube que o que sobreviveria era o poeta. Sabia que era um trabalho duradouro. Tanto é que estou, agora, trabalhando nesse outro trabalho sobre ele;, conta o diretor de Caçadores de alma.

O prazer de ter convivido mais de 30 anos com Gullar lhe dá gabarito para entender a complexa mente do maranhense, que atuou em diferentes esferas artísticas ; foi ensaísta, crítico de arte, dramaturgo. Mas sempre se utilizou do poema para dar sentido à vida. ;O conheci nos anos 1980 quando o Brasil ainda não tinha relações com Cuba e voltamos juntos de uma viagem para lá. Eu tinha ido a uma reunião de cineastas e ele era um dos jurados. Chegar aqui e enfrentar a Polícia Federal era complicado porque, no fundo, tínhamos medo de sermos presos. Voltamos juntos, solidários. Desde então eu convivi com ele;, relembra Sílvio.

;Ele morava na minha rua em Copacabana. Ir à casa dele era como ir a uma esquina. Fui várias vezes, entrevistei para vários trabalhos meus sobre as mais variadas temáticas. O tenho presente, por exemplo, em Memória, história e Utopia e barbárie. Sempre queria ouvir a voz de um sábio, ouvia a dele;, resume. Além do filme de Tendler, Ferreira Gullar terá 16 livros relançados pela editora Companhia das Letras em 2017. O cantor Fagner também afirmou que vai conversar com familiares do poeta para, se possível, musicar um poema dele, em disco a ser lançado no próximo ano.

A ditadura, revista

Além do filme, Sílvio Tendler também encabeça outra iniciativa. Pela primeira vez, será exibida na tevê a cabo a série Há muitas noites na noite, baseada em Poema sujo, um dos mais famosos escritos do maranhense. A atração, dirigida pelo cineasta, é um desdobramento de uma videoinstalação homônima, e havia sido transmitida na tevê Brasil entre dezembro de 2015 e janeiro desse ano. Em sete episódios, exibidos a partir do último sábado, às 21h, no canal Curta, é possível entender minúcias da vida do poeta do exílio durante a ditadura militar.

Para isso, Tendler se utiliza de uma linguagem múltipla que combina documentos, ilustrações, animações, músicas e depoimentos tocantes, como o de Alcione, Elisa Lucinda, Eduardo Galeano, Edu Lobo, Sérgio Britto, e Fagner, que eternizou os versos de Gullar em faixas extremamente populares, a exemplo de Traduzir-se e Borbulhas de amor (uma versão de Borbujas de amor).

; Trecho

Poema sujo, de Ferreira Gullar

Não sei de que tecido é feita minha carne e essa vertigem
que me arrasta por avenidas e vaginas entre cheiros de gás
e mijo a me consumir como um facho-corpo sem chama,
ou dentro de um ônibus
ou no bojo de um Boeing 707 acima do Atlântico
acima do arco-íris
perfeitamente fora
do rigor cronológico
sonhando
Garfos enferrujados facas cegas cadeiras furadas mesas gastas
balcões de quitanda pedras da Rua da Alegria beirais de casas
cobertos de limo muros de musgos palavras ditas à mesa do jantar,
voais comigo
sobre continentes e mares

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