Diversão e Arte

Com poética e irreverência, arte urbana dialoga com a cidade

Ideia de artistas é quebrar a frieza do concreto urbano

Isabella de Andrade - Especial para o Correio
postado em 18/12/2016 07:30

Toys:

Criar um espaço de respiro entre o cotidiano caótico das paisagens urbanas e dialogar com a população por meio da criação artística, são esses alguns dos principais objetivos dos artistas de rua. Entre poesias, frases, cores, desenhos e intervenções, esses brasilienses transformam espaços, reinventam objetos e proporcionam a possibilidade de novos pensamentos àqueles que caminham por entre suas criações. A ideia é trazer mais vida ao concreto frio que acompanha o cotidiano de muita gente e possibilitar instantes de afeto e encontro por meio das possibilidades de reconhecimento e reflexão proporcionadas pela arte. Entre rotinas atarefadas e corridas, a arte urbana, democrática e acessível, dialoga e questiona a própria cidade em que se insere.

As possibilidades são diversas e englobam, entre outros, grafiti, intervenção poética, stencil, lambe-lambe. Coletivos e artistas brasilienses se apropriam de diferentes linguagens e trabalham com múltiplos estilos, técnicas e suportes para dar vida às suas criações urbanas. Entre tantos artistas da rua, alguns trabalhos já fazem parte do cotidiano criativo da capital, entre eles as intervenções do coletivo Transverso, a poética do coletivo Armoço e os desenhos de Daniel Toys. Enquanto isso, o paulista Ozi, que chega a Brasília em janeiro, e é um dos pioneiros do grafiti nacional, continua a produzir nas ruas e ocupa também espaços de galerias de diferentes cidades, ampliando a visibilidade e os debates possíveis a respeito da criação urbana.

Para quem caminha entre os muros e paredes de Brasília, é quase impossível não se deparar com as cores grafitadas por Daniel Toys. O Toyszim, um de seus personagens mais desenhados na cidade, colore paredes, ruas e calçadas. O artista plástico formado em publicidade cria seu próprio universo para produzir nas ruas e é impulsionado pela vontade de deixar sua marca na cidade, além de conseguir dialogar com os moradores que caminham por seus espaços.

Toys considera-se um homem privilegiado por conseguir viver de seu trabalho criativo. ;A arte de rua tem esse papel de dialogar com a população e acredito que as pessoas gostam da cidade colorida. Muitas vezes um artista urbano pinta e dá vida a espaços, como viadutos, que ninguém reparava e que ganham outro significado no cotidiano. Eu gosto de passar uma mensagem para quem passa pelas ruas todos os dias.;


Diálogo

Para Toys, o grafiti é a voz da rua, abrindo um canal de aproximação entre as pessoas e sua própria cidade. A criação feita em espaço urbano pode se transformar, dessa maneira, em um grito, seja ele de protesto ou de encontro com o nosso imaginário lúdico. ;Arte, para mim, é gerar sentimento. Em Brasília a arquitetura é quase toda de concreto e o grafiti pode quebrar esse cotidiano cinza, quebrar paradigmas. Acho que a rua ainda é um dos meios mais eficazes para criar um diálogo. Ainda é o lugar onde todos os tipos de gente, classes, raças se encontram. De alguma maneira, cria-se um debate nesse caos de informação da cidade;.


Ozi é um dos pioneiros da arte urbana brasileira, que celebra três décadas de trabalho


Morador de São Paulo, o artista Ózeas Duarte, conhecido como Ozi, chega a Brasília em janeiro com uma exposição que remonta à história da street arte no Brasil. Se na capital seu trabalho será mostrado em galerias, em sua cidade Ozi ocupa muros e paredes desde 1980 e se atrai pela liberdade e subversão que a arte urbana proporciona. ;Acredito que o diálogo acontece quando um espaço degradado, sem vida, ganha cores e assuntos que provoquem as pessoas e as façam refletir;. Ozi destaca que cabe ao artista questionar, opinar e criticar por meio de sua produção. ;Precisamos nos posicionar e tentar melhorar nossa relação com o mundo e com os outros. A arte urbana resignifica espaços ociosos e degradados, levando vida e socialização para os locais em que se coloca.;

Patrícia, do Coletivo Transverso:

A poesia é o ponto forte dos coletivos Amorço e Transverso. As intervenções poéticas com frases pequenas ocupam viadutos, placas, passarelas e muros de Brasília e buscam também dialogar com os moradores e dar novos significados ao cotidiano da cidade, criando um espaço democrático para a arte. O Transverso, formado em 2011, é composto por criativos como a poeta Patrícia Del Rey, a artista plástica Patrícia Bagniewski, e os artistas Caue Novaes e Rebecca Damian. O grupo tem por ideia unir plasticidade e conteúdo em suas criações. Desde o surgimento, o que motiva o grupo para a criação urbana é a visão comum da cidade como meio de expressão poética, como local de encontro e espaço de vidas compartilhadas. ;As ruas estão repletas de encontros reais ou possíveis, estão cheias de cruzamentos, sinais, retornos e desvios;, afirma Patrícia Bagniewski. O diálogo direto com os passantes, sem curadoria, é outro ponto forte para a criação que ocupa as ruas.

Com suas intervenções poéticas, o grupo busca dialogar com outras preocupações também presentes na cidade, outros desejos e belezas que existem nesses caminhos, feitos por tantos moradores diariamente. ;Acreditamos que um pensamento novo, menos violento, pode mudar o dia de alguém que ande com o olhar atento para o que pode haver de belo na rua. Para nós, as intervenções são instantes de desvio, maneiras de tirar os transeuntes de suas rotinas cegas;.


Apropriação

A poesia do coletivo Transverso dialoga com a capital

A artista destaca que quando somos surpreendidos por algo novo no caminho percebemos a cidade como um elemento vivo, com uma dramaturgia própria que pode ser modificada diariamente. ;Isso faz com que as pessoas se apropriem da própria cidade. Muitas poesias são criadas especificamente para o local em que são inseridas. Acreditamos que a arte e a cultura não podem se desvincular do nosso cotidiano, ela está presente em tudo, no que vestimos, no que lemos, no que ouvimos. Sem cultura não há povo;.

O coletivo Amorço, formado pela artista plástica Alyssa Volpini e pela poeta Julianna Motter, começou em 2013 e também tem como foco a poética em diálogo com as ruas. O espaço urbano foi escolhido pela crença de que é um território fértil para a criação e de que, jogando versos e desenhos nas ruas, é possível torná-los acessíveis, criando espaços de suspensão em meio ao caos das grandes cidades. ;A partir de intervenções temporárias, conseguimos marcas permanentes. Conseguimos transformar os espaços. As intervenções urbanas retiram os transeuntes de seu cotidiano urgente e agressivo e funcionam para acessar pessoas que, geralmente, não são o foco da arte formal;, afirma Julianna.

A poética do Amorço busca dialogar com a cidade e levar afeto para o cotidiano

As brasilienses afirmam que não querem sua criação presa em molduras ou galerias; a vontade constante é que as pessoas interajam com ela. O formato mais utilizado nas intervenções poéticas do Armoço é o lambe-lambe, na maior parte das vezes, no formato A3. A ideia é trabalhar com a escala humana, buscando a linguagem cotidiana das ruas e ressaltar que, em tempos hostis, é preciso possibilitar acesso à afetividade, além de incentivar os reencontros e conexão entre a cidade e seus moradores.

"As ruas estão repletas de encontros reais ou possíveis;
Patrícia Bagniewski, artista plástica


História

O grafiti teria se tornado popular no Brasil, mais especificamente em São Paulo, na década de 1970. Primeiro por meio de pichações poéticas e depois com a stencil art, feita em reprodução seriada. Nos anos 1990, o grafiti ampliou sua presença para as periferias no rastro do movimento hip-hop.

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