Diversão e Arte

Páginas famosas criadas para a internet ganham versão em livro impresso

De livro de receitas literárias a romances, conteúdo é diversificado e aponta tendência cada vez mais crescente - a migração de conteúdo de uma plataforma para a outra

Rebeca Oliveira
postado em 21/12/2016 07:01

Chegou as prateleiras o livro 'Siga os balões', uma coletânea com os melhores posts de página de mesmo nome do Facebook e Instagram

Em Dom Casmurro, ficou famoso o trecho em que Bentinho oferece uma cocada para Capitu. A personagem apreciava o doce, mas o recusou. O trecho inquietou a jornalista Denise Godinho, que relia a obra para um trabalho freelancer. Por quê, entre tantos doces, Machado de Assis optou pelo branquinho açucarado e de origem africana? Para entender a mente do escritor e imergir na estória, ela resolveu recriar a receita em casa.

Assim, despretensiosamente, nasceu o blog Capitu vem para o jantar, em que quitutes presentes em clássicos da literatura são ;passados; a limpo e testados um a um. No último mês, a página virou um livro homônimo, em uma corrente curiosa de outras publicações igualmente oriundas do mundo virtual que foram para as prateleiras. Juntos, comprovam que não são meros ;autores de internet;. São autores. E ponto.
[SAIBAMAIS]
Comida é cultura. Denise Godinho sabe bem disso e considera Capitu vem para o jantar um livro sobre literatura, não apenas sobre ;beabás; da gastronomia. Por meio de preparações como os cookies de O diário de Anne Frank, as madeleines de Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust e o cachorro-quente de A hora da estrela, de Clarice Lispector, desvenda mistérios sobre o período retratado, gostos e vontades dos personagens, inquietações pessoais dos autores, além de curiosidades sobre o que os ingredientes usados contam da economia daquela época.

;Os pratos falam mais sobre uma cultura do que se imagina;, sentencia. ;A cocada de Dom Casmurro usa mel, e não leite condensado como hoje porque, à época, custava uma fortuna. Mas no livro, uso leite em pó, por achar mais fácil a reprodução em casa;, comenta.

Nas obras escolhidas, os preparos algumas vezes são bem descritos e a receita já estava praticamente dada. Em outros, Denise precisou desvendá-las ao longo da trama. Em alguns casos, foi preciso imaginação para adaptá-las. A dificuldade da execução é marcada de um a quatro ;machados;, da mais fácil a mais complicada, em referência ao autor que inspirou o blog, e, consequentemente, o livro. Mesmo as ditas mais difíceis podem ser feitas por quem não tem tanta intimidade com a cozinha. ;São acessíveis;, conta Godinho.

Passados de geração a geração, os livros de receita, aliás, são uma das mais antigas formas de incentivar o hábito da leitura. Para Denise, são essenciais à construção da identidade de um povo. ;Vivemos em um país com poucos leitores e qualquer forma de incentivar o contato com a literatura é válido;, acrescenta. Denise Godinho já deu palestras em algumas escolas e, em todas elas, botou reparo que o interesse e envolvimento com a história aumenta exponencialmente quando as crianças degustam quitutes nascidos a partir dos livros.

Leve e digital


Parte da primeira geração que usou a internet como ferramenta social (os nascidos no início da década de 1990), o paulista Felipe Sali também viu o sucesso de projeto Mais leve que o ar, criado originalmente para a web, voltar-se a seu favor no mercado editorial. Esse mês, lançou a versão impressa da obra, anteriormente lida mais de 460 mil vezes no Wattpad, uma rede social em que as obras são publicadas por capítulo, em pequenas doses que atiçam e prendem os usuários. No total, entre os escritos que já publicou no site, obteve mais de 1 milhão de visualizações.

Digitalmente, a obra remonta a muitas questões contemporâneas, como o a publicação fatiada, em camadas ou etapas. Como é a própria vida, afinal. Do mundo digital para o físico, a narrativa muda em muitas questões. ;Tive a oportunidade de expandir a mitologia de Mais leve que o ar, contando mais sobre o reino e a magia que existe nele. Também incluí novas cenas e novos personagens. É como uma versão estendida do que é encontrado no Wattpad;, explica. Mítica, a obra conta sobre o reinado de Amberlin, num misto de romance e mistério.

Sali analisa que a leva de autores lançados por editoras, em um momento que não é novo, mas cresce exponencialmente, se explica pela forma como as obras podem se desdobrar. O intercâmbio entre o real e o virtual permite que hajam múltiplas leituras, e colaborações podem ser incorporadas ao produto final.

;Uma das vantagens do autor da web é que ele entende que o seu trabalho não se resume ao livro em si. Eles estão constantemente alimento o seu público com mais detalhes sobre a sua obra, postando pequenos textos, interagindo com os leitores e respondendo dúvidas. Essa relação com o leitor é uma das razões para o sucesso dos autores da internet;, avalia.

Balões e autoajuda


No mesmo dia em que Mais leve que o ar foi lançado oficialmente, chegou as prateleiras o livro Siga os balões, uma coletânea com os melhores posts de página de mesmo nome do Facebook e Instagram. De autoria do design e ilustrador Daniel Duarte, as imagens com mensagens sobrepostas são compostas por conteúdo positivista.

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É, como muitas páginas criadas para a mídia digital, em uma espécie de autoajuda contemporânea, criada para conversar com a geração Y e quem veio depois dela. Um formato que funciona e que ganha novos nomes quase que diariamente, aos moldes do que faz, por exemplo, o brasiliense João Doederlein na página Aka Poeta.

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Capa do livro Capitu vem para o JantarCapitu vem para jantar
De Denise Godinho. Verus, 216 páginas. Preço: R$ 69,90.

Capa do livro Mais leve que o ar de Felipe SaliMais Leve que o Ar
De Felipe Sali. Lote 42, 160 páginas. Preço: R$ 39,90. Capitu vem para jantar.

Capa do livro Siga os balõesSiga os balões
De Daniel Duarte. BestSeller, 160 páginas. Preço: R$ 34,90.

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