Diversão e Arte

Estúdio BBC traz reflexões atuais e aponta lacunas de regulamentação

O clássico estúdio de Raymond Willians permanece, na visão do autor, com uma rara sensibilidade crítica desprovida de preconceito

Rodolfo Magalhães - Especial para o Correio
postado em 07/01/2017 07:30

O clássico estúdio de Raymond Willians permanece, na visão do autor, com uma rara sensibilidade crítica desprovida de preconceito

Mais de 40 anos após a publicação original ; o que na dinâmica do próprio veículo e dos atuais dispositivos de comunicação poderia se imaginar um fosso ;, permanece, na visão do autor, uma rara sensibilidade crítica desprovida de preconceito, portanto, atual.

Raymond Willians é uma espécie de geógrafo, pois mapeia regiões que normalmente não constam na cartografia dos discursos sobre o tema. Seu traçado traz minúcias históricas, mecânicas, tecnológicas, sociais, econômicas, políticas, ideológicas, psicológicas etc não dispostas como uma grade de programação, antes como um fluxo simultâneo, similar talvez ao nosso modo atual de ;usar; os conteúdos midiáticos. Se as intenções cientificas no desenvolvimento da tecnologia serviu a outras: militares, administrativas e comerciais ; o intuito controlador tornou-se um efeito incontrolado.

Uma breve zappeada em algumas de suas abordagens: O autor trata a história da tecnologia e sua inserção social não como um evento isolado, mas fruto de um conjunto de invenções e de desenvolvimentos em eletricidade, telegrafia, fotografia, cinema e rádio, que remontam o último quarto do século 19.

O impulso inicial direto surgiu dos fabricantes dos aparatos relacionados a radiodifusão, especialmente, de receptores. Um resultado curioso disso é a formação de um consórcio de fabricantes, com o nome de Britsh Broadcasting Company (BBC), que proveria programas sob os termos acordados com os correios e o governo. Solução alternativa, em direção bem diferente, foi adotada nos Estados Unidos. Ao apresentar a constituição desses modelos, centrado em experiências da TV britânica e americana, o autor traz à tona a relevante questão das TVs públicas e comerciais ; expondo a vulnerabilidade do interesse público.

Sem conteúdo próprio para rechear a incipiente programação, fez-se uma combinação e desenvolvimento de formas anteriores: o jornal, a reunião pública, a sala de aula, o teatro, o cinema, o estádio esportivo, os anúncios publicitários. A partir daí, a adaptação das formas obtidas pela nova tecnologia levou, em muitos casos, a mudanças significativas e algumas diferenças realmente qualitativas.

Como especialidade do autor, é comovente sua ternura e fé no veículo como espaço privilegiado para a educação: ;Educação é uma demonstração significativa de algumas verdadeiras possibilidades da televisão;. O autor acredita que, no futuro, equipamentos de videotape comercializados poderão gerar comunidades independentes de televisão educativa.

Dessas novidades, a consideração de uma espécie de atitude ansiosa por parte do telespectador diante da sequência de imagens ajuda a embasar um dos momentos altos da obra: suas considerações sobre a programação, distribuição e fluxo. Uma contribuição teórica referencial desde então: o conceito estático de ;distribuição; para o conceito móvel de ;fluxo;.

Aqui a divisão entre televisão pública e comercial torna-se especialmente clara. Não é somente uma distinção geral entre programas ;culturais; e ;comerciais;. A organização característica ; e, portanto, a experiência característica ; é a de sequência ou fluxo, fenômeno que define a radiodifusão, simultaneamente, como uma tecnologia e uma forma cultural.

Efeitos imprevistos
Estamos tão acostumados com isso que não conseguimos mais perceber essa diferença, apenas ;assistimos à televisão;. Várias vezes, mesmo quando ligamos a televisão para assistir a determinado programa, pegamo-nos assistindo à atração que vem depois e a seguinte.

A televisão é atualmente o principal meio de comunicação para toda uma geração. Ela tem surtido certos efeitos planejados, que correspondem a certas intenções explícitas, mas também tem provocado efeitos imprevistos, entre eles o desejo de se apropriar da tecnologia ; no submundo cultural dos jovens há uma familiaridade com o meio de comunicação e um forte desejo por experimentação e prática. E essa é a resposta crítica à noção de uma tecnologia determinada.

Para o futuro (seria hoje?), Willians aponta a necessidade de se resolver questões legais; especula a possibilidade de que se tornem empresas totalmente democráticas e experimentais; aponta a centralidade na tomada de decisões por pouquíssimas pessoas e ; para quebrar isso ; a necessidade real de mais produtoras independentes, regidas por contratos publicamente protegidos com as autoridades de programação e de rede, visando uma nova acessibilidade universal.

;Se a ação é necessária agora, as primeiras condições para ela são: informação, análise, educação e discussão, às quais ofereço este livro como pequena contribuição e, espero, um incentivo.; Este seria um autor que teria boas reflexões sobre os modos atuais de se conviver com conteúdos audiovisuais em suas diversas formas de distribuição.

Rodolfo Magalhães é roteirista e diretor.

TELEVISÃO (TECNOLOGIA E FORMA CULTURAL)

De Raymond Willians
Editora PUC Minas/Boitempo
192 páginas - R$ 52

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