Diversão e Arte

Carroça de Mamulengos completa 40 anos rodando o Brasil

Grupo de cultura popular já percorreu mais de 1 milhão de quilômetros levando arte para os quatro cantos do país

Isabella de Andrade - Especial para o Correio
postado em 17/01/2017 07:02

Todos entram juntos em cena e o palco é tradição familiar

;Já tivemos muitas moradas, minha mãe aprendeu com a vida a fazer de todo lugar uma casa. Todo lugar pode ser nosso canto e o nosso conceito de casa é onde estamos reunidos, nós e nossas caixas de bonecos;. é assim que Maria Gomide, atriz e integrante do grupo Carroça de mamulengos, define a itinerância de sua família e a arte de viver na estrada.

A família já rodou mais de um milhão de quilômetros ao redor do país, levando seus espetáculos cheios de cor e alegria para centenas dos mais diversos espectadores. Entre filhos, genros e netos, a família que começou em Brasília acumula criações na arte da brincadeira e em espetáculos com mamulengos, palhaços e acrobatas. Com 40 anos de existência, o foco da companhia é manter viva a tradição e a cultura popular.

Schirley França é a matriarca da família de artistas, sendo mãe de oito filhos, todos integrantes da trupe. A atriz conta que a chegada dos filhos possibilitou momentos marcantes para a trupe. Os artistas criaram personagens específicos para que cada novo integrante pudesse também se apaixonar pelo ofício da brincadeira e da ludicidade, a proximidade com a palavra, os mamulengos e a comunicação que se coloca através dessa linguagem tão característica da cultura popular de nosso país. ;Cada cidade que a gente passava tinha um pouco de vivência da nossa trajetória. Nos estabelecíamos nas cidades por algum tempo, poderiam ser seis meses, um ano, dois anos. Fizemos muitos amigos em diversos lugares e essa é nossa riqueza;, conta a brincante.

A chegada em novos lugares é sempre uma aventura, já que o teatro é uma arte viva e em constante mutação. ;Cada dia é um, a gente nunca sabe o que vai encontrar. São diversos fatores que se modificam, desde a presença dos artistas, até as questões do público, do palco, dos cenários;, lembra Schirley. No início, enquanto a trupe era formada apenas por seus dois integrantes originais, as viagens eram feitas em ônibus interestaduais. Com a chegada dos filhos e o aumento da bagagem formada por bonecos, cenários e figurinos, a trupe adquiriu seu ônibus próprio, o Brasilino, que tempos depois foi substituído pelo ônibus Bem-vindo. ;Ao longo desses 40 anos foram diferentes momentos e várias etapas de vida. Somos uma companhia itinerante, então estamos o tempo todo em circulação;.

Maria Gomide é uma das filhas da companhia e conta que aprendeu a fazer de diferentes lugares seu próprio lar, seja ele dentro de um ônibus, na lona de um circo ou de baixo de uma árvore. ;A Carroça é uma escola, que meus pais criaram para educar seus filhos, e isso também é compartilhado com tantas pessoas que vivenciaram com nossa família durante todo esse tempo. Diz a música ;não sou eu quem me navega quem me navega é o mar; vivemos dedicados à nossa arte;. A atriz conta que a agente de espetáculos define a itinerância do grupo, que se divide entre circuitos menores. Se antigamente o grupo poderia passar entre dois e três meses em cada cidade para apresentar seus espetáculos, a dinâmica atual modificou o tempo de estrada e o grupo vive de temporadas de dois a três anos em cada lugar.

Itinerância
Maria destaca que os bonecos são como integrantes da família e alguns deles existem há 40 anos, transmitindo até hoje o mesmo encanto em cena. ;Minha maior alegria é ver a minha filha em cena comigo desde o nascimento, poder compartilhar com ela bonecos que eu brinquei, ver ela integrando a minha história e se dedicando já desde pequena com tanto empanho.; Maria acredita, assim como os demais integrantes, que foi escolhida pela itinerância. Para ela, o patriarca da família, Carlos Gomide, acreditou que seria possível criar uma família de forma diferente da tradicional, experimentando as adversidades e os encantos de uma vida de saltimbancos. ;Somos herdeiros de uma tradição que atravessa séculos.;

Antônio Gomide também faz parte da tradição cênica da família e acredita que o compromisso com a criação artística os mantêm sempre unidos. O ator lembra que a trupe já se apresentou nos espaços mais variados possíveis, passando por praças, quadras de esportes, escolas, ruas e palcos tradicionais. ;Para mim, um dos momentos mais marcantes dentro do grupo foi ter visto meus irmãos crescerem, além de ter convivido com mestres da nossa cultura e ter tido a graça de conhecer o nosso Brasil;, conta o artista. A motivação para continuar vem do compromisso com a história da Carroça de Mamulengos e com a história de nosso povo, afinal, são eles um dos poucos grupos saltimbancos que sobrevivem no país.

Nova sede
Antônio Gomide conta que o processo de criação é vivencial, e cada integrante realiza isso de acordo com a sua aptidão e sua capacidade, por meio do aprendizado que passa por diferente influências e linguagens. Atualmente, o grupo trabalha para construir uma sede própria, concretizando uma vontade que sempre os acompanhou. ;Queremos um lugar próprio para morar e voltar, sempre transitando. Antes a gente imaginava a sede como uma grande casa, com tudo compartilhado, mas a gente tem repensado esse desejo. Caminhamos junto com o coletivo, o coletivo nos fortalece, mas é no individual que a gente se reconhece;, afirma Schirley Franca.

A criação do novo espaço aparece com a necessidade de um lugar para abrigar o grande acervo artístico da trupe, formado por biblioteca particular, figurinos, cenários e bonecos. O novo espaço físico, que ainda não tem endereço, não modifica a rotina viajante da família, que pretende continuar sua itinerância cultural ao redor do país ao longo de muitas gerações.

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