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Especialista em tecnologia Ronaldo Lemos diz que internet mudou o homem

'Vamos ter muitas mudanças pela frente, que afetarão a política, o trabalho, a ciência, a vida nas cidades, a educação e a economia', classificou

José Carlos Vieira
postado em 26/01/2017 07:32
'Vamos ter muitas mudanças pela frente, que afetarão a política, o trabalho, a ciência, a vida nas cidades, a educação e a economia', classificou
;É preciso criar um novo modelo de desenvolvimento para o planeta;, destaca ao Correio o especialista em tecnologia Ronaldo Lemos, durante uma conversa por e-mail. De acordo com ele, muitas mudanças ocorrerão nesse mundo tecnológico que afetarão em cheio o ser humano, mas é necessário um padrão ético para essas (r)evoluções.


[SAIBAMAIS]O homem está mudando por interferência da tecnologia ou a tecnologia está simplesmente mapeando com mais nitidez o comportamento humano?
O homem está mudando por causa da tecnologia e vai mudar ainda mais. Sempre que há uma mudança nas mídias que utilizamos para nos informar e nos comunicar uns com os outros, isso modifica profundamente nossos modos de vida e nossa visão de mundo. Esse é o sentido da famosa frase de Marshall McLuhan de que o ;meio é a mensagem;. Quando os meios mudam, a condição humana também muda. É o que estamos vendo agora. A internet desencadeou uma série de processos de mudança que ainda estão longe de se estabilizarem. Vamos ter muitas mudanças pela frente, que afetarão a política, o trabalho, a ciência, a vida nas cidades, a educação e a economia.

Cada vez mais, a lógica do comportamento humano segue a lógica da eficácia tecnológica, isso não pode transformar as pessoas em ;reféns; de algoritmos? Estamos perdendo nossas habilidades?
Um dos principais debates sobre tecnologia no mundo de hoje é a questão do surgimento da inteligência artificial. Há um temor de que ela provoque mudanças profundas, além de concentração de poder em um número pequeno de atores, que controlarão toda a infraestrutura relativa a essa tecnologia. Isso traz desafios enormes. Um deles é justamente a competição com a máquina. Várias habilidades que julgávamos como exclusivamente humanas, como a capacidade de escrever um texto jornalístico, ou conversar casualmente com outras pessoas, são agora facilmente realizadas por máquinas. Isso demanda mudanças no paradigma educacional. Há muitas habilidades humanas que se tornarão desnecessárias e precisarão ser substituídas por outras.

Quando uma rede social faz experiências para controlar o humor de seus usuários, por exemplo, não traz um risco à individualidade das pessoas?
É preciso estabelecer padrões éticos sobre pesquisa em redes sociais, especialmente porque nesse caso quem está sendo pesquisado somos nós mesmos, seres humanos. Dito isso, é importante enfatizar que esse tipo de pesquisa abriu um novo território para as ciências sociais, sem precedentes. É possível hoje compreender o comportamento social de forma muito mais precisa, o que não era viável antes. Acredito que a criação de padrões éticos de pesquisa, conjugado com a criação de modelos de pesquisa aberta, que permitem o acesso a qualquer pesquisador ao conjunto dos dados necessários para isso, possa ser um caminho promissor. Quanto mais gente pesquisando uma determinada área, mais rápido e mais confiável será o avanço alcançado.

A minha geração, nascida nos anos 1960, sonhava com viagens à lua, cura de doenças graves, carros supersônicos no século 21. Mas percebo e sinto hoje um sentimento distópico diante do que vem por aí: fome, natureza destruída, poluição, doenças em larga escala, grandes impérios econômicos em guerra, etc. O que pode ser feito para reverter essa tendência?
É preciso criar um novo modelo de desenvolvimento para o planeta. Os países desenvolvidos enfrentam o que vem sendo chamado de ;estagnação secular;, ou seja, a dificuldade de manter o crescimento econômico. Isso vem levando a um interessante debate sobre o mundo sem crescimento ou até mesmo um mundo em decrescimento. É claro que esse debate é diferente para os países mais pobres, como é o caso do Brasil. Mas a pergunta que precisa ser feita é: crescimento para quê? A razão de um país fazer um esforço para crescer é melhorar a vida das pessoas que vivem nele. Se estamos fazendo uma série de sacrifícios para crescer, mas isso na verdade vai continuar a piorar a vida da maioria pessoas, é preciso perguntar a razão desse esforço. Em outras palavras, acredito que é necessário pensar grande. A receita tradicional de promover o crescimento econômico sem se importar com seus custos e efeitos colaterais está batida. É possível fazer melhor do que isso.

Há correntes de pensadores que veem o advento da internet como um avanço para a humanidade, mas os efeitos colaterais dessa rede (de linchamentos públicos à amplificação a voz dos imbecis, como disse Umberto Eco) estão prevalecendo. Eco sugeriu um ;filtro; para reduzir esse impacto nocivo. Você concorda?
O estado atual da internet lembra o surgimento das grandes cidades no começo do século 20. Tanta gente vivendo junta no mesmo lugar começou a gerar uma série de conflitos inéditos. Era o caso dos linchamentos públicos, típicos do início de século passado, quando a multidão enlouquecia e buscava justiça com as próprias mãos. Aos poucos, foram sendo criadas ferramentas institucionais que deram conta dessas questões, como a universalização do acesso ao Poder Judiciário, o voto universal, a ideia de cidadania e assim por diante. Estamos em um momento similar na internet. Estamos em busca dos desenvolvimentos institucionais que farão com que a rede se torne novamente construtiva.

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