Alexandre de Paula
postado em 28/01/2017 07:30
Poucos compositores na música brasileira amaram tão bem quanto Paulinho da Viola. O autor de clássicos do samba soube tratar com maestria um tema tão falado e cantado por aí. Além de toda a poesia presente em suas letras, as canções de Paulinho têm dimensão filosófica e podem até ser vistas como forma de educação sentimental. É o que sustenta a cantora e pesquisadora Eliete Eça Negreiros no livro Paulinho da Viola e o elogio do amor.Foi quando decidiu fazer mestrado que Eliete percebeu que poderia juntar duas paixões: a filosofia e a música. ;Sempre tive essa vontade, mas não sabia muito bem como fazer esta relação. Como unir o livro e o violão;, lembra. A filósofa e professora Marilena Chauí incentivou e indicou alguns nomes que poderiam ajudá-la na empreitada.
Do mestrado, veio o primeiro livro sobre a obra do cantor, Ensaiando a canção: Paulinho da Viola e outros escritos. ;Neste primeiro trabalho fiz uma abordagem mais estética, com questões sobre o que é a poesia, a música, a relação entre ambas;, conta.
No doutorado, o foco passou a ser mais diretamente a questão filosófica da obra. ;Isto é, a canção popular pensada como modo de filosofar. E quando estava escrevendo este trabalho me dei conta de que, desde o início, a música e a filosofia tinham estado juntas no meu caminho e no de muitas pessoas, pois a canção é uma forma de conhecimento de nós e do mundo;, explica.
É com essa ideia de que a canção pode ser uma maneira de reflexão e de conhecimento que Eliete aborda o amor nas letras do sambista. ;Eu percebi essa dimensão desde a primeira vez que o ouvi. A primeira canção dele que escutei foi Coisas do mundo, minha nega que fala exatamente sobre o desejo de compreender o mundo, uma canção que falava do desejo de aprender, um samba filosófico;, sustenta.
Essa vontade de aprender e pensar está, segundo Eliete, muito presente nas canções de amor do compositor. As letras têm a capacidade de apresentar pontos sobre o sentimento e levar a novas reflexões e aprendizagens. ;Sua poesia é fruto de alumbramento e de reflexão. E por isso desencadeiam em quem escuta esse estado interiorizado. Paulinho é um mestre ao descrever os movimentos da paixão e, assim, ilumina alguns aspectos da alma humana para nós que o ouvimos;, comenta.
Maneiras de amar
Na pesquisa, Eliete encontrou nas letras três principais maneiras de representar o sentimento: o amor breve, o melancólico e feliz. ;Mas talvez existam outras maneiras também. Essas formas da representação do amor que encontrei não são excludentes, são faces de sua lírica e, às vezes, no mesmo samba, elas se misturam;, ressalva.
Como exemplo do amor breve, ela apresenta o samba Pressentimento, em que o compositor canta: ;Nosso amor não dura nada/ Mas há de dar um poema/ Que transformarei num samba/ Quando a gente se deixar;. Aqui, explica Eliete, está presente a ideia de que a vida é breve, a arte, porém, duradoura. ;O amor acaba logo, mas o samba permanece e torna perene esse amor fugaz;, confirma.
Já o amor melancólico aparece em canções em que a dor permanece mesmo quando o sentimento acaba, como em Nada de novo: ;Eu gostaria de ver/ Essa tristeza passar/ Um novo samba compor/ Um novo amor encontrar/ Mas a tristeza é tão grande no meu peito;.
O amor feliz seria estaria na celebração do sentimento entre duas pessoas. ;É a consagração do encontro dos amantes;, sustenta. ;Quando o sol iluminou/ A bela manhã do dia/Sobre o leito revirado,/Em teu corpo perfumado,/A luz descia/Eu então rezei/Agradecendo ao Criador/O prazer de conhecer/Por um momento/A felicidade deste amor;, canta o sambista em Bela manhã.
Tradição
Eliete aponta também que a maneira como Paulinho da Viola constrói suas letras segue uma tradição já explorada por outros autores tanto na literatura quanto na filosofia. ;Sua lírica se filia a tradição do pensamento ocidental que desde os gregos reflete sobre o amor, a amizade, os movimentos da subjetividade, a brevidade da vida, a melancolia, a felicidade;, aponta.
A pesquisadora aponta alguns autores, de épocas distintas, com quem as letras do sambista dialogam. ;Sua poesia nos remete, por exemplo, a Platão ; O Banquete e Fedro, a Aristóteles ; Ética a Nicômaco, a Montaigne ; Ensaios, a poesia de Safo e de Baudelaire, aos escritos do poeta-pensador Octavio Paz;, expõe.
Paulinho da Viola e o elogio do amor
Eliete Eça Negreiros. Ateliê editorial. 152 páginas. R$41.
Duas perguntas / Eliete Negreiros
Você escreveu também outro livro sobre Paulinho. Ainda há o que explorar na obra dele?
Há muita coisa, sim. Eu fiz um recorte lírico. Mas o Paulinho tem outras faces. Tem a face do samba exaltação, tem a face do cronista. Através da obra dele ; e por obra quero dizer não só as músicas que ele compôs, mas também as que interpretou ; podemos ter uma visão da origem e evolução do samba e do choro brasileiro. Acho que ele é artista único nesse sentido, no mundo do samba e do choro. Mantém a tradição e inova. Canção e música instrumental. E tudo é de uma excelência!
No livro, você escreve que a música brasileira é ;veículo da educação sentimental e estética da maioria dos brasileiros;, como o amor em Paulinho se insere nisso?
Na medida em que ele descreve seus estados interiores, de um modo profundo e belo, ele ajuda quem escuta a compreender sua alma, seu coração. Claro que as pessoas são diferentes, têm seus modos peculiares de ser, mas há uma possibilidade de identificação e aprendizado através da escuta das canções. Convém lembrar que o Brasil é um país onde a tradição oral é muito forte e a música é uma forma de conhecimento de si, do outro e do mundo. Então podemos ver nas canções de Paulinho da Viola, a presença de uma gaia ciência, no dizer de José Miguel Wisnik, ou de uma filosofia moral, no dizer de Olgária Matos.