A performance é uma arte efêmera, e Marina Abramovic sempre se preocupou em documentar muito bem suas ações para que não se perdessem no tempo. Muitos desses registros ; vídeos e fotografias, principalmente ; se tornam material para exposições e foi graças a eles que São Paulo pôde receber a maior mostra da artista já feita no Brasil. Agora, a mesma mostra ganha livro que documenta a experiência brasileira e a passagem de Marina pelo país.
Editado pelo Sesc e organizado pelo curador alemão Jochen Volz, Terra Comunal ; Marina Abramovic %2b MAI reúne textos de historiadores de arte, antropólogos, coreógrafos, filósofos e artistas, além de fotografias que revisitam a exposição montada no Sesc Pompeia em 2015. ;A experiência foi caracterizada por muitas camadas e conteúdos, por climas, durações e velocidades paralelos coexistindo nos espaços;, explica Volz. Ele lembra que esse foi o maior panorama histórico da prática de Abramovic apresentado até hoje na América Latina. ;Esta publicação é uma tentativa de traduzir em livro a riqueza estrutural da exposição, mas também serve como documentação do que aconteceu no Sesc Pompeia ao longo de nove semanas;, diz.
Segundo ele, um dos maiores feitos da exposição foi suscitar os encontros entre visitantes, performers e passantes que, ao visitar as obras, foram contaminados pela interação inerente ao trabalho de Marina Abramovi.? As fotografias e textos do livro permitem estender um pouco esses encontros. ;O registro de uma performance nunca irá se igualar à mesma e, por isso, não deve ser compreendido como a performance em si. Algo da efemeridade e da espontaneidade da performance se perde. Mas outras leituras se abrem. O livro foi pensado de forma que o leitor tenha uma outra experiência, mais reflexiva que imediata;, avisa. Ao final da publicação, uma entrevista com a artista é um convite para entrar no universo da performance.
Para o livro, Volz ; que já foi curador da Bienal Internacional de São Paulo, diretor do Inhotim e assume a Pinacoteca de São Paulo em maio ; reuniu textos que exploram as diversas vertentes da obra de Marina. A técnica de trabalho da artista, conhecida como método Abramovic, e sua trajetória são temas esmiuçados pela historiadora de arte Sophie O;Brien. Em Transcedência ; Marina Abramovic no Brasil, um dos textos mais reveladores da maneira como a artista trabalha, a antropóloga Regina Müller explica o sentido corporal das performances, sempre construídas com base na ideia de sacrifício físico e de autoconhecimento. A autora também explica a relação da artista com o Brasil. O caráter transcendental e quase religioso da obra também é tema do texto.
Marina Abramovic veio ao Brasil pela primeira vez no final dos anos 1980, depois de percorrer a Grande Muralha da China para uma performance na qual encerrou a parceria e o casamento com o também artista Ulay. Foi uma performance sem público e a artista quis passar para o público as sensações vividas no trabalho. Ela passou, então, a pesquisar as qualidades energéticas e minerais da região da Grande Muralha e acabou por descobrir semelhanças com o Brasil.;Ela estava em busca de países que também possuíssem aqueles minerais, para que ela pudesse construir seus objetos transitórios;, conta Volz. ;O Brasil surgiu como uma escolha natural, ela relata. Desde então, Marina voltou inúmeras vezes, pesquisando materiais, pessoas e lugares de poder, fazendo exposições, colaborando com outros artistas e performers, mas também para se retirar e para descansar.;
O método de trabalho utilizado pela artista ganha uma atenção especial em texto da coreógrafa Lynsey Peisinger. Ela explica como Marina vem, ao longo dos anos, trabalhando na diminuição da distância entre observador e observado ao criar os ;objetos transitórios; com os quais o público é levado a interagir. ;O Método Abramovic é uma síntese de todo o conhecimento da artista sobre performance. Com tempo e dedicação, experiências transformadoras tornam-se possíveis com a prática. O público é conduzido para a profundidade do experimento de troca de energia;, escreve Peisinger.
Marina Abramovic é uma das pioneiras na arte da performance. Nascida em Belgrado (Sérvia) há 70 anos, fez as primeiras ações nos anos 1970. O corpo sempre foi um instrumento contundente nas performances nas quais testava os próprios limites. A partir dessa prática, a artista inventou o conceito de reperformance, no qual outro corpo atuaria no lugar da artista seguindo um conjunto de instruções. ;Assim, o público é a obra de Marina Abramovic. Sem ele nada poderia ter acontecido. Hoje, mais do que nunca isso fica evidente pois não se trata apenas de um espectador passivo, mas de um corpo ativo que interage com a obra;, avalia Jochen Volz. Acima, o curador fala sobre a obra da artista e sobre o livro recém-lançado.
Terra comunal ; Marina Abramo ; vic MAI
Organização: Jochen Volz e Júlia Rebouças. Edições Sesc São Paulo, 304 páginas. R$ 90.
TRÊS PERGUNTAS/ Jochen Volz
Qual o papel do artista no universo de Marina Abramovi?
Como artista, Marina Abramovi? está muito interessada em desenvolver uma metodologia que pode ser ensinada às pessoas. Ela chama isso o Método Abramovi. Qualquer pessoa pode ir e aplicar isso por todo o mundo. Neste momento, ela está pesquisando novos métodos sobre como escutar uma peça de música clássica e como olhar para pinturas clássicas, por exemplo. Há também o modo de se alimentar. Como fazer um jantar para um, ou como fazer o jantar para dois. Marina acredita que um certo tipo de exercício poderia funcionar de verdade para todos, não importa se é um artista.
Como o livro complementa a exposição?
Esta publicação é uma tentativa de traduzir em livro a riqueza estrutural da exposição, apresentando a prática de Marina Abramovi? e o trabalho de todos os artistas convidados para um grande público, mas também serve como documentação do que aconteceu no Sesc Pompeia ao longo de nove semanas. Encontros poderosos entre visitantes, performers e passantes foram ativados por uma interação inerente à arte da performance e às proposições de Marina Abramovi.
Como o livro permite avançar na obra da artista?
Marina Abramovic foi figura fundamental na consolidação da performance como meio artístico. Seus trabalhos partem do próprio corpo como matéria prima de experimentação. Explorando limites físicos e mentais, ela superou dor e exaustão e, em alguns casos, até correu risco de vida em busca de formas de transformação emocional ou espiritual. Foram comissionados uma série de textos para esta publicação que convidam o leitor a se aproximar da obra e da prática da performance de outra forma e a partir de um olhar especificamente brasileiro.