Diversão e Arte

Em cartaz com peça sobre Marilyn Monroe Daniele Winits fala sobre teatro

Em entrevista ao Correio, a atriz fala sobre a relação com Marília Pêra e conta como é contracenar com o marido, André Gonçalves

Rebeca Oliveira
postado em 19/02/2017 07:00

Danielle Winits interpreta Marilyn Monroe na peça 'Depois do amor'

Poucos meses antes de morrer, vítima de câncer de pulmão em dezembro de 2015, Marília Pêra tirou do papel a 18; peça em que assinava a direção. Novamente, debruçou-se sobre uma mulher forte, como fez em Callas (sobre a cantora lírica Maria Callas). Era Depois do amor, um espetáculo que, curiosamente, relembra bastidores do longa não finalizado mais famoso da história, Something;s got to give (1962), o último em que Marilyn Monroe atuou antes de morrer, aos 36 anos.

A função a entorpecia e, mesmo debilitada com a doença detectada em estado avançado, Marília Pêra era só foco e força ; bem diferente das circunstâncias que não permitiram que a diva hollywoodiana completasse o longa pelo estado de ruína emocional em que se encontrava. Enquanto uma tinha desempenho inesquecível, apesar dos problemas de saúde, a outra, estava à beira do precipício.

Escalada para o papel da protagonista, Danielle Winits viu de perto o embate pessoal da amiga pela sobrevivência nos bastidores do espetáculo. Três meses antes de estreia, as duas ficavam horas na sala da casa de Marília Pêra ensaiando, religiosamente, de segunda a sexta. Escrita por Fernando Duarte, a primeira apresentação de Depois do amor ocorreu em Manaus em 5 de dezembro de 2015, justamente o dia em que a atriz faleceu, aos 72 anos. ;Era um touro disfarçado de borboleta;, relembra Danielle Winits.

Entrevista / Danielle Winits

Depois do amor reverencia a força de duas mulheres que viveram em épocas distintas, mas que assumem indiscutível importância para as artes. De que maneira Marilyn Monroe e Marília Pêra a influenciam?
São mulheres do seu tempo. Marília foi uma das maiores atrizes do seu tempo. Uma das maiores do mundo. Cantava, dançava, interpretava, dirigia. Estar perto dela, ouvir seus conselhos, suas histórias, seguir suas marcas e orientações foi maravilhoso. Cada ensaio, uma verdadeira master class. O palco era mesmo o seu território sagrado. Tive a oportunidade de trabalhar com ela na televisão e como diretora em Depois do amor. Quando Fernando Duarte, autor e produtor do espetáculo, me ligou dizendo que havia escrito uma peça sobre Marilyn, que Marília dirigiria, fiquei encantada com o convite. Fernando tem uma história maravilhosa. Ele foi camareiro de Marília, e ela foi sua madrinha quando ele começou a se arriscar na escrita. Esse lado generoso da Marília me tocava profundamente. Ela era muito delicada e generosa com os que estavam ao seu redor. Muito doce, mas também extremamente rigorosa. Era uma combinação de rigor absoluto e disciplinadora absoluta. Foi maravilhoso conviver com ela.

Que Marilyn ela desenhou para você?
No primeiro dia de ensaio, ela me disse: ;Temos que desconstruir o mito. Nossa Marilyn está em casa. Vamos pensar na mulher por trás do mito. Desconstruir a sex symbol e mostrar a mulher comum;. Era uma mestra. Genial. Marília deu vida para o espetáculo. Mesmo enfrentando o câncer, não abandonou a direção da peça e fez questão de acompanhar tudo de perto. Mesmo com a saúde debilitada, montou o espetáculo até o final. Isso faz toda a diferença. Chegamos a quase três meses de trabalho juntos, todos maravilhosos. E, independentemente de ela estar doente, teve um desempenho inesquecível. Considero que ela fez uma passagem nesse trabalho que é tanto dela quanto nosso. Para mim, ela é imortal. Com certeza, ela está nos acompanhando agora de um lugar bem bonito. A carta que ela deixou para ser lida pelo Fernando na estreia em Manaus foi uma das coisas mais emocionantes. Uma prova do respeito dela pelo ofício e pelo público.

Você teve o privilégio de estar perto de Marília em momentos de delicadeza e também de muita força, antes dela partir. Como foram os encontros?
Foram três meses maravilhosos. Ensaiamos na sala da casa dela. Sempre uma aula. Apesar da doença, ela se manteve muito firme. Era um touro disfarçado de borboleta. Ela quis muito participar do projeto. Esteve conosco até o fim e nos deixou um espetáculo lindo. Estreamos no mesmo dia do falecimento dela. A peça é uma homenagem a Marilyn e a Marília também.

O afeto une e também separa Marilyn Monroe e a costureira Margot Taylor. Ao final, pode-se dizer que há muito de empoderamento feminino nos diálogos de Depois do amor? Elas se admiram, apesar das circunstâncias?
Se admiram muito. É bonito ver esse reencontro, que acontece 10 anos depois. Elas não são mais tão jovens, seguiram suas vidas. Marilyn e Margot são mulheres com personalidades diferentes, mas com muita coisa em comum. A peça fala sobre a alma feminina e traz, além da homenagem, um estudo de temas femininos urgentes. O que é, afinal, a mulher na nossa sociedade? Fernando esboça em cena dois perfis de mulher contemporâneos um tanto complementares, pois são formas femininas de servidão no mundo dos homens. Este é o centro do debate. O que mais me interessou no projeto foi justamente ele trazer à tona a Marilyn mulher comum, humanizada, forte. Porém, expondo suas vulnerabilidades como qualquer ser humano.

Como é contracenar com o noivo, André Gonçalves ; e em um papel feminino, sem que soe caricato?
Está sendo maravilhoso. André é um grande ator. Ele usa um figurino muito discreto, a feminilidade da personagem está justamente na delicadeza da interpretação dele. Temos uma coxia feliz, uma equipe técnica muito competente, acho que isso faz toda a diferença. E se reflete no palco.

Marilyn já foi retratada uma centena de vezes em peças, filmes e outras produções. Como incorporar algo novo à mulher que parecemos conhecer tão bem?
Na peça, falamos mais sobre a Norma Jean, nome verdadeiro dela, do que a grande diva. Marilyn poderia ser um mero show de sex appeal, mas a peça vai por outro caminho. De sensual, só os momentos em que eu troco de roupa em cena, à meia luz, com um topless que ninguém vê mais do que minhas costas nuas. É uma interpretação muito emotiva, densa, repleta de sutilezas. Foi uma mulher que sofreu muito. Teve relacionamentos muito complicados. Apesar de ser um símbolo, não era tão respeitada quanto gostaria que fosse como atriz. Foi uma mulher à frente do seu tempo. Em 1960, ela falava de temas que eram tabus pra época. A vida de Marilyn também mostra um pouco os perigos e riscos do estrelato excessivo e como os sonhos se constroem e se desfazem ao longo da vida.

Depois do amor
Domingo (19/2), às 19h, no Teatro dos Bancários (EQS 314/315 Bl. A; 3262-9090). Ingressos a R$ 100 (inteira) e R$ 50 (meia), à venda na bilheteria do teatro e pelo site bilheteriadigital.com. Doadores de 2kg de alimento pagam meia. Não recomendado para menores de 12 anos.

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