Ricardo Daehn
postado em 20/02/2017 08:34
Crítico de alta credibilidade, com mais de 27 mil filmes assistidos, Rubens Ewald Filho atualmente encara uma tarefa relativamente política, à frente da secretaria de cultura de Paulínia (São Paulo). A cidade, que teve vistoso festival de cinema instituído em 2008, amarga duas interrupções na programação de uma festa que, em 2014, foi orçada em R$ 3,5 milhões. Aos 71 anos, o também dramaturgo Rubens não faz drama, com os encargos da nova função. ;Não sou político;, sublinha ele que, independentemente de vocação política, está, sim, empenhado com a tarefa de secretário e, desde já, alardeia a vontade de reavivar o festival de cinema.
Fora da esfera dos problemas burocráticos, Rubens Ewald Filho quer saber mesmo é de festa, e já preparou o smoking: no próximo domingo, comandará os comentários da cerimônia do Oscar, que chega à 89; edição. O crítico e apresentador contabiliza 32 participações no evento que chega às tevês brasileiras. É figurinha tão marcada que chegou ao apelido de ;o homem do Oscar;, além de ter publicado, há mais de década, O Oscar e eu.
Ao Correio, Rubens Ewald fala das expectativas com a festa, do colorido divergente previsto com o governo de Donald Trump, e de ausências sentidas na lista da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, entre as quais as das atrizes Sônia Braga (notável, em Aquarius, mas ignorada no corte final do Oscar) e de Amy Adams, que teve visto para o Oscar cancelado com o exitoso A chegada. ;Amy Adams é daquelas de quem todo mundo é fã. Também a vejo como uma gracinha. Ela ainda terá muitas chances, no Oscar, como todos esperam;, observa Rubens.
Amante da era dos musicais, o crítico não esconde a predileção pela produção La la land ; Cantando estações, entre os finalistas a melhor filme. Respeitoso e admirador do histórico da velha guarda de Hollywood, ele não encoraja ;desrespeitos; como aquele muito comum de chamá-los de ;velhinhos;, quando o tema é o da seleta comissão dos pré-candidatos a melhor filme estrangeiro, que tanto castiga diretores brasileiros. ;Acho ofensivo ver os criadores e grandes diretores ainda vivos serem chamados de velhinhos! (risos). Certamente, entendem muito mais de cinema do que esses imbecis que fazem um filme mais ou menos que engana os outros, e depois somem para todo sempre;, esbraveja.
Entrevista / Rubens Ewald Filho
Quanto ao revival dos musicais, um gênero em desuso, com La la land: isso é algo calculado pela indústria?
Não há nada calculado, pelo que entendo. Aliás, acho que tenho de tomar posição, mesmo na defesa de um filme leve e inocente: La la land vai ganhar porque acho que Los Angeles não tinha um filme que a homenageasse ; é meio orfã. E há de se levar em conta que já deram o Oscar de melhor filme para uma fita média feita para mostrar bem a cidade, que foi o Crash (2004). Pois é: agora conseguiram fazer um filme romântico e bonito, com imperfeições, também acho ; mas, me emocionou. Entenda que eu passei minha vida inteira, não apenas profissional, elogiando o musical, um gênero que sempre foi perseguido. Ou seja, tenho que ser coerente e defender La la land; embora prefira Moonlight (risos).
O que esperar do Oscar na era de Trump?
Deus sabe, e, depois do discurso de Meryl Streep e Viola Davis, ainda menos ainda se prevê (risos). Há manifestações na festa do Globo Ouro, no âmbito do Sindicato dos Atores. Então, tudo é possível. Não acredito, porém, em nada agressivo, porque já está tudo muito quente por lá e cada vez mais polêmico. Estão descobrindo que não basta gritar para conseguir o que se deseja (risos).
Casey Affleck será, e é, o melhor ator, por Manchester à beira-mar?
Deus nos livre! Acho ele péssimo ator e péssimo caráter ; você sabe que ele foi acusado não de estupro, mas da tentativa de sexo, num caso mal explicado, que envolveu, na verdade, duas mulheres e ele teve que pagar mais de US$ 2 milhões para conseguir o silêncio das envolvidas? Esse é o melhor ator, veja que beleza! Ele é muito pior do que o irmão Ben Affleck que, ao menos, é simpático (risos). Manchester é lento e irritante, ainda que agrade a certas pessoas, por sua narrativa moderna no estilo A chegada, com tramas paralelas. Olha, em geral, eu revejo filmes para ter certeza do que senti. Mas, com Manchester não aconteceu. Fora Casey (risos)!
Indicar Meryl Streep, literalmente, pela vigésima vez, é questão de inércia da Academia?
Não, não é. É prestigio mesmo. O discurso dela no Globo de Ouro foi o máximo. Além de tudo, ela é encantadora, quem a entrevista, para a eternidade, fica gostando dela. Além de tudo, é ótima atriz, daquele tipo que até erra, de vez em quando ; até porque é bem humana! Mas, ela não precisa ganhar este ano, por Florence ; Quem é essa mulher?, por enquanto, basta para ela (risos).
Isabelle Huppert (de Elle) ou Sônia Braga (que deixou de estar no Oscar, com Aquarius): quem tem a preferência?
Como? O quê? Adoro a Sônia! Ela é minha amiga de muitíssimos anos... E, em Aquarius, ela tem o seu melhor trabalho porque lhe deram o papel que precisava. Foi um grande erro não terem indicado, oficialmente, ela para o Oscar. Huppert, bem ou mal, acabou finalmente reconhecida no mercado mundial, com a vitrine do Oscar, já que era figura somente europeia e muito conhecida no Brasil, onde veio fazer teatro e o pessoal, no qual me incluo, ficou louco por ela. Bom, possivelmente, não ganhará, mas já é uma honra mais do que merecida esta indicação ao Oscar.
Martin Scorsese (e seu longa Silêncio) perdeu prestígio, junto à Academia?
Sim, seguramente. Ele também já errou antes, nem precisa de muito esforço para lembrar no que: o recente piloto da série Vynil foi uma merda irretocável (risos). Silêncio tem seus defensores porque é um filme chato, e critico, como você bem sabe, adora um filme chato (risos).
Mulheres empoderadas e negritude em pauta; afinal, a Academia se modernizou?
Esta palavra que inventaram agora é fogo, né? ; ;empoderadas; (risos). Meu Deus! Isso me faz pensar em coisas bem feias (risos). Bom, não é o caso, aqui, porque, sim, você tem razão e acho isso muito bom porque são atrizes supertalentosas que compõem Estrelas além do tempo: adoro todas as três protagonistas do longa-metragem que considero uma atração deliciosa e surpreendente, e as três estrelas deviam ter sido indicadas. Brincando, fizeram do filme uma lição de história e de antirracismo.
Ryan Gosling, um cara de família
Na pele do apaixonado pela história e pela tradição do jazz Sebastian em La La Land: Cantando estações, Ryan Gosling volta a aparecer nas indicações para o Oscar de melhor ator, além de ter levado o Globo de Ouro de melhor ator em comédia ou musical.
Sebastian é um músico dedicado ao jazz tradicional que sonha em ter seu próprio bar e encontra sérias dificuldades em emplacar grandes trabalhos, tendo que se virar em shows em bares e boates pequenas. Em entrevista ao Entertainment Weekly, Ryan conta que seu personagem inicialmente era mais jovem e otimista, mas por causa da idade do intérprete (36 anos), mudou o personagem e mudou de estilo. ;Nós o transformamos num cara mais velho que já passou por muitas decepções e falhas. Ele é quase cínico, à beira de se tornar uma pessoa amarga; explica.
Esta é a segunda indicação ao Oscar para o ator ; a primeira foi em 2007 por Half Nelson: encurralados, filme que rendeu a ele o primeiro Globo de Ouro, prêmio a que concorreu também por Amor a toda prova (2012), Tudo pelo poder (2012), Namorados para sempre (2011) e A garota ideal (2008).
Ryan nasceu em Ontario, no Canadá, e foi alfabetizado em casa pela mãe. O ator começou no meio das artes cantando em shows de talentos com a irmã mais velha, Mandi. A carreira dele começou no programa The Mickey Mouse Show, do qual participou por dois anos. O artista ficou mais conhecido por sua atuação em Drive (2011), A grande aposta (2015), Amor a toda prova (2011) e Tolerância zero (2001), pelo qual recebeu o prêmio do júri no festival de filme de Sundance.
O ator é o que poderíamos chamar de ;cara de família;. Ao agradecer o Globo de ouro deste ano, ele lembrou a esposa, a atriz Eva Mendes, e o cunhado, que faleceu de câncer ano passado. ;Enquanto eu estava cantando, dançando, tocando piano e vivendo uma das melhores experiências que eu já tive em um filme, minha esposa estava criando nossa filha, grávida da nossa segunda, e tentando ajudar o irmão dela a lutar contra o câncer;, declarou.