Era uma vez uma garota que queria se casar com um príncipe e, com ele, viver feliz para sempre. O verbo, flexionado no passado, faz todo sentido. Às meninas da nova geração tem sido oferecidas leituras que vão além do velho enredo de que, para serem bem-sucedidas, as mulheres precisam do suporte de um homem. Reforça esse novo filão o livro ilustrado Histórias de ninar para garotas rebeldes, escrito pelas americanas Elena Favilli e Francesca Cavallo, cofundadoras da editora Timbuktu Labs. A obra traça um perfil de 100 mulheres que marcaram a história e descobriram o mundo sob diferentes perspectivas. E que, pela ousadia, fizeram dele um lugar mais aprazível.
A ideia é usar o formato de fábulas, comum nas histórias encantadas, mas aplicá-lo à biografia de grandes mulheres, contemporâneas ou não. No balaio, entram a pintora Frida Kahlo, a rainha Elizabeth I, a escritora J.K. Rowling, a ativista Malala Yousafsaia, a tenista Serena Williams e a surfista brasileira Maya Gabeira.
Astronautas, chefs, engenheiras. Mulheres podem ser o que quiserem. Inclusive tirar conceitos da gaveta mesmo sem a ajuda de grandes empresas. As autoras conseguiram verba para criar o projeto por meio de financiamento coletivo. Pediram R$ 120 mil e ganharam quase R$ 2 milhões. ;Foi insano. Tínhamos muitas expectativas de que o projeto seria bem-sucedido, mas não nesse nível;, contou Favilli ao jornal britânico The Guardian.
Um dos pontos de partida foi um minucioso estudo da Universidade Estadual da Flórida. A pesquisa constatou que de seis mil livros infantis publicados entre as décadas de 1990 e 2000, apenas 7% tinham protagonistas mulheres. O pior é que, quando apareciam, era comum elas serem estereotipadas. ;Livros são uma peça importante na nossa cultura e os livros infantis são especialmente importantes porque o que as crianças leem na infância assume um grande impacto quando elas viram adultas;, contou Elena ao tablóide DailyMail.
Sem gênero
Apesar de o título sugerir uma leitura voltada a meninas, as autoras querem que a obra encontre ressonância em garotas e garotos. É essa, também, a ideia de Anti-heróis: Eduardo Galeano para meninos e meninas. A obra pertence à mesma editora argentina que lançou a coleção Antiprincesas, em que Frida Kahlo e Clarice Lispector tiveram a vida retratada em história em quadrinhos. Revoluções, amor livre, homossexualidade e morte são temáticas presentes dos livros.
Em espanhol, o primeiro anti-herói eleito foi o escritor argentino Julio Cortázar. Em português, a editora brasileira Sur, responsável pela tradução, optou por começar com Eduardo Galeano, um nome mais popular em terras tupiniquins. Em vez de princesas e heróis, pessoas reais aparecem como uma alternativa à tradicional literatura infantil. ;Elas simplesmente ignoram os aspectos socioculturais e introduzem idealizações de gênero desde muito cedo na cabeça das crianças;, critica Lucas Ferreira, da editora Sur.
;A infância é a fase mais aberta a transformações. Esses conceitos são tão maleáveis nas crianças que a maior dificuldade de aprendizado está nos adultos, que se reeducam perto dessas crianças;, defende Ferreira.
;Mostrar a uma criança que ela tem o poder de mudar o próprio mundo e o dever de mudar o mundo ao seu redor é uma das maiores contribuições da coleção;, acredita.
De acordo com Ferreira, o trabalho desenvolvido é um grãozinho de areia que abre o debate com todos e todas em cada geração. ;Tentamos somar, a partir da literatura, à batalha que gera questionamentos sobre a infância, sobre os modelos estabelecidos e pensar quais são as coisas que realmente acontecem em nossa vida: estamos alegres, tristes, ficamos doentes, amamos, odiamos, lutamos, choramos, envelhecemos;, complementa.
Histórias de ninar para garotas rebeldes
De Elena Favilli e Francesca Cavallo.
Tradução de Carla Bitelli, Flávia Yacubian & Zé Oliboni. VR Editoras, 220 páginas. R$ 99,90.
Anti-heróis:
Eduardo Galeano para meninos e meninas
De Nadia Fink e Pitu Saá. Sur, 26 páginas. Preço: R$ 25.