Diversão e Arte

José Luiz Villamarim estreia como cineasta

O diretor de Avenida Brasil é economista de formação, mas perdulário no reino da criatividade do cinema e da tevê

Ricardo Daehn
postado em 05/03/2017 07:30

José Luiz Villamarim: ao fundo, o filho dele, Lucas, que foi diretor assistente do longa Redemoinho

José Luiz Villamarim, só em direção de tevê, contabiliza 25 anos. Na bagagem, ele assinou sucessos como Avenida Brasil, O rebu e Anos rebeldes, sempre com um Brasil em convulsão. ;Aos 50 anos, do segundo tempo;, como ele brinca, estreia em cinema, com o longa Redemoinho. Sem muitas certezas, num terreno onde só enaltece uma ; ;no terreno artístico, quando você achar que está tendo muitas certezas, penso que seja o fim de uma carreira; ;, Villamarim comemora a inesperada repercussão de Redemoinho, celebrado pela crítica.

;Como sou mineiro, gosto de voltar ao exame do pertencimento, um dado que é muito importante na obra do escritor Luiz Ruffato, no qual baseei o Redemoinho. Gosto muito da escrita dele, que é muito poética. Ruffato foi operário, fala do que sabe, ele conhece muito bem a vida daqueles personagens. Na adaptação, pude mostrar que, nas classes menos favorecidas, há dramas normais, naturais ; tais quais os nossos. O Ruffato, aliás, foi quem já disse que as pessoas, de modo geral, acham que ;pobre não pensa;;, ressalta Villamarim, um tanto descrente, contanto, da educação nacional.

Ele gosta de citar a frase recorrente na vida: ;Quando a sorte me encontrou, eu estava trabalhando;. Villamarim conta, ao Correio, da ótica que leva adiante, nas artes: acha importante ressaltar a violência corrente no país (tema-chave para obras como Justiça) e dá visibilidade à Minas Gerais que não é folclórica, ;longe das montanhas e do barroco;. Além disso, se esbalda no registro das belezas de atrizes como Dira Paes (;;torada no açaí;, como diz) e de Cássia Kis, celebrada pela ausência de botox.

Redemoinho: na estreia em longa, Villamarim buscou ultrapassar a Minas folclórica

Você tem uma trupe constante de atores nas suas obras. O público identifica e quer repetição deste núcleo sempre perfeccionista e bem-casado?
Não parto deste princípio. O casting é uma etapa que trato com muita paciência e parcimônia. Errar nisso resulta num problema danado. Quando dirigia a série Amores roubados, convidei o Irandhir Santos para estar no filme Redemoinho, por ver claramente que ele era o Luzimar, um dos protagonistas. Procurava uma presença física do brasileiro. A Dira Paes tem a figura brasileira na pele dela: digo até que ela é ;torada no açaí;; por vir do Pará. E temos a Cássia Kis, que é uma das poucas atrizes que não se estragaram na base do botox e de mudanças drásticas no rosto. Ela tem uma verdade.


É difícil trazer para cinema e tevê tramas originais?
Histórias originais? Sempre tive vontade de fazer. Mas, quando me deparei com a literatura do Ruffato, com aquela potência imagética, vi, na hora, Redemoinho. Adaptação, para mim, é uma recriação. Com o George (Moura, roteirista), adaptei O canto da sereia (de Nelson Motta); Amores roubados veio da obra de Carneiro Vilela; A emparedada da rua nova. Já Nada será como antes foi algo original. O que é difícil são bons roteiros, problema que vejo de modo global. Algo a ser resolvido com trabalho na indústria de cinema, como a Ancine tem tratado de fazer. De algum modo, você começa a criar uma mão de obra. Antes, o roteiro estava mais limitado para a televisão. Com o lançamento de 140 filmes por ano; nisso, começa uma prática e um mercado. Se não mexerem na Ancine, teremos até carência de roteiristas, como produzimos muito.

Como percebe fusões das linguagens entre cinema e tevê?
Não gosto daquela comparação antiga de que televisão bem-feita parece cinema. Acho que existe tevê de qualidade e outra, sem; assim como existe cinema bem-feito e cinema malfeito. Não acho que não se deva deixar de beber na fonte do cinema. Cinema é a base do audiovisual, é onde se avança em termos de linguagem. Aplico-me ainda nas artes plásticas, na literatura e na psicanálise. Com relação ao preconceito relacionado à tevê, posso dizer que não senti: Redemoinho tem sido muito bem-aceito, pelo menos, nas críticas que leio. Foi bom ter feito o filme na maturidade, aos 50 anos.


A experiência teve respaldo na solidez da carreira?
O desejo da estreia em cinema sempre esteve lá, no que chamo de ;canto de quadro;. Esperava me encantar com um projeto, o que aconteceu quando me deparei com a obra do escritor Luiz Ruffato. Para o cinema, pesquisei mais e aprofundei o que tenho feito em televisão. Vejo o cinema como a síntese das artes ; e apesar de eu não fazer televisão, entre aspas, do cotidiano ;, vejo o cinema como esta obra fechada que demanda um ritual para se assistir. Opto por projetos que tenham a dizer tanto para mim quanto para o espectador. A questão do conforto não existe. Cada vez mais, quanto mais inseguros estivermos, melhor. Do ponto de vista artístico, quando você achar que está tendo muitas certezas, penso que seja o fim de uma carreira. Cada vez, a cobrança é maior. A superação sempre me deixa nesta: ;Meu Deus do céu! O que vou fazer agora?!” (risos). É algo da natureza deste trabalho que a gente realiza.


Você tem queda pela violência nos teus trabalhos?
Nós vivemos num país violento. Acho importante falar disso. Tendemos a dizer que o Brasil seja um país alto-astral, mas é um país violento. A crise prisional está aí, como sempre esteve. Matou-se mais no Rio de Janeiro do que na Guerra da Síria, por exemplo. A dramaturgia acaba reproduzindo o que está aí. Vivemos num país sensual, que tem muito bom humor, país que mistura elementos românticos, esperançosos, caretas. O Brasil é gigante, né?! Não há receita. O que dá certo em tevê não se sabe. Caso contrário, estaria muito bem, num lugar do mundo, muito rico (risos).


Como vê a ;intromissão; das séries de tevê e da internet no mundo audiovisual?
Nos 10 últimos anos, com a golden age das séries norte-americanas, houve um sacode na dramaturgia não só do Brasil, mas do mundo. Com este fato, a tevê levantou novamente ; passou a ser interessante para todos que se desfizeram de preconceitos. As séries vieram a mostrar a possibilidade e a necessidade da busca por novos caminhos. Os plots das séries americanas são maravilhosos. Eu costumo dizer: ;Como não fizemos Breaking bad?!’. É a cara do Brasil: alguém sofrendo com câncer ir viver de tráfico de drogas (risos). Antigamente, ninguém poria Justiça ; que, na trama, é cheia de problemáticas radicais ; no ar. Dependendo do projeto, temos que bancar os riscos. No fundo, refletimos as coisas que acontecem na vida. O Brasil também tem um caretice no ar: ora avança, ora retrocede.


Como está nosso país?
O Brasil está no pior momento do mundo, mas uma crise, geralmente, quando é profunda, é boa para mudanças. Se realmente conseguirem investigar as trapaças, e ir a fundo, será muito bom. É bom que vivamos esta crise, profundamente. A questão brasileira é simples: nós não temos educação. Um país sem educação nunca vai à frente. Esta é a grande questão brasileira a ser resolvida. Tivemos uma ilusão de um país de commodities, com situação econômica mundial melhor. Mas, se você não educar, nunca vai chegar a lugar nenhum. Naquela época de crescimento econômico, havia um gargalo, de mão de obra especializada, a ponto de trazermos pessoas de fora. Do ponto de vista político, um país sem educação não tem futuro. Vivemos um momento terrível em que nos encontramos e em que reproduzimos as mesmas problemáticas, sob os mesmos modelos. Você vê o Congresso, daquela mesma maneira ; é de uma tristeza enorme. Imagina se começar a melar a Lava-Jato!

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