Diversão e Arte

Grupos se empenham em aumentar visibilidade de livros escritos por mulheres

Coletivos de escritoras se espalham com o objetivo de aumentar o acesso à produção literária feminina

Isabella de Andrade - Especial para o Correio
postado em 11/03/2017 07:31

Reunião do Leia Mulheres em Brasília, atualmente o grupo se instala em diversas cidades  do país

Ampliar o espaço feminino no mercado editorial, mostrar que a literatura produzida por mulheres integra diversos gêneros e vai além dos romances afetivos ou autorais, equiparar a publicação e leitura entre autores e autoras. São esses alguns dos objetivos dos coletivos literários criados por mulheres em diferentes regiões do país.

Entre os representantes conhecidos estão Leia Mulheres, Leia Poetisas, Coletivo Marianas, Kdmulheres e Leia Mulheres negras. A ideia principal é preencher, nas livrarias e estantes pessoais, uma lacuna criada pela falta histórica de reconhecimento cultural e intelectual feminino.

Representante brasiliense do Leia Mulheres, uma das maiores iniciativas atuais do gênero, a jornalista Patrícia Rodrigues conta que o projeto surgiu em São Paulo, em 2014, e se espalhou pelo Brasil. O motivo da criação é simples: o mercado editorial ainda é muito restrito e as mulheres não têm tanta visibilidade. Os encontros para debater os livros escolhidos são mensais e Patrícia conta que muitos participantes quebram os próprios paradigmas durante as reuniões. ;As discussões são enriquecedoras e percebo que as pessoas estão respeitando mais as opiniões que divergem das delas. Não existe nada melhor do que debater gênero, maternidade e alguém dizer ;poxa, vida, não havia percebido isso. Faz sentido;;, conta.

Patrícia lembra que ainda existe a ideia preconceituosa de que mulheres escrevem apenas livros românticos para outras mulheres. ;A verdade é que mulher, assim como homem, escreve sobre tudo. Nos encontros discutimos sobre os mais variados temas: profissão, gênero, racismo, preconceito, maternidade, psicopatia,;, afirma.

Mais demanda
Para a mediadora do Leia Mulheres, o projeto possibilita que mais pessoas conheçam autoras que muitas vezes não seriam a primeira opção de leitura. Com o aumento de demanda, aumenta a oferta. Essa ampliação do mercado pode fazer com que mais meninas se sintam motivadas a começar a carreira literária. A ideia é incentivar a leitura de autoras de diferentes partes do mundo, expandindo o eixo Estados Unidos ; Inglaterra. ;Eu indicaria as obras da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, as narrações são de tirar o fôlego;, conta Patrícia Rodrigues.

Criado como subgrupo do projeto, o Leia Poetisas aproxima a poesia dos leitores, mostrando que os versos não precisam ser vistos como algo complexo ou inacessível. A escritora brasiliense Patrícia Colmenero é uma das criadoras do grupo no Distrito Federal e conta que a ideia é incentivar as pessoas a experimentar as brincadeiras que a poesia cria com as palavras e a linguagem. ;A poesia é uma área mais marginal dentro da literatura brasileira e como as mulheres já são marginalizadas de uma forma geral, na poesia são mais ainda;, afirma a autora.

Colmenero destaca que estes projetos têm muita importância na busca de um equilíbrio entre a publicação e leitura de homens e mulheres, equiparando as estatísticas. ;A Virgínia Woof, no livro dela Um teto todo seu, fala que, provavelmente, muitos daqueles textos que lemos e que vem sem assinatura, assinados como anônimos, devem ter sido escrito por mulheres, mulheres que nunca foram reconhecidas como escritoras;.

Grupo representante do coletivo Leia Mulheres Negras


A professora e pesquisadora Bianca Gonçalves criou o grupo Leia Mulheres Negras e estuda a questão das autoras negras e da literatura marginal-periférica. A página foi idealizada para suprir a dificuldade de encontrar conteúdos com essa temática e para reunir o público interessado. Bianca conta que o retorno tem sido positivo, com mensagens diárias de agradecimento e sugestões. ;Acredito que o gesto seja importante para dar visibilidade às autoras que são pouco divulgadas ou sequer são publicadas por editoras e, por isso, não dispõem de um aparato de publicidade, pensando que a experiência da autopublicação é recorrente entre autoras negras;, afirma.

Para Bianca, é fundamental preencher essa lacuna no mercado literário. Ela lembra que a maioria dos autores em editoras nacionais é composta por homens brancos de classe média que. ;Essa maioria insiste em construir ficcionalmente o mesmíssimo espaço que ocupam;, afirma. A pesquisadora gosta de incluir em sua crítica não somente a questão das desigualdades de gênero e raciais, mas também a restrição de um só gênero literário, já que não existem somente romances, há também poetas, ensaístas e pesquisadoras negras que escrevem livros.

Outra importante questão levantada é a questão do próprio acesso à leitura e aos estudos, historicamente mais restritos entre a população negra brasileira. ;Escrever um livro talvez seja o ápice da atividade intelectual, algo que demanda tempo e capital, tanto financeiro como cultural. As lutas pela democratização do ensino, reivindicações por cotas e políticas de permanência em universidades são centrais para a existência da paridade entre pessoas negras e brancas no exercício intelectual;, afirma Bianca. Ela indica a leitura da brasileira Conceição Evaristo e da estreante portuguesa Djaimilia Pereira de Almeida, que usa a obra Esse cabelo como mote para se pensar sobre identidades e subjetividades no contexto português.

Questão histórica

Uma das primeiras iniciativas deste gênero é o projeto KDmulheres, iniciado em 2014, época em que a lista da Flip (Festa literária de Paraty) trazia apenas 7 autoras para 44 autores. Na frente de criação do projeto está a jornalista e escritora Martha Lopes (32), que lembra que, a partir dessa iniciativa, foi criado um coletivo para desenvolver diferentes atividades. ;Demos oficinas gratuitas de escrita para mulheres e desenvolvemos um projeto que visa resgatar histórias de escritoras brasileiras que foram inviabilizadas pela história;, conta.

Martha destaca que temos uma desvantagem histórica para superar. Historicamente, as mulheres tiveram acesso à escrita e à educação mais tarde do que os homens, o que já é uma dificuldade. Além da questão do pensamento que restringe a escrita de mulheres para um determinado gênero literário, existem questões estruturais no cotidiano das escritoras. ;Muitas mulheres ainda assumem o cuidado dos filhos, não contam com a divisão igualitária de tarefas dentro de casa, e tudo isso se reflete em tempo para a escrita. É comum, por exemplo, ver escritores com filhos em eventos, viagens, reclusos no processo de produção literária. E as mulheres com filhos? Isso já é mais raro;.

Iniciativas que se espalham

A ideia de Andréia Carvalho Gavita (43) se espalhou e tem incentivado mulheres de outros estados. Criadora do coletivo Marianas, a técnica de farmácia ambulatorial e poeta fez uma chamada nas redes sociais para reunir mulheres artistas de Curitiba. O grupo se juntou disposto a realizar ações para divulgar o trabalho cultural realizado por mulheres, entre saraus, récitas e intervenções artísticas. O nome do coletivo que reúne diferentes autoras da cidade é inspirado na escritora Mariana Coelho, que escreveu, entre outros, o livro A evolução do feminismo: Subsídios para a sua história. ;O trabalho cultural produzido por mulheres ainda é considerado menor e adjacente. Quando nos unimos para revelar a quantidade de cultura produzida por mulheres, estamos oportunizando e respaldando a pesquisa que é filtrada e ditada pela hegemonia masculina;, afirma.

Para Andréia, o estigma de que a mulher só escreve ou produz arte como passatempo emotivo e confessional está enraizado na mentalidade de muitos homens e mulheres. ;Como exemplo real, citaria uma reportagem sobre uma antologia escrita apenas por autoras mulheres, onde o jornalista nos perguntou se era escrita para leitoras mulheres. Isto faz parte do imaginário de muitos leitores e leitoras;. A criadora do projeto conta que, atualmente, compra e lê muito mais livros escritos por mulheres, para tentar equiparar suas leituras na estante e na mente. Além disso, a poeta destaca que as autoras trazem outra visão de personagens femininas.

Em comum, todos os grupos e coletivos buscam expandir a ideia de que a literatura é universal, realizando ações que validem a produção cultural de mulheres e mostrem que a luta por este reconhecimento mútuo ajudará, e muito, na paridade da produção literária e cultural.




Diferença histórica
De acordo com o livro Literatura brasileira contemporânea, de Regina Dalcastagné, publicado em 2012, 72% dos autores publicados no Brasil são homens, brancos, de classe média, moradores do Rio de Janeiro e São Paulo, professores ou jornalistas. As mulheres continuam sendo minoria no mercado editorial.



Conheça os coletivos

Coletivo Marianas:

www.coletivomarianas.com

Leia Mulheres:
www.leiamulheres.com.br

Leia Mulheres Negras: www.facebook.com/leiamulheresnegras

Kdmulheres:
www.kdmulheres.com.br

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