Durante as aulas de teoria e técnica musical no departamento de música da Universidade de Brasília (UnB), Bohumil Med fazia questão de inserir pequenas anedotas sobre compositores, músicos e maestros. Era uma forma de tornar mais humana uma disciplina sobre temas áridos e essencialmente técnicos. Certo dia, um aluno sugeriu que o professor escrevesse um livro com as historinhas usadas para temperar as aulas. E Bohumil começou a passar tudo para o papel. Foram necessários 10 anos para dar a forma final a Música é coisa séria;mas nem sempre.
O livro é um misto de memórias com história da música. Tem um lado didático -mas nada enfadonho - quando o autor decide explicar a dinâmica das orquestras, como trabalham, para que serve um maestro, o que é um concerto e quais as características de certos instrumentos. É uma excelente introdução ao universo da música de concerto, com um texto leve, sem ser superficial, divertido e acessível a todas as idades. Mas tem também um lado histórico, com aulas sobre estilos e compositores. E, principalmente, um tom bem-humorado que perpassa toda a obra. ;Para vender o livro, tive que colocar algumas piadas;, brinca Bohumil, 77 anos.
Na verdade, ele sempre foi cativado pelo lado humano dos grandes nomes da história da música. ;O lado humano não consta na academia. Aprendi muito lendo sobre os compositores. Sobre Liszt, por exemplo, li pelo menos 10 livros para juntar as historinhas. Sempre me preocupei com esse lado da história da música;, conta. ;Deixei as coisas sérias para o final do livro.; Um capítulo faz uma pequena introdução à teoria musical, mas é no trecho dedicado aos maestros que estão os melhores momentos do livro. Bohummil vai de piadas que circulam pelas orquestras quanto ao ódio a maestros autoritários e egoicos até histórias reais de regentes que foram destituídos ou que acreditavam ser tão imortais que exigiam contratos com 25 anos de duração, renováveis por mais 25, quando já avançavam para os 90 no momento da assinatura.
A maneira como Bohumil transita pela narrativa é a mesma de quando conta, em voz alta, as histórias do livro. O forte sotaque tcheco faz parte da fala do músico. Ele nasceu em 1939 na então Tchecoslováquia, nos tempos do regime comunista. Estudou trompa no Conservatório Estatal de Música, em Praga, e se formou na Academia das Artes Janácek. Já estava empregado em uma orquestra quando decidiu deixar o país. Casado, pai de um bebê e morando em um quarto de 15 m; sem banheiro, Bohumil ficou desanimado com a falta de perspectiva em conseguir uma moradia melhor ; as moradias eram controladas pelo estado ; e achou que era hora de emigrar. Tentou a Alemanha, mas não deu certo. Um dia, em Praga, soube que o maestro brasileiro Isaac Karabitchevsky procurava músicos para a Sinfônica Brasileira. Bohumil fez a prova, passou no concurso e acabou contratado.
Ele chegou ao Rio de Janeiro em 1968 e, além de tocar na orquestra, dava aulas no Instituto Villa-Lobos. Em 1974, recebeu um convite do Departamento de Música da UnB e trocou a praia pela terra vermelha da capital. No Rio, Bohumil pediu ao pai, que ficara na então Tchecoslováquia, para mandar as apostilas e cadernos das aulas no conservatório. Ele preferiu os métodos tchecos aos brasileiros para ensinar os alunos do instituto. Ao longo dos anos, criou apostilas que acabavam mimeografadas para serem entregues aos alunos.
Em Brasília, o músico achou que precisava dar um passo adiante e se livrar do mimeógrafo. Depois de experimentar algumas editoras independentes e de se irritar com os resultados pífios da distribuição do material, fundou uma editora para dar conta da própria produção. Mas, para valer a pena, precisava que ela crescesse. Incorporou então publicações dos amigos. Não satisfeito, resolveu montar uma loja de partituras. ;Para cobrir os custos, tinha que ter volume de venda maior;, conta. Começou a vender partituras e criou a Musimed, hoje uma das últimas lojas especializadas em livros e partituras de música no Brasil.
O acervo cresceu e a loja abriga, hoje, 100 mil títulos, característica que levou o nome do negócio para o mercado internacional. Do Conic, onde Bohumil abriu a primeira loja, em 1982, a Musimed passou para a W3-Sul. O músico diz que o acervo só cresce. Mesmo assim, a internet atrapalha um bocado o negócio. ;Hoje, você encontra quase tudo de graça na internet. Diminuiu muito a quantidade de pessoas que querem partitura bonitinha, diz. ;E é impressionante como diminuiu o número de roqueiros na loja. Acho que eles não leem mais partitura;, brinca. A editora criada nos anos 1970 também continuou a publicar e hoje tem 100 títulos no catálogo.
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Música é coisa séria; mas nem sempre
De Bohumil Med. Musimed, 264 páginas. R$ 69.