Diversão e Arte

Premiada peça 'Fio a fio' volta aos palcos com reflexão sobre envelhecer

O primoroso trabalho de Giselle Rodrigues e Édi Oliveira constrói-se a partir das estéticas e dos elementos da dança-teatro, criando uma atmosfera de reflexão

Isabella de Andrade - Especial para o Correio
postado em 15/03/2017 06:01

Os bailarinos Giselle Rodrigues e Édi Oliveira construíram um espetáculo para encenar a efemeridade, o afeto e a solidão da velhice

O primoroso trabalho de Giselle Rodrigues e Édi Oliveira constrói-se a partir das estéticas e dos elementos da dança-teatro e cria uma atmosfera de reflexão e reconhecimento acerca dos processos de envelhecimento do corpo. As ideias de fragilidade e solidão, além de afeto e companheirismo são mostradas em Fio a Fio através dos corpos de seus intérpretes, que buscam mostrar um tempo dilatado, equiparando-se às sensações de fragilidade e lembranças presentes na velhice.

A peça encantou espectadores em toda a cidade e foi vencedora no Prêmio Sesc do Teatro Candango em 2016 nas categorias de melhor espetáculo, melhor direção, melhor atriz, melhor trilha sonora, melhor cenário e melhor figurino. A atriz, dançarina e coreógrafa Giselle Rodrigues afirma que as linguagens da dança e do teatro se fundem e se completam em sua criação cênica e na expressão do corpo.

O resultado é uma dança teatralizada ou um teatro dançado, extremamente físico em sua expressão. ;Fio a Fio solicita uma atmosfera mais intimista, pois é baseada no detalhe do simples, nas expressões de olhares dos interpretes, na espacialidade comedida, na dilatação dos tempos, nos silêncios prolongados, para que o público de alguma forma desacelere e entre no tempo proposto pela encenação;, destaca Giselle. A intérprete conta que a criação dos personagens aconteceu de maneira processual e, inicialmente não havia personagens, mas experimentos corporais, de qualidades distintas de movimento para expressar uma sensação de um corpo que perde velocidade, que perde agilidade, em que a lentidão se afirma.

A narrativa do espetáculo foi se construindo por meio de estímulos, sendo que existiam textos falados de forma improvisada, sobre situações vividas, ou observadas sobre o tema envelhecer. ;Corporalidade e experimentos com a oralidade andaram muito juntos. Às vezes a repetição verbal de determinada frase estimulava o surgimento de uma qualidade de movimento, e vice-versa;, aponta a bailarina. Os dois intérpretes não decidiram criar, necessariamente, um espetáculo de dança ou teatro, deixaram que os movimentos fluíssem de acordo com sua própria intimidade com a dança.

Gisele Rodrigues: o espetáculo promove a fusão de teatro e de dança

A ideia é experimentar as possibilidades criadas pelas artes cênicas, cada vez mais misturadas e ricas em diversidade. Para inspirar a criação, Giselle gosta de observar as pessoas em seu cotidiano. ;Acho o corpo humano a coisa mais linda do universo, principalmente a sua diversidade. Musica me inspira e texto também. Às vezes encasqueto com um tema e fico ruminando ele por anos até eu materializá-lo num espetáculo;, conta a artista. Giselle Rodrigues também trabalha com a criação cênica e a dança no grupo Basirah, criado em 1997 e com extensa trajetória na capital.

Em Fio a Fio, Giselle divide o palco com o ator e dançarino Edi Oliveira, que sempre transitou entre o teatro e a dança, construindo, a partir de suas experiências, uma criação cênica que une ambas as expressões. Édi destaca que é complicado tentar encontrar uma definição única para o que seria considerado dança-teatro, já que diversas modalidades da dança contemporânea têm complexidades históricas e diversas. ;Na dança-teatro o que se procura é trabalhar uma dramaticidade do corpo. Toda narrativa passa pelo corpo em movimento, e este serve-se de recursos tradicionalmente teatrais, como a palavra, para construir cenas que, unidas, resultam numa dramaturgia contada pelo corpo;, afirma o bailarino.

Uma das principais características da dança-teatro é a diluição das ideias de que a palavra e o texto são do domínio do teatro, ou que o corpo que dança só pode ser trabalhado pelo domínio da dança. Então, a dança-teatro surge como a possibilidade de trazer os materiais textuais também nas narrativas dos espetáculos de dança, sem necessariamente seguir moldes narrativos teatrais em sua totalidade.

O artista destaca que, em Fio a Fio, a atmosfera intimista foi priorizada, enquanto o foco se colocava entre as nuances de interpretação e os pequenos gestos em cena. ;Além disso, o espetáculo trabalha com a perspectiva da dilatação do tempo, como metáfora do longo tempo vivido pelas pessoas idosas, das longas esperas, do extremo vazio causado pela solidão que a velhice pode, felizmente nem sempre, proporcionar;, afirma o ator. Um humor sutil também estaria presente no espetáculo, ajudando a quebrar o peso de determinadas cenas.

Para criar seu personagem, Edi se utilizou da experimentação de especificidades físicas de pessoas idosas, buscando referências em personagens mais velhos e também em pessoas próximas, como seu próprio pai. ;Eu o via sempre sentado na parada e observava muito seu jeito de andar, gesticular, seus olhares para o vazio quando não havia com quem conversar e sua solidão;. Os intérpretes optaram por esse ponto mais delicado do envelhecer para construir a dramaturgia, já que este era o aspecto que mais os tocava na época de sua criação. ;É o ser humano que me interessa, em suas complexidades e fragilidades;.

O bailarino Edi Oliveira lembra que o corpo é um potente recurso dramatúrgico

Preparação

A disciplina para estar bem em cena é constante e Giselle rodrigues afirma que é importante escutar as informações que o próprio corpo lhe transmite com o decorrer do tempo, entendendo suas transformações. ;Estou sempre envolvida com uma atividade física, seja pilates, musculação, yoga, caminhada, e não é só para estar bem nos palcos, mas para estar bem na vida. Tenho que sentir o sangue circulando no meu corpo;, O aquecimento e alongamento corporal fazem parte da rotina de preparação que antecede as apresentações.

Em Fio a Fio Giselle e Édi Oliveira buscam um aquecimento em conjunto, com dança, contato-improvisação e encaixes corporais. ;Contato de corpo com corpo sempre aquece muito. Essa disciplina de aquecer o corpo vem da dança. Se o bailarino não se aquece antes de entrar em cena, ele simplesmente não funciona muito bem e pode se machucar terrivelmente;, lembra a dançarina.

Para subir ao palco, a atriz busca observar sua própria respiração, sentir o peso do corpo e criar intimidade com o espaço, deixando vivo o desejo de estar ali com o público. Desta maneira, Giselle se coloca pronta para o bem recebido trabalho que desenvolve em sua criação cênica. A passagem do tempo e as delicadezas do corpo são marca constante de Fio a Fio e o espectador deve sentir de perto a experiência dessa passagem de tempo corporal.

O bailarino Edi Oliveira lembra que o corpo é um potente recurso dramatúrgico, principalmente quando existem meios técnicos para serem trabalhados expressivamente. Uma narrativa inteira pode ser contada a partir do corpo, mesmo sem o auxílio do uso da palavra. ;O mais importante é investigar quais recursos expressivos o nosso corpo possui e de quais nos serviremos para construir uma narrativa;, afirma. Desta maneira, corpo e palavra, teatro e dança, texto e fisicalidade se unem para criar as dramaturgias contemporâneas, que envolvem o espectador a partir de suas próprias experimentações, impulsos e diversidade de gêneros que levam ao palco.


Prêmio

O espetáculo Fio a fio foi distinguido em todas as categorias do Prêmio Sesc do Teatro Candango em 2016. Relembre:

  • Melhor espetáculo
  • Melhor direção
  • Melhor atriz
  • Melhor trilha sonora
  • Melhor cenário
  • Melhor figurino


SERVIÇO

Fio a fio
Com Giselle Rodrigues e Édi Oliveira. De 17 a 19 de março, sexta e sábado às 20h e domingo às 19h, no Teatro da Caixa (SBS Qd 4). Ingressos a R$20,00 (inteira) e R$10,00 (meia*). A classificação indicativa é 12 anos e para mais informações: (61) 3206-6456.

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