Diversão e Arte

Cantor e compositor Pedro Osmar fala sobre lançamento de CD e documentário

Multiartista paraibano vive momento singular na carreira

Ricardo Daehn
postado em 21/03/2017 09:01
Um exemplo, resgatado do passado, dá a medida da arte popular do cantor e compositor paraibano Pedro Osmar. O primeiro LP, Jaguaribe Carne ;; Instrumental, teve 1.000 capas, por meio comunitário: ;Fizemos oficinas, em vários bairros, em várias escolas; as pessoas participaram da confecção artesanal da capa. Isso foi um momento importante;, revela Osmar. Sem muito traquejo na ;mecânica de finalizar; cada projeto, o multiartista vive momento singular. Está retratado nas telas, com o documentário Pedro Osmar ; Pra liberdade que se conquista, ao mesmo tempo em que bota disposição na feitura de CD duplo, sob o título de Que vem lá, previsto para junho.

[SAIBAMAIS]Nas gravações, 32 faixas dele, antes cantadas por Elba Ramalho, Xangai, Zé Ramalho e Amelinha, entre outros. ;A gente tem que ter semancol e clareza; saber da qualidade daquilo que produziu até hoje. Hoje em dia, acho a produção bem razoável;, diz Pedro, que, para o álbum, ideliza participações de figuras como Zeca Baleiro e Xangai, ocasional parceiro em discos.

Múltiplo, Pedro Osmar explica da vida, muito antes dos avanços na publicidade em João Pessoa, em que contribuiu com projetos gráficos e logotipos. ;Desde criança, sempre desenhava e escrevia. Música era assim: juntava os meninos e ficava tocando lá, num canto, as músicas que apareciam na rádio;. As atividades desembocaram na paixão pela arte, múltipla. Dois livros dele ; Diálogos de música, com mais de 30 entrevistas com pessoas da estatura de Carlos Aranha e Livardo Alves, ao lado de Musicália, aspectos da evolução da música na Paraíba ; seguem inéditos. Para além da música, Pedro Osmar investe em poesia e dramaturgia registradas em formato de cordel (;mais barato;, diz). O suporte abriga, por exemplo, Quem é palhaço aqui?, texto teatral de Pedro Osmar, a exemplo de Fogo Prestes, encenado no centenário de Luís Carlos Prestes.

Entrevista com Pedro Osmar


Em termos financeiros, o que a arte te traz?
Sou um anarco punk: não vivo preocupado com dinheiro. Só não posso me despreocupar tanto, por ter família: sou pai de cinco e tenho seis netos. A arte tem sido um suporte desde 1970. Eu não trabalho só com música: também desenho, escrevo e dou aulas de percussão criativa. Sou um cara que não tem dinheiro guardado nem posses. Como não sou muito exigente com nada, vou levando. A arte que faço não precisa de muitos equipamentos nem é criada em viagens pela Europa. Minha arte é comunitária e de fundo de quintal. Ela se expressa na cidade e sempre coloquei minha arte a serviço disso. Tenho convivido muito com militantes da cultura, da arte, das filosofias alternativas. Meus filhos me levaram a conhecer os jovens, e percebi outras vertentes e possibilidades. Extrapolei a resposta da universidade, o público seletivo e elitista. Cheguei a um público de visão mais comunitária, mais nordestina, mais de cidade, de bairro, da rua, da praça. Trabalho com a população, com associações de moradores, de escolas e de algumas universidades públicas.

O filme atual ; Pedro Osmar ; Pra liberdade que se conquista (documentário, em cartaz) rende, com a sua exposição?
Antes deste filme, rolou outro, com produção em São Paulo, chamado Jaguaribe Carne: alimento da guerrilha cultural (2004), dirigido por Marcelo Garcia e Fabia Fuzeti. Inclusive, para ele, também foram feitas filmagens em João Pessoa. Naquele retrato de filme faltava a música que me representa. O filme atual tem como base exatamente a música, o que é uma vantagem, para tratar de assuntos que me interessam com clareza. Quando participo dos debates sobre o filme, é a música que me deixa com um sorriso no rosto. Gosto de falar da minha trajetória, desde o papel de compositor de músicas populares até a minha transformação num pesquisador de música contemporânea e de livre improvisação.

No longa documental, há uma cena de arquivo que você reclama da falta de adesão das pessoas a movimentos artísticos... Isso ainda é recorrente?
O movimento Fala Jaguaribe tratava de mesclar discussões de dança, artes plásticas, música e teatro. É interessante isso de estar longe do acesso das pessoas: com o tempo, acho que muitas coisas serão reveladas em relação à nossa luta. O filme atual até tem servido para que eu deixe claro resultados das minhas pesquisas. Não podemos adotar isso de, tão somente, se voltar para o mercado, querendo tirar dele uma condição de ficar rico. Não tenho interesse de tirar dinheiro de nada nem de alguém. Zé Ramalho é um cara que, 40 anos depois, mora bem, no Leblon. Chico César mora numa casa muito boa no Sumaré. São pessoas que se voltam para isso de ganhar dinheiro, mesmo.

Chico César, para você, é um amigo de longa data. Chega a ser uma espécie de ídolo?
Um dos nossos agregados, no grupo Jaguaribe Carne, foi Chico César, que hoje tem a vida dele estabilizada. No início dos anos 80, ele tinha visto um ensaio nosso, e ficou. Trabalhamos durante uns cinco, seis anos. Ele, assim como a gente, é multimídia. Tenho admiração, mas ele não é meu ídolo. Tenho ídolos principalmente nos bairros daqui, aqueles que são voltados para a educação. Curto professoras, professores e alunos que asseguram militância. A música que faço é exatamente isso: não está preocupada com o brilho, com sucesso. Para me embrenhar nessas coisas tipo, ir para os Estados Unidos e coisas assim; teria que ser num plano muito vantajoso para as duas partes.

Você teve parceiros com muita projeção nacional. Seguem amigos?
O Zé Ramalho, por exemplo, é uma pessoa difícil ; nos primeiros três anos da carreira dele, eu estava junto, tocando minha viola na música dele, que não é nada armorial. Com Chico César me encontro, somos amigos, a gente conversa. No disco Que vem lá, que está por sair, nós temos duas parcerias. É interessante a convivência com ele. Mesmo Chico estando noutro patamar. Ele é um cara que não deixa de gostar das músicas para dançar: ele é um sujeito muito alegre no palco. Eu não consigo isso no palco, por ser muito de ficar parado (risos). Aliás, tenho reparado muito um fenômeno na música flamenca: em toda apresentação que vou, reparo nas mulheres que fazem todas as apresentações, sentadas ; logicamente, mexendo os braços, e tal (risos). Pra mim, no palco, também é complicado: não dou um passo de dança, no palco (risos).

Você não teve formação acadêmica; aliás, há uma parte no filme em que solta um ;quando a gente não sabe, a gente intui; (risos)... Isso é importante?
Eu, por exemplo, nunca entrei numa universidade. Não me interessei; na hora em que tinha que prestar vestibular, eu já estava na estrada. Saí com Vital Farias (nascido em Taperoá, Paraíba), com 16 anos, e fui para o Rio de Janeiro. Entramos num grupo de teatro, o Chegança, que era dirigido pelo Luiz Mendonça, um grande mestre. Ele é da cultura popular de Pernambuco, com muita militância comunista no PCB; ele montava só repertório de teatro nordestino. Passamos três anos nas montagens dele. Viemos para o palco, com a experiência de rua. Eu me acostumei com isso e gosto dos resultados. Aprendi a fazer as coisas de modo informal.

Como vê Brasília e qual a grande saída para nossa sociedade?
Estive em Brasília, pela primeira vez, em 2001, para tocar. Na primeira vez que a gente entra em Brasília, a gente fica maravilhado. Me convenci com a disposição e o discurso arquitetônico da cidade. Admiro o meio de administração pública, o alto conceito de tecnologia empregado na cidade, eu gostei muito. Acho interessantíssimo o Brasil ter um projeto como Brasília. A educação é a grande saída. Não tem outra não. Mas somos tão frágeis, como população, que ficamos à mercê, de um cara como este atual ministro da Educação (José Mendonça Bezerra Filho). Como com nosso potencial ficamos à mercê de um cara como aquele? Algo tem que ser feito! A educação traz um excelente ambiente para a população se mexer. Não podemos apenas ir para a rua. O problema é o de brasileiros não terem tanta informação como deveriam.

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