Diversão e Arte

Diretor do clássico original 'A Bela e a Fera' ganha mostra no CCBB

Mostra dedicada ao francês Jean Cocteau começa hoje e vai até 17 de abril

Ricardo Daehn
postado em 22/03/2017 06:00

Cena de 'O testamento de um poeta': rumo ao  fantástico

;O diretor francês Jean Cocteau (morto em 1963) é pouco visto e pouco lembrado, hoje em dia. Mas foi um mestre do artifício, dono de um cinema fantasioso e não realista. Por exemplo, ele vai no oposto da tradição mais consagrada pelo cinema brasileiro, do Cinema Novo a Aquarius, que é o de buscar a realidade, o naturalismo;, observa Paulo Ricardo Gonçalves de Almeida, curador da mostra Jean Cocteau: O testamento de um poeta.
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Com o mercado tão saturado de realidade, Gonçalves aponta para a necessidade da retomada do contrafluxo, numa linha de cinema mais mágico. A oportunidade vem com a mostra, no CCBB, de 10 títulos diretamente saídos da arte de Cocteau, sempre lembrado pelo clássico de 1946, A Bela e a Fera (com codireção de René Clément). Além de dois documentários sobre o artista, a programação inclui 11 fitas claramente relacionadas ao acesso do universo de Cocteau, com destaque para filmes de Alain Resnais e François Truffaut.
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Pesquisador de cinema, Paulo Ricardo aponta os filmes mais representativos de Cocteau como sendo aqueles integrantes da Trilogia de Orfeu (todos a serem apresentados em Brasília) ; O Sangue de um poeta (1930), Orfeu (1950) e O testamento de Orfeu (1960). ;Nessa trilogia, Cocteau desenvolve a ideia do artista, mais especificamente, do poeta como personagem central do seu cinema. Em O testamento de Orfeu, por sinal, o poeta é ele mesmo, como ator, na tela;, observa o curador.


Denilson Lopes, professor e pesquisador de cinema

Dentro do universo de filmes a serem apresentados, com a assinatura de Cocteau, no CCBB, dois merecem particular atenção, na ótica de Paulo Ricardo Gonçalves de Almeida: O sangue de um poeta e O testamento de Orfeu. ;O primeiro foi realizado no momento da confluência de diversas vanguardas históricas ; dadaísmo, cubismo e surrealismo ; e vai influenciar posteriormente de Orson Welles às vanguardas norte-americanas;, explica o crítico de cinema. Já O testamento de Orfeu, tratado como ;um filme-ensaio;, apresenta o próprio Cocteau na postura de autor-personagem-narrador. ;Trata-se de uma livre criação sobre a vida do poeta, embora não seja uma obra confessional ou um documentário, mas, sim, completa ficção;, demarca o especialista.

Três perguntas / Denilson Lopes, professor de comunicação e debatedor da mostra

Em que frente de cinema Cocteau se provou mais original, na sua opinião? Digo, como cineasta, dramaturgo ou romancista (adaptado para a sétima arte)?

Talvez, a grande particularidade de Cocteau é que ele se insira no perfil dos artistas-celebridades, na esteira de Oscar Wilde e de Andy Warhol. No alvorecer do cinema e no campo das vanguardas, ele soube como todos se aproximar de artistas tais como Picasso, Nijinsky, Satie, para achar o seu lugar. Transitou por várias linguagens como um artista multimídia ao viver uma vida de artista, e não apenas se conformar em ser um artista. Ou seja, percebeu que era necessário ter visibilidade, promover as obras, buscar reconhecimento com escândalos associados à vanguarda que ajudou (ou não).


A presença do próprio diretor em seus filmes (eventualmente como narrador, nas cartelas ou mesmo com sua presença como em O testamento de Orfeu), mais do que se aproximar os filmes de instância performativa ou de auto-ficções, revela, sobretudo, a busca de união entre vida e obra, como um dândi, um ;príncipe frívolo; (título de um de seus livros de poesia) que colocou o gênio na vida e o talento na obra.

De que modo Jean Vigo, com filme (Zero em comportamento) integrado à mostra, se associa ao universo de Cocteau?
Acho que são trabalhos bem particulares. Vigo estaria mais próximo de um realismo poético que viria a ser recorrente no cinema francês, entre 1930 e 1950. Já Cocteau oscilou entre as experiências de vanguarda e filmes de maior apelo ao público, como Orfeu e A Bela e a Fera, mas sempre fascinado por quebras mais constantes da ideia do artista como alguém que documenta a realidade. Ele estaria no campo de uma estética do artifício, da valorização da encenação e de cenas de estúdio marcadas por uma teatralidade e pelo primeiro plano para cenários dentro de uma estética do artifício que é também uma estética da frivolidade.

De onde tanta fascinação de Cocteau por contos de fadas e afins?
O fascínio pelo maravilhoso, por um lado, é um flerte com os filmes comerciais que privilegiam efeitos especiais sobre a narrativa e, por outro lado, está numa estética do encantamento, do fascínio pela beleza distinta de propostas que valorizam uma rarefação, contenção e despojamento dramático. Cocteau se interessa pelo incomum, pelo raro, pelo extravagante, pelo extemporâneo e não está no trivial, no cotidiano, na compreensão do indivíduo dentro de uma realidade contemporânea.

SERVIÇO

Jean Cocteau: O testamento de um poeta

De hoje a 17 de abril, no CCBB (SCES, Trecho 02, lote 22). Ingressos a R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

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