Diversão e Arte

Dia mundial do teatro: Artistas brasilienses driblam a crise

A diminuição dos espaços e a falta de grandes teatros na cidade levam grupos e artistas a criarem novas alternativas

Isabella de Andrade - Especial para o Correio
postado em 27/03/2017 09:20
Similião Aurélio na fachada do Teatro Nacional, interditado desde 2014.

A partir de sua característica de promover encontros reais no presente, o teatro firma sua qualidade de arte da transformação, enquanto promove diálogos e reflexões entre os envolvidos. Com seu exercício cotidiano da imaginação, pode trabalhar para a criação de novos mundos e desenferrujar padrões e percepções fixadas. Hoje, dia 27, comemora-se o seu dia mundial, enquanto isso, artistas da cidade buscam na resistência e na criação de espaços, e formas alternativas, a possibilidade de continuarem seu exercício de criação e propagação de ideias.

Similião Aurélio, um dos grandes nomes conhecidos na cena brasiliense, lembra que se formou como ator entre os cursos livres da cidade. O ator destaca que, atualmente, estudantes de teatro estão trabalhando muito durante seu tempo de aprimoramento, aproveitando as possibilidades abertas, como editais e divulgação mais ampla através da internet. ;É o caso do Grupo Tripé e do Coletivo Columna. São grupos jovens e muito produtivos, que aprenderam a utilizar a plataforma das redes sociais para atrair público;.

O ator destaca que as cidades do Distrito Federal aprenderam a utilizar muito bem seus espaços alternativos e produzem trabalhos em diálogo com a comunidade. Enquanto isso, uma boa alternativa para a cena candanga, seria o investimento dos espaços do Sesc, como acontece em outras cidades. ;No Rio de Janeiro e São Paulo os espetáculos são comprados e o Sesc produz uma circulação interna nas cidades; além isso, há os grupos residentes dentro desses espaços. Isso seria muito produtivo;, destaca Similião. A iniciativa movimentaria a presença de mais oficinas e espetáculos na capital.

A atriz brasiliense Camila Guerra, que trabalha atualmente nos palcos do teatro Oficina em São Paulo, lembra que a formação de plateia durante a infância e adolescência também prejudica a presença constante do público. Seria preciso criar mais espetáculos de qualidade para o público mais novo, provocando experiências que estimulem a frequência. ;Precisamos de gestores articulados que consigam mobilizar o poder público e a iniciativa privada para trabalhar em parceria. Outros profissionais podem ajudar a compor melhor essa cadeia;.

Apoio do FAC

Camila lembra que é preciso também ampliar a formação de outros profissionais das artes cênicas na cidade, já que, em grande parte, o trabalho é focado apenas para a formação de intérpretes. A atriz destaca ainda que as produções aumentaram e os grupos também. Por meio de uma militância arrojada, liderada pelos representantes do Fórum de Cultura conquistamos na cidade o Fundo de Apoio à Cultura, que corresponde a 0,3% do rendimento líquido do orçamento local para fomento à cultura.

;Deste modo foi possível vislumbrar uma forma de se ganhar dinheiro fazendo teatro, que é muito caro, com o mínimo de dignidade;. Este fundo incentivou o surgimento de novos grupos e produções, apoiando a montagem de espetáculos e sua circulação local, nacional e regional promovendo o acesso gratuito da população ou a preços populares.
Túlio Starling: É importante criar novas parcerias e dar mais visibilidade aos espaços criativos de fora do plano.

Túlio Starling, outro nome reconhecido entre os palcos brasilienses, também se encontra atualmente entre as apresentações do Teatro Oficina. O ator destaca que é preciso que as produções do Plano Piloto e das cidades do DF possam dialogar mais, criando a percepção de outros polos criativos. ;É um desafio que a gente tem, criar vias de contágio entre as diferentes regiões administrativas. Tem muita coisa bacana sendo produzida nas quebradas e, muitas vezes, acaba-se enxergando apenas o que é produzido no Plano;.

O ator lembra que os jovens artistas da cidade produzem muito, de maneira independente e a partir de suas próprias soluções criativas. Com o aumento da troca entre as gerações anteriores e atuais de atrizes e atores brasilienses, seria possível ocupar culturalmente a cidade de maneira eficaz. ;Na condição atual em que estamos agora, com poucos espaços atuais, o melhor é seguir com essa produção criativa, buscando soluções diferentes. Surgem novas configurações e parcerias para solucionar essas questões e isso é fundamental;.

Novos rumos
Thiago Cazado: Eu diria que é importante ter muito amor pelo público e encontrar meios de ir de encontro a ele.
A nova geração de atores busca ampliar suas perspectivas através do aprendizado feito dentro da própria cidade, com nomes como Hugo Rodas, Fernando Villar, Giselle Rodrigues e Bidô Galvão. Enquanto isso, muitos optam por construir carreiras paralelas em outras cidades. É o caso do ator Thiago Cazado, que se divide entre os palcos e telas de cinema. Com a peça Enquanto todos dormem, ele circula por lugares como Rio de Janeiro, Recife, São Paulo e Salvador. O ator ganhou visibilidade e expansão para o seu trabalho com divulgação na internet, através de vídeos no YouTube, divulgação constante e participação em curta-metragens.

Para o ator, o público de Brasília acompanha a tudo com inteligência e interesse, mas falta incentivo econômico para que este público possa crescer mais. ;Em algumas cidades, como São Paulo, por exemplo, há mais hábito do público que frequenta e mais demanda por espetáculos. Logo, a produção é mais fluida;, destaca o ator. Thiago lembra que há poucas salas para os artistas menores na cidade e que muitos espaços têm a pauta de ocupação cara.

A cidade é rica em produção criativa e uma cidade com artistas locais fortes cria mais identidade. ;Acredito que os artistas devem se preocupar não só com a necessidade interna de se expressar, mas também em como se comunicar de forma eficaz com o público;.
Confira duas perguntas à Camila Guerra, uma das artistas brasilienses presentes no elenco do tradicional e revolucionário Teatro Oficina, de Zé Celso.
Camila Guerra: preservação do Fundo de Apoio à Cultura é fundamental para o teatro

Que vivências de trabalho você tem experimentado no Teatro Oficina?
O Oficina é um terreiro poderosíssimo. Muito grata de ter tido a oportunidade de pisar naquele palco ao lado do Zé Celso ; um homem de teatro. O elenco, todo o coletivo é apaixonado pelo que faz, como eu. Somos pares, mesmo. Fiz amizades eternas lá. Pessoas que admiro e levo no peito. Fiquei encantada com o modo com que eles trabalham. Ensaios longos de, no mínimo 6 horas, onde além de elenco toda a técnica ensaia junto e músicos.

Quando fui convidada a participar de Bacantes, cheguei faltavam uns 15 dias para a estreia, fui acolhida de uma forma muito especial e surpreendente. O Oficina trabalha de um modo engenhoso, uma engenharia sutil que move aquele grande carro alegórico do Bixiga supreendentemente! E funciona! Mais de 50 atuantes, eles e seus egos e trajetórias e dores e amores e funciona! Acho que o segredo mesmo é o amor ao teatro acima de tudo.

Como um grupo resiste por tanto tempo com tamanha força criativa e sempre atraindo público e curiosidade?

O Zé, eu digo que é um filósofo das Artes Cênicas, muito inspirado em Artaud e o que ele propunha como crueldade, o Zé segue neste intento de se reinventar. O próprio prédio do Teatro Oficina pra mim representa essa força totêmica criativa de mudança, a fé de que um espaço cultural não irá sucumbir frente às correntes avassaladoras impostas pelo capitalismo. A própria (re) existência teimosa e guerreira daquele espaço e seus guardiões nos oferece fôlego e esperança em mudança. O Zé sempre evoca isso também. Lá a nudez é comum, tanto no elenco quanto no público, transformando tabus em totens ; chega uma hora em que a despeito dos preconceitos que podem surgir frente à um corpo nu, estes viram sagrados, belos e preciosos cada um em seu singular formato. Lá podemos rir um pouco e ;destronar; os governantes, deslegitima-lo, devolvê-lo despedaçado ao seio do povo para nos nutrirmos deste escárnio.

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