Diversão e Arte

Em entrevista, Lô Borges conta histórias do Disco do tênis, que faz 45 anos

O cantor e compositor também falou sobre ditadura, drogas e a parceria com Milton Nascimento

Alexandre de Paula
postado em 02/04/2017 07:00

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;Um disco de malucos para malucos;, assim o próprio Lô Borges definiu o álbum homônimo de 1972, que marcou sua estreia, aos 20 anos, sozinho, depois de gravar o Clube da Esquina no mesmo ano com Milton Nascimento. Com 45 anos de idade, o cultuado álbum, repleto de invenções e experimentalismo, ficou marcado também pela capa, que trazia a foto de um Adidas branco e surrado do próprio Lô. A força da imagem foi tanta que todo mundo resolveu chamar, até Lô, o álbum de Disco do tênis.

Gravado em ritmo frenético, já que o compositor topou o contrato com a gravadora sem ter nenhuma música escrita, o álbum carrega urgência e ecletismo, com canções que vão do rock ao baião. ;Eu fazia música de manhã, meu irmão Márcio Borges fazia letras à tarde e à noite eu mostrava as composições para os músicos;, lembra.

A pressão foi tanta que, terminado o álbum, Lô chutou o balde e passou anos longe da música. ;É isso que o tênis quer dizer na capa. Simbolizava que eu estava largando a música naquele momento. Eu não queria sobreviver de música, eu queria que a música sobrevivesse em mim;, conta. Só agora, em 2017, ele resolveu se apresentar com o repertório do álbum.

Em entrevista ao Correio, o compositor conta detalhes do processo caótico de gravação e de produção do disco (que será relançado em vinil), explica a decisão de abandonar tudo, fala da ditadura e do início da parceria com Milton Nascimento.

Entrevista // Lô Borges

Você gravou, com o Milton Nascimento, o Clube da esquina no mesmo ano do Disco do tênis. Como começou a sua amizade com ele?

Eu tenho que me reportar ao começo, lembrar de quando eu o conheci para responder isso. Eu tinha 10 anos de idade e estava na escadaria do meu prédio, eu morava no décimo sétimo andar, fui descendo e ouvindo um som de violão. Quando eu chego no quinto andar, estava um carinha tocando violão que era o Milton. Eu tinha 10 anos e ele 20. A partir dali nós ficamos amigos para a eternidade, foi uma coisa mágica. O destino nos colocou frente a frente naquele momento pela música.

E como foi a primeira parceria de vocês?
Ele era de uma geração a mais que a minha, então ele começou a desenvolver a carreira, foi para São Paulo, participou de festivais, mas sempre que voltava para BH, perguntava para a minha família de mim. Em uma dessas visitas, ele perguntou para a minha mãe onde eu estava e ela respondeu: ;Ah, o Lô está sentado na esquina, tocando violão num lugar que eles chamam de Clube da esquina;. Aí, ele foi até lá, e eu estava tocando uma harmonia no violão que ele achou muito bonita. Aí ele disse: ;Está muito bonito isso, Lô, queria tocar com você, mas como eu sou um cara conhecido não queria ficar aqui sentado na esquina, vamos para a casa da sua mãe;. Nós fomos e compusemos a nossa primeira parceira, que foi o Clube da esquina. Mais tarde, meu irmão Márcio Borges chegou do trabalho e ouviu o que estávamos fazendo, ouviu a nossa primeira parceria. Ele ficou super comovido com a situação e escreveu a letra na hora.

Você tinha 20 anos quando foi convidado para gravar O disco do tênis. Como foi isso?
É interessante que a gravadora, anteriormente, não queria fazer o Clube da esquina comigo. O Milton deu a sugestão e eles disseram: ;Quem é Lô Borges?;. Ele precisou dizer que trocaria de gravadora se não topassem. Quando saiu o Clube, a gravadora gostou das minhas músicas e me oferecereu um contrato para gravar um disco solo no mesmo ano. Aí que a coisa começou a pegar mesmo.

Por quê?
Porque eu não tinha repertório. Todas as músicas que eu tinha estavam no Clube da esquina e eu achava que tudo o que eu tinha para compor já estava lá. Aí que aconteceu a história do Disco do tênis, que é um disco com uma certa urgência, que aponta para várias direções. Na verdade, eu não tinha músicas e o esquema de compor para esse disco era difícil, até. Eu fazia a música de manhã, meu irmão Márcio Borges fazia letras à tarde e à noite, eu mostrava as composições para os músicos que estavam lá disponíveis para gravar comigo. E eram aqueles músicos maravilhosos, Beto Guedes, Toninho Horta, Tenório Jr. e outros. Então eu chegava à noite e ninguém conhecia a música, porque a verdade é que ela não existia de manhã.

Se você acreditava que já tinha usado todas as composições que poderia fazer naquele ano com o Clube da esquina, por que topar gravar esse álbum? O que te motivou a aceitar?
Eu estava ali no Rio, achava que era capaz e que era um desafio. E o desafio para um adolescente é sempre bom. Eu achei um pouco sufocante sim, mas resolvi encarar. E também porque me convidaram para fazer música, para fazer algo que eu gostava. Eu pensei: ;Não tenho nenhuma canção, mas eu vou criar, vou arregaçar as mangas, vou pegar o violão, vou dormir com ele, vou ficar abraçado com o violão 24 horas por dias e vou fazer o disco;. E foi o que aconteceu.

Como era esse ambiente no estúdio, de ter que fazer tudo na hora?
Era uma oficina intensa de criação, uma coisa incrível. Rolou uma química entre todo mundo que em nenhum outro álbum que eu tenha gravado na minha vida aconteceu de novo. A gente não tinha tempo para fazer ensaios, pensar arranjos, então era tudo feito na hora pela intuição, pela musicalidade. Todas as pessoas emprestaram seu talento para as músicas que eu estava apresentando.

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De toda forma, esse processo acabava sendo uma pressão muito grande para um garoto de 20 anos; Como você lidou com isso, com essa necessidade de produzir tudo tão rápido?
Eu sempre fui um beatlemaníaco e eu me lembrava que, nos primeiros álbuns dos Beatles, eles faziam duas, três músicas por dia, às vezes gravavam um álbum inteiro em uma semana. Eu ainda tinha um tempo a mais do que isso, uns dois meses para compor e gravar tudo. Eu pensava nessas coisas para me ajudar.

O Disco do tênis é uma mistura muito grande, vai do rock ao baião; De onde vinha tudo isso?
Vinha da minha cabeça. As informações musicais que eu tinha; Tudo eu digeri e transformei em um estilo meu, um estilo próprio de compor. Eu ouvia, no Brasil, Mutantes; Chico Buarque; Caetano; Milton. De fora, escutava Jimi Hendrix; Beatles; Crosby, Stil & Nash; Emerson, Lake & Palmer. Ouvia também Hermeto Pascoal, que é uma influência em Não foi nada, por exemplo. Então, coloquei tudo isso no liquidificador e transformei na música do Lô Borges.

A maioria das suas influências tiveram uma relação muito forte com as drogas e isso era algo muito forte no período também. Elas te influenciaram também?
Isso era algo que acontecia com os jovens do mundo inteiro. Todo mundo, naquela época, fumava maconha, tomava ácido. E, aqui no Brasil, eu e meus amigos não éramos diferentes. Eu era um cara que gostava de experimentar coisas, principalmente as coisas lisérgicas. O Disco do tênis eu fiz meio sob o efeito do LSD.

E isso era algo fundamental ou tudo poderia ter nascido sem essa influência?
Não é determinante o fato de ter usado qualquer coisa. O que estava dentro de mim é que importava. Se me abria caminhos diferentes, eu não consigo avaliar, não sei se alterou a minha composição. E eu também não tomava ácido todos os dias... Tinha responsabilidade de gravar o álbum e de cumprir uma contrato. Tem essa imagem do cara fazendo o álbum doidão o tempo inteiro, mas não foi isso que aconteceu.

Não foi um fator determinante para sua criação, então;
Não, todas essas coisas viriam com ou sem LSD, com ou sem maconha, com ou sem álcool. Eu percebi na gravação do Disco do tênis que estava tudo dentro de mim.

Por que você resolveu chutar o balde depois desse disco?
Eu fiz isso porque eu estava muito cansado de fazer música por obrigação. Eu pensava: ;Já gravei tantas coisas neste ano, será que o ano que vem vão me cobrar para fazer outro disco assim? Pô, eu não quero fazer música por obrigação, eu quero fazer quando eu tiver vontade;. Eu não queria que a minha carreira fosse regida pelos caras da gravadora. É isso que o tênis quer dizer na capa. Simbolizava que eu estava largando a música naquele momento. Eu não queria sobreviver de música, eu queria que a música sobrevivesse em mim.

Tem uma flauta do Danilo Caymmi em Calibre, um arranjo do Dori em Faça seu jogo, como foi sua ligação com a família Caymmi?
Eu conheci o Danilo, o Dori e até o Dorival pela proximidade deles com o Milton. Tive até a oportunidade de tocar para o Dorival Um girassol da cor do seu cabelo com o violão dele. Ele disse: ;Que música bonita, vá em frente;. A família deles é uma das mais inspiradas que esse país já conheceu. Dorival, Danilo, Dori, Nana e hoje Alice. E eu tive a oportunidade e o prazer de trabalhar, mesmo que de maneira rápida, com o Danilo e o Dori nesse disco.

O disco foi gravado no contexto da ditadura, o que aparece em algumas letras, por exemplo Como um machado. De que maneira isso pesou no processo?
Como um machado é um texto totalmente sobre isso. Escrevi aquela letra falando de alguém que era reprimido pela ditadura, alguém que tinha a individualidade reprimida pelos militares. Os músicos, os cabeludos, todos éramos odiados pela ditadura. Então, todas essas viagens que fazíamos para dentro eram um pouco por isso também. Se a gente não podia viajar para fora, viver em liberdade porque as ruas estavam cheias de tanques e das armas dos militares, a nossa viagem era para dentro.

E como você vê o momento atual?
Eu olho para a direita, eu vejo corrupção. Olho para a esquerda, vejo o mesmo. Então, você não se vê representado pela política brasileira de nenhuma forma. O povo se sente perdido e confuso. Não há dignidade com políticos e empresários tão corruptos; Tudo isso oprime o povo.

[SAIBAMAIS]

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