Diversão e Arte

Luis Lobianco interpreta transexual em espetáculo que chegará ao CCBB

O ator dará vida a Gisberta, travesti vítima da transfobia em Portugal. A temporada na capital federal será em novembro deste ano

Irlam Rocha Lima
postado em 10/04/2017 07:30

A inspiração de Lobianco veio de uma  composição do português Pedro Abrunhosa

;...Eu não sei se um anjo me chama/ Eu não sei dos mil homens na cama/ E o céu não pode esperar/ Eu não sei se a noite me leva/ Eu não ouço o meu grito na treva/ E o fim vem me buscar;. Ao ouvir com mais atenção Balada de Gisberta, composição do português Pedro Abrunhosa, na voz de Maria Bethânia, o ator Luis Lobianco se sentiu arrebatado pela história da travesti Gisberta, assassinada por um grupo de adolescentes na cidade do Porto, na década passada. Praticamente desconhecido no Brasil, esse caso de transfobia repercutiu bastante em terras lusitanas.

Na busca de um texto para encenar, Lobianco decidiu contar a saga de Gisberta. O espetáculo, escrito por Rafael Souza Ribeiro, com produção de Cláudia Marques e direção de Renata Carrera, tem a participação dos músicos Lúcio Zandonai (piano e voz), Danielly Sousa (flauta e voz) e Rafael Bezerra (clarineta e voz). Em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro, Gisberta cumpre temporada no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro; e chega a Brasília em novembro, para ocupar o palco do CCBB.;O Brasil é um dos países que mais comete crimes de transfobia e homofobia. São números que não param de crescer, com uma onda conservadora de intolerância às diferenças. Se não conseguimos mudar as leis que não nos protegem, que a justiça seja feita no teatro, com músicas e luzes de cabaré;, afirma Lobianco.

Carioca, o ator faz teatro desde 1994. Já atuou em mais de 30 montagens, sendo dirigido por nomes como Aderbal Freire-Filho e o brasiliense Marcelo Saback. Foi criador de comédias encenadas no Buraco da Lacraia (casa noturna que mantém no bairro da Lapa) e no Teatro Rival, na Cinelândia ; ambos no centro do Rio de Janeiro.

Integrante do elenco de Vai que cola, no Multishow; prepara-se para a estreia da série infantil Os Valentins, do canal Gloob, na qual interpreta o vilão Randolfo, ao lado de Cláudia Abreu e Guilherme Weber. Lobianco é também ator fixo do Porta dos Fundos desde a criação, há quatro anos; e participou de 10 produções para o cinema.

Entrevista / Luis Lobianco


Luis, poucos brasileiros sabiam do drama de Gisberta, embora sua morte trágica tenha repercutido bastante em Portugal. Foi a canção Balada de Gisberta, de Pedro Abrunhosa, gravada por Maria Bethânia, que despertou sua atenção para essa barbaridade?
Exatamente. Eu já conhecia a música e a tinha na minha playlist. Mas foi num momento de descanso que, ouvindo com mais atenção, fiquei curioso sobre quem foi Gisberta. Coincidentemente, naquele dia o crime completava 10 anos e havia bastante conteúdo on-line dos jornais portugueses relembrando sua trajetória.

Ao tomar conhecimento, imediatamente, você se aprofundou na pesquisa do fato, já pensando na possibilidade de criar o espetáculo?

Eu já buscava por uma história relevante e que me emocionasse para investir como projeto. Poderia ser comédia, drama, clássico. Eu estava disponível para contar algo que deveria ser contado. Nos últimos anos estava lendo textos, vendo filmes, mas nada, de fato, havia me arrebatado até conhecer Gisberta.

Quais foram as maiores dificuldades que você encontrou nesse trabalho?

Tudo correu de forma muito positiva. Todos os profissionais com quem eu gostaria de trabalhar toparam na hora. Os colaboradores da pesquisa foram generosíssimos. As dificuldades são as de sempre, a equipe trabalhou meses sem ganhar um tostão, nem mesmo ajuda de custos. Trabalhamos muito tempo sem recursos, investindo tempo e energia. Até que, no fim de 2016, o projeto foi abraçado pelo Banco do Brasil e pudemos fazer essa estreia em temporada popular no CCBB Rio. Torço pra que mais empresas se interessem por projetos como esse pra que artistas consigam trabalhar com mais estrutura e segurança desde a fase inicial de pesquisa.

Casos de transfobia semelhantes com o que vitimou Gisberta ; um dos mais recentes foi o da travesti cearense Dandara ; ocorrem no Brasil com frequência. Isso também o motivou a escrever e encenar essa peça?
Ao saber do que se passou com Gisberta, percebi que ela se tornou ícone por direito da comunidade LGBT em Portugal. No Brasil ,quase ninguém sabia dessa história. Lá, conseguiram garantir leis favoráveis às pessoas trans, enquanto aqui morrem Gisbertas e Dandaras todos os dias e isso não vira mais notícia, virou banalidade. Somos o país que mais mata transexuais no mundo, um número sombrio e vergonhoso. Não faço parte da militância, que dedica maior parte do seu tempo no trabalho de conscientização, mas percebi que, pelo teatro, que é o meu caminho, poderia agregar algo a essa luta. O teatro é um espaço de provocação, reflexão e justiça. Há milênios o ator está a serviço desse exercício e o debate mais urgente no momento no mundo todo é identidade.

Embora tenha músicos em cena, você é responsável por toda a teatralidade de Gisberta. Como é interpretar vários personagens?
Eu interpreto em cena o contador da história de Gisberta. Para que o público sinta a sua presença e ausência, uso todos os recursos que posso para criar empatia a ponto de tê-la como alguém muito íntima, uma amiga querida. Além da trilha original, rimos e choramos com suas passagens. Há personagens reais que me forneceram depoimentos e outros criados a partir da minha observação quando estive em Portugal no fim do ano passado. Temos poesia e textos oficiais do processo.

O público tem reagido de que forma à encenação do espetáculo?
As pessoas saem do teatro emocionadas e transformadas. Muita gente que programou coisas para depois do espetáculo muda os planos. Há quem vá tomar uma cerveja e pensar um pouco sozinho. Outros grupos preferem não ir pra casa, mas sair pra jantar, falar sobre o que sentiram. Sinto que Gisberta toca intimamente quem não suporta mais o desamor no mundo.

Levar o espectador à reflexão é um dos propósitos de Gisberta?
É o que busco em Gisberta mas também nos meus outros trabalhos. Dos mais cômicos ; riso é sinal de inteligência e senso crítico ; aos mais dramáticos. Busco sempre um equilíbrio do humano. O riso que faz chorar e o drama que faz rir.

Encenar esse drama em Brasília o atiça?

Brasília está nos planos desde o início! E queremos levar Gisberta para os quatro cantos do Brasil. Nossa missão é que todos nós saibamos quem ela foi, como viveu, morreu e que transformações provocou em Portugal.

Ator de cinema, televisão e teatro, diretor e produtor, agitador cultural são facetas de
sua persona artística. Em qual delas você se vê mais representado?

Sou completamente apaixonado pelo meu trabalho. Mas o teatro tem a beleza do instante único, um encontro pessoal com o público. Por exemplo, quando Gisberta chegar a Brasília eu vou poder olhar no olho do espectador e conversar com ele no fim. O teatro é um ritual de celebração para todas as versões de atuação: cinema, tevê e internet.

Como encontra tempo pra se envolver com tanta atividade, com tanta produção?

Meu tempo é muito apertado. É uma profissão que me dá muito prazer, mas que exige fisicamente e intelectualmente. Fico preocupado com as poucas horas dormidas e vivo numa busca eterna para equilibrar tanto trabalho com momentos de ócio. Só concebi Gisberta porque estava num raro momento de ócio.

O Buraco da Lacraia é o seu brinquedo preferido ou também uma fonte de renda?
O Buraco da Lacraia é um projeto que mudou minha vida. Uma ocupação teatral que desenvolve uma linguagem artística completamente nova, diferente de tudo, e ainda me deu uma família artística! É um projeto artesanal, muito respeitado, e o lucro é na alma, não no bolso. É o meu brinquedo preferido, mas também, uma das coisas mais sérias que fiz na vida.

;Somos o país que mais mata transexuais no mundo, um número sombrio e vergonhoso;

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