Um prédio com colunas imponentes de referências gregas no final da Grand Avenue, na parte norte do centro de Los Angeles, o Dorothy Chandler Pavilion pode até passar despercebido por alguns, mas foi lá que o mundo do cinema começou a encarar a realidade de uma mudança que pode alterar significativamente a indústria cinematográfica.
No fim de 2015, o Dorothy Chandler Pavilion recebeu o U.S. ; China film summit & Gala Dinner, evento para discutir os novos parâmetros do cinema asiático e a relação de tais mudanças com os Estados Unidos. Em Los Angeles, evento que discute cinema é quase um pleonasmo para cotidiano, e, talvez, poucos tenham notado a relevância no momento. Mas, a partir dele, grandes projeções foram traçadas para o cinema mundial.
Na época, o diretor de operações asiáticas da Motion Pictures Association of America (MPAA), Mike Ellis, demonstrou um entusiasmo, no mínimo, curioso sobre o poder do mercado cinematográfico chinês. Ele apostou em um crescimento de 35% no número de arrecadação do mercado de filmes da China até o fim daquele ano, um momento em que o mundo ainda se recuperava de uma crise econômica severa.
Para o professor de Cinema da Universidade de Brasília João Batista Lanari Bo, a busca por mais público realizada pelos estúdios da terra do Tio Sam são compreensíveis. O professor explica: ;Do ponto de vista da distribuição, o mercado chinês é muito bom. Os produtores de Hollywood são bastante pragmáticos, eles se adaptam à circunstância de mercado local, buscando o lucro. Desse ponto de vista não existem dúvidas;.
Em 2014 os cinéfilos ao redor do mundo estavam recebendo mais um filme da franquia Transformers. O quarto da série ganhou o título de Transformers: A era da extinção. Em longos minutos, o longa mostra muitas explosões, correrias, destruição, e a luta interminável dos Autobots e Decepticons ; em conjunto de gigantes dinossauros de ferro.
Império
Transformers: A era da extinção pode até parecer mais um típico blockbuster norte-americano, porém, ele é um dos primeiros filmes a receber uma influência direta do novo império cinematográfico chinês. O longa conta com uma estrela do cinema oriental e com um lutador famoso por lá. Além disso, a produção criou um reality show local para escalar mais quatro chineses. Em associação com locações na China e a pré-estreia em Hong Kong, Transformers: A era da extinção conseguiu uma bilheteria chinesa maior do que a norte-americana (US$ 320 milhões a US$ 245, 4 milhões, situação parecida com o atual Kong: A Ilha da Caveira, que conseguiu arrecadar US$ 22,5 milhões na estreia chinesa e US$ 20,2 em solo norte-americano).
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O filme dos automóveis que se digladiam é só a primeira referência de mudança de conteúdos no cinema para a entrada, com mais ;aceitação;, no mercado chinês. Desde então, personagens de origens chinesas, ou situações em que os habitantes do país sejam os reais heróis dos filmes estão cada vez mais comuns nos grandes blockbusters.
No filme Guerra Mundial Z (2013), por exemplo, o vírus que assola o mundo em zumbis tem como origem uma transição malfeita na Coreia do Norte, mas originalmente no livro, a culpa do desastre seria dos chineses. Já no filme Perdido em Marte (2015), a salvação do Matt Damon abandonado no planeta vermelho só acontece graças aos cientistas chineses.
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A discussão sobre a alteração de conteúdos em obras cinematográficas é polêmica. A produtora Luana Nelgaço, realizadora do filme A cidade onde envelheço já teve a experiência de não conseguir colocar um filme dentro do mercado chinês, e mantém uma opinião firme sobre o assunto. ;Não, eu não tenho essa intensão de fazer filme só pra atingir um mercado. O lucro nesse sentido não me interessa. Mexer no filme não funciona para mim;, sentencia.
Já o cineasta Santiago Dellape entende que a discussão é relativa: ;A princípio, eu não vejo com bons olhos essa situação, no geral, eu não sou muito a favor de qualquer tipo de censura, mas por outro lado, eu também acho que é uma coisa subjetiva, se for para tirar uma cena específica, talvez eu não ache muito problema;. Dellape ainda completa: ;o cinema é arte, mas também é indústria, se tem uma formula que dá certo, provavelmente ela será usada;.
Mesmo com todas essas mudanças no panorama de conteúdos, é importante entender que existem exceções. Um exemplo disso foram os filmes do Harry Potter. Na prática, existem algumas leis que restringem a disseminação de conteúdo de entretenimento sobre bruxaria ou ;magia negra; no solo chinês como reporta o canal Vox, mas na prática, foi impossível limitar o sucesso do filme britânico.
Como entrar na China
O fugitivo foi o primeiro filme norte-americano a de fato obter sucesso de bilheteria no mercado chinês. O ano foi o de 1994, e desde então, estúdios norte-americanos tentam emplacar seus sucessos no mercado asiático.
Por ter características distintas em sua constituição política e mercadológica, a China não aceita a entrada de todo e qualquer produto ; ou ideologia ; dentro de seu território. Com o cinema internacional não é diferente. O professor João Batista Lanari Bo explica: ;Além da questão ideológica e política de um país que é uma ditadura. Tem um aspecto importante que é o econômico, se eles abrirem completamente o mercado para a importação de filmes pode significar um desequilíbrio do comércio exterior;.
[SAIBAMAIS]Atualmente existem três, principais, formas de produções internacionais chegarem ao gigantesco público cinematográfico chinês. O primeiro é pela ;taxa fixa;, ou seja, uma espécie de acordo em que as distribuidoras vendem seus filmes para reprodução, mas não ganham com lucros de bilheteria, é a forma menos popular atualmente por não conseguir aproveitar o potencial de telespectadores do país.
A segunda forma é pela ;divisão de receita;, ou seja, é quando o estúdio entra no mercado chinês e tem um quarto do lucro dos bilhetes vendido. A forma é popular, e não requer significativas mudanças no conteúdo das obras, porém, um problema desconstrói todas as qualidades do processo: o governo chinês só permite a entrada de 34 filmes por ano neste contexto.
A terceira, e cada vez mais popular forma, é a coprodução de um filme com estúdios chineses, que é o exemplo do mais novo blockbuster A Grande Muralha. A produção estrelada pelo ator Matt Damon sobre um mercenário do século 15, foi a realização mais cara até então do mercado chinês, custando US$ 150 milhões.
O professor João Batista Lanari Bo, explica que A grande muralha é um exemplo dessa situação. ;Esses filmes blockbuster fazem muito sucesso na China como no mundo todo, inclusive esse último filme do Matt Damon, A grande muralha, tem uma vocação de consumo muito próxima do ocidental;, explica.
Os filmes que quiserem entrar no mercado chinês como coprodução, todavia, são os mais limitados em questão de conteúdo. Segundo regras da SAPPRFT, a locação precisa ser especificada, assim como o financiamento, o elenco precisa ser de no mínimo um terço chinês, sendo que eles podem atuar papéis que denigrem a imagem chinesa. Um preço que aparentemente pode ser pago pelos estúdios norte-americanos.
*Estagiário sob supervisão de Vinicius Nader