Diversão e Arte

Erwin Wurm trata de obesidade e consumo excessivo

O artista austríaco cria obras que criticam os tempos atuais em exposição em cartaz no CCBB

Nahima Maciel
postado em 22/04/2017 07:31

Obesidade é um dos temas de Wurm

O homem virou uma coisa esquisita. Na medida em que a sociedade de consumo se instalou, passou a se definir mais pelo que possui e menos pelo que é. O artista austríaco Erwin Wurm olha para esse cenário com certo humor, mas também com muita preocupação. Em O corpo é a casa, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), o artista apresenta esculturas, instalações e objetos que convidam o público a refletir e a assumir postura crítica diante do modo de vida contemporâneo. Mas antes de falar sério e alimentar o espanto, Wurm provoca o riso.

Com uma pegada pop que lembra o trabalho de nomes como Andy Warhol e Jeff Koons, o artista distorce os objetos para falar de um mundo de valores deturpados. As séries Casa gorda e Carro gordo lembram um mal dos tempos modernos. A celebração da praticidade no acesso à comida se transformou em preocupação com distúrbios alimentares e o aumento dos índices de obesidade no mundo ; no Brasil, uma em cada cinco pessoas está acima do peso ; revelou uma doença difícil de combater.

É disso que Erwin fala nos objetos distorcidos como se tivessem engordado. Símbolos do consumo contemporâneo, a casa e o carro também são indicativos do adoecimento da humanidade. ;Essa ideia da obesidade tem dois lados. Um é esse problema da mudança de volumes na escultura, essa coisa de colocar massa para torná-la mais massiva. Mas também tem a ideia de mudança na qual se muda também o conteúdo;, explica o artista. Como se os objetos pudessem consumir e preencher seus interiores, o artista sugere uma metáfora com o comportamento humano. A comida ainda é tema de Abstract sculptures, série de salsichas humanoides, e Self portrait as pickles, uma ironia construída com dezenas de esculturas de pepinos.

Obra viva
Wurm também fala de arte e dos conceitos que a definem. Brinca com a definição de escultura em One minute Sculpture, um conjunto de instruções destinadas aos visitantes para que se possam, por 60 segundos, tornar uma obra viva do artista. A ideia surgiu há 20 anos. ;Eu queria criar peças que falassem de coisas próximas, de coisas do nosso tempo, e que também tivessem ligação com a psicologia, a filosofia e o social. Pensei, então, em combinar seres humanos com objetos, porque todos sabemos que nos definimos por meio dos objetos, do que possuímos. Na nossa sociedade, somos o que temos. As One minute sculpture me deram a oportunidade de ser cínico, crítico e paradoxal ao mesmo tempo;, explica.

O humor é algo que emerge com facilidade na observação das peças do austríaco, mas ele gosta de lembrar que é apenas uma isca para ganhar a confiança e a curiosidade do público e levá-lo ao que, na verdade, o artista considera como um mundo de subversões. ;Subversão, para mim, sempre foi importante porque quando criticamos algo, geralmente, as pessoas não querem ouvir, elas viram as costas. Quando você toma o caminho da subversão é como se entrasse pela porta dos fundos com o seu problema ou sua preocupação;, acredita. ;E quando você a embala nessa situação de paradoxo, que também tem humor e faz as pessoas rirem, as pessoas pensam sobre essas coisas, sobre o que você quer dizer, sobre o que você está falando. Assim, elas tendem a aceitar olhar para o problema, dar um crédito, pensar sobre.;


O corpo é a casa
Exposição de Erwin Wurm. Curadoria: Marcello Dantas. Visitação até 26 de junho, de quarta a segunda, das 9h às 21h, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB).

Entrevista / Erwin Wurm
Quais seriam as outras partes essenciais do seu trabalho?
No começo, eu trabalhava com a ideia da escultura, o que á a escultura e o que ela pode ser, como se trabalha a pele, o volume e a superfície de diferentes materiais. Essas coisas cresceram com a ideia do que é a escultura e o que ela pode ser. Por exemplo: Michelangelo dizia que o importante na escultura era ela sobreviver por anos. Isso era a ideia da cultura da Renascença. Hoje, temos um tempo muito mais curto, a maneira como a sociedade vive o tempo é diferente e eu quis criar um paralelo forte com esse paradigma. Achei que poderia fazer isso com esculturas vivas e efêmeras. Duas coisas são importantes: primeiro, o tema, definir o que é a escultura; Segundo, relacionar a escultura com nossa sociedade, questionar sobre coisas diferentes, objetos, movimentos. Eu e você somos as primeiras esculturas já feitas: ganhamos e perdemos peso, somos esculturas nuas constantemente. Se você tem essa noção, é fácil dar o primeiro passo na ideia de que, se mudarmos volumes, mudamos o conteúdo. Estou interessado em combinar essas ideias.

Sei que a ideia de consumo é também muito importante para você. Por que é importante falar disso hoje e qual o papel da arte nessa discussão?
Não podemos fazer muito, podemos apenas falar sobre isso. E colocar um foco nisso. Nesse caminho estranho pelo qual nossa sociedade está se movendo, definimos a nós mesmos pelo nosso consumo e pela mídia de massa. Nós, artistas, podemos nos preocupar, podemos falar disso e mostrar algumas coisas, mas não podemos fazer muito. No passado, muitas pessoas pensaram que a arte podia mudar as coisas. Seria ótimo, mas não é assim. Podemos apenas falar, ser críticos. E ainda precisamos que as pessoas aceitem o convite para pensar sobre essas coisas.

Como você lida com a ideia de que arte é também um bem de consumo?
Isso é verdade. Todo artista quer viver do seu trabalho. E por outro lado, é meio louco e insano o preço que algumas pessoas pagam por arte, bilhões. Há duas coisas aí: uma delas é que podemos criticar e mostrar a preocupação com a nossa sociedade, a outra é que, sim, estamos nessa sociedade e somos parte do jogo. Somos parte disso, embora falemos do problema. É o paradoxo do qual gosto tanto.

Por que enfatizar a interação?
Isso veio devagar. Tive um convite para uma exposição em Nova York e mandei as instruções com o material orientando como seguir as instruções e fazer a peça. Não era necessário que eu estivesse presente. E adorei fazer isso.

E virou uma performance? De work in progress?
Exatamente. O que também me interessava era que esses trabalhos podem ser muito efêmeros e eu queria dar ao efêmero a possibilidade de ser reeditado.

Como vê o futuro?
Francamente, muito mal. Não somente em relação ao consumo. Estamos enlouquecidos, somos um animal esquisito, estamos destruindo nossos recursos. E ainda tem a religião. A religião está destruindo as pessoas, excluindo as pessoas, tornando-as menores. Nós vamos logo embora, mas, para os jovens que ficarem, será um pesadelo.

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