O escritor, poeta, humorista e ator Gregório Duvivier decidiu sair de uma zona neutra, até confortável, na qual muitos outros artistas se negam a deixar, para expor suas ideias sobre o assunto mais espinhoso desde 2013: política. Desde então, ele se viu no olho do furacão. No caso de Gregório, não há meio termo. Ou o amam ou o odeiam.
Uma das características que mais destacam o artista, no entanto, é a temperança em meio a discussões obtusas. Você, leitor, não encontrará, por exemplo, um vídeo nas redes sociais em que Gregório Duvivier levante a voz nem mesmo quando questionado de maneira mais veemente.
Agora, ele decidiu ir mais fundo. No próximo dia 5, estreia Greg News (HBO), seu talk show de comedy news, em que, uma vez por semana, comenta os assuntos em voga no meio político. ;Eu não sou cientista político, não sou economista, mas a equipe do programa está repleta de pessoas muito talentosas que têm visões de mundo que eu leio já tem um tempo e aprecio bastante;, comenta.
Em entrevista ao Correio, Gregório fala sobre a nova atração, o Fla x Flu eleitoral, sua relação com Brasília e a importância da internet para um debate democrático. ;A internet é uma invenção que pode ser utilizada para tudo, como a pólvora: podemos usá-la para munir revólveres ou fazer fogos de artifício.;
Você acredita que o Brasil ainda precisa de um ;salvador da pátria;, nos moldes de candidatos que já foram vendidos ao brasileiro no passado?
Não. Para mim, inclusive, o problema é justamente esse: achar que a ;salvação; virá de um ser humano e dar características messiânicas a pessoas em ambos os lados. Na verdade, o problema é sistêmico: ele vem de achar que a política brasileira, atualmente, possa fazer alguma coisa. As pessoas que acreditam que não precisa haver uma reforma política, que acham que a resolução das coisas virá por meio de uma pessoa que resolverá tudo, são os fascistas. Isso é uma ruptura com a democracia, já que ela é feita por todos, não por um só. A mudança é operada por toda a população. Às vezes, somos preguiçosos nesse meio político e acabamos querendo delegar isso a alguém. Acredito que essa vontade de delegar a mudança a alguém, a um grupo de pessoas, é parte do problema. A mudança vem do cotidiano, da micropolítica em nossas relações pessoais.
Você acha que o brasileiro está mais resolvido na questão política?
Acho que sim. Penso que estamos caminhando para uma vida política mais intensa. Hoje em dia se discute muito mais política, com os jovens ocupando escolas, promovendo debates e participando mais ativamente desse meio.
A tecnologia, hoje em dia, nos leva cada vez mais longe de uma perspectiva humanista. Você acha que a situação política atual é um reflexo imediato dessa falta de humanismo?
Eu acredito que não. Eu acho que a tecnologia pode sim ser utilizada para uma maior mobilização. Existe algum mecanismo melhor para isso que a internet? A internet é uma invenção que pode ser utilizada para tudo, como a pólvora: podemos usá-la para munir revólveres ou fazer fogos de artifício. Neste caso, eu acho que os fogos de artifício são os debates, as discussões, que estão ao alcance de milhões de espectadores. Em vez de difundir ódio, mentiras e intolerância, podemos utilizar a internet para aumentar a discussão política.
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Recentemente, uma empresa assumiu a parte majoritária do canal Porta dos Fundos. Isso afetará sua presença nas esquetes e no Greg News?
Eu estou bastante mergulhado no programa. A maior parte das minhas energias está voltada para a realização dele, porque eu já vi que será um trabalho bastante intenso. Cada semana, teremos um programa diferente, com um tema diferente, então teremos muito trabalho. Será muita pesquisa e muita piada no caminho. Estou muito ansioso, mas já estou cansado e nem começamos ainda (risos). Já no Porta dos Fundos, continuo nas esquetes. Todo mundo já saiu um pouco do Porta para fazer filmes e outros projetos, mas eu continuo com eles. Eu tiro sempre um dia da semana para continuar escrevendo e fazendo as esquetes. Mesmo com o Fábio (Porchat) na Record e eu com o programa, estamos conseguindo.
Brasília tem um estigma negativo por causa da política. Qual a sua primeira impressão ao ouvir o nome da cidade?
Eu penso em Lucio Costa, quem eu tive o privilégio de conhecer quando era pequeno. Ele era primo da minha avó. Ele era um cara sensacional. Eu ia para a casa dele de vez em quando e passava a tarde inteira brincando com os soldadinhos de chumbo dele. Então, minha visão de Brasília é outra, completamente diferente. Eu vejo o sonho modernista, o sonho arquitetônico e, claro, o Lucio, que era um sujeito muito admirável.
Qual é a proposta do talk show? De onde veio a vontade de fazê-lo?
É um programa de humor político, que os americanos costumam chamar de comedy news. Acho que hoje esse estilo veio muito a calhar, porque eu acredito que, mais do que nunca, precisamos de mídias que assumam sua parcialidade, apesar de as pessoas dizerem constantemente que precisamos de uma imprensa completamente imparcial. O barato do comedy news americano é que você vê a realidade através dos olhos de alguém que não tenta agir como se fosse dono da verdade absoluta. Essa perspectiva não é vedada, continua sendo um olhar. O olhar é embasado de opiniões compartilhadas com uma equipe que investiga a história por trás do acontecimento, para o programa não se transformar numa metralhadora de opiniões e poder dar uma leitura nova. Para mim, essa é a função do humor no mundo.
O apresentador John Oliver quase sempre faz questão de explicar didaticamente os temas em pauta no programa que apresenta nos EUA para que as pessoas possam entender o que está acontecendo. Você pretende fazer algo parecido?
Com certeza. A ideia é trazer outras perspectivas, dizer o que não está sendo dito, de modo geral. Quase sempre, as pessoas estão brigando pelas coisas erradas, mas a ideia é mostrar que não estamos aqui para isso. Estamos ali para mostrar outra perspectiva de uma forma não tão séria, por isso o humor na coisa toda. Muitas vezes, as pessoas ficam presas no fato, sem entender se o acontecimento vai ser bom ou ruim para elas, e também ficam sem entender o que pode acontecer depois.
Você é conhecido por defender ideias de esquerda e, por muitas vezes, se torna alvo de ofensas em relação a isso. Como você lidará com a reação dessas pessoas em relação ao programa?
Com certeza é um programa enviesado. É o meu viés. Não vou tentar fingir que é um programa imparcial. Quem se interessar pelo meu olhar e pelo da equipe vai gostar do programa. Eu não acho que vá ser um programa que agrade a gregos e troianos. É o ditado: quem agrada a todos, acaba não agradando a ninguém. Mais do que agradar a todos, o programa tem a ideia de revelar novos olhares sobre temas difíceis. O comedy news é sempre parcial.
Fala mais sobre isso...
O John Oliver, por exemplo, não é, de nenhum jeito, neutro. Muito menos o John Stuart. Eles, inclusive, fazem questão de esclarecer que não o são. No Brasil, talvez por termos uma democracia mais recente, há uma criminalização sobre quem pensa diferente, especialmente para aqueles que são de esquerda. Mas, se formos ver, o humor político é majoritariamente de esquerda. Eu diria até que esse tipo de humor é anarquista, pois vai contra qualquer tipo de poder instituído. O humor não é imparcial. Eu acredito que a imparcialidade é um mito que vem caindo.
E o público jovem?
Houve um estudo, recentemente, nos Estados Unidos que mostra que os jovens atualmente têm o humor como a principal forma de informação. Para mim, é aí que está o sucesso do comedy news. A diferença do humor para o jornal é que o humor é assumidamente parcial, enquanto o jornalismo muitas vezes finge não ter um ponto de vista. Nós sabemos que não existem fatos, apenas interpretações.