O que mais impressiona em Caetano ; Uma biografia, escrita por Carlos Eduardo Drummond e Marcio Nolasco, é a riqueza de detalhes sobre a vida e a carreira artística de um dos nomes mais icônicos da cultura brasileira. A aprofundada pesquisa, feita pelos dois, os levou a entrevistar mais de 100 pessoas ligadas direta ou indiretamente ao cantor e compositor baiano, em diferentes cidades brasileiras ; de Santo Amaro da Purificação, terra natal, ao Rio de Janeiro, que o acolheu nos anos 1970.
Do processo de criação, iniciado em 1997, até o lançamento recente pelo selo Seoman, do Grupo Editorial Pensamento, passaram-se duas décadas. Explica-se: quando ficou pronta, há 14 anos, não houve a autorização para que ela chegasse às lojas. A possibilidade para que isso ocorresse surgiu com a decisão do Supremo Tribunal Federal, em 2015, ao derrubar a questão da defesa de autorização prévia para a publicação de biografias. Mesmo assim, a obra saiu como biografia não autorizada ; ;mas não desautorizada;, segundo os autores. Aliás, Caetano e Paula Lavigne, mulher e empresária do artista, consentiram o uso das fotos, como a da capa.
Na biografia, que traz como subtítulo A vida de Caetano Veloso, o mais doce bárbaro dos trópicos, Drummond e Nolasco não se propõem a fazer análise do legado do tropicalista. A competência de ambos aflora na descrição, ao contar, com minúcias, as histórias ; algumas, pouco ou nada conhecidas ; desse rico personagem.
É perceptível o rigor que eles se impuseram ao transpor para o livro a trajetória artística de Caetano, desde quando, ainda criança, subiu ao palco pela primeira vez, abrindo um show do então ídolo seresteiro Sílvio Caldas, no Cine Teatro Subaé, em Santo Amaro; até a participação na cerimônia de entrega do Oscar, em 2003. A convite do ator Gael García Bernal, cantou os versos iniciais de Burn it blue (Eliot Goldenthal), canção da trilha sonora do filme Frida, de Julia Taymor.
Personagens que povoam o universo do artista também estão presentes. Dos pais, Zezinho e Canô, e a irmã ; também famosa ; Maria Bethânia a cineastas como Federico Fellini, Ingmar Bergman, Pedro Almodóvar e Glauber Rocha; passando por companheiros da Tropicália, Gilberto Gil, Gal Costa, Tom Zé e José Carlos Capinam. São lembrados ainda os emblemáticos festivais da TV Record; e a prisão e o consequente exílio, determinados pela ditadura militar.
A biografia vai até 2003. O que ocorreu depois é relatado, de forma sucinta, no posfácio. Com esse adendo, os autores buscam deixar claro que, ;no decorrer do novo milênio, a obra de Caetano Veloso continua em progresso;.
Como surgiu a ideia da biografia?
Carlos Eduardo Drummond: a paixão em comum pela arte despertou o desejo de realizar um projeto em conjunto que nos desse orgulho de fazer. Naquele tempo, ousamos ao sonhar escrever a história de um ícone da cultura nacional, que ainda não possuía um livro abrangente sobre sua vida e carreira. Pensamos em alguns nomes e, no fim, chegamos a Caetano Veloso.
Vocês, antes de se aterem ao livro, acompanhavam a carreira do Caetano?
Márcio Nolasco: sim, mas apenas como admiradores de música em geral. Naquele momento, não tínhamos a real dimensão do alcance desse artista multifacetado, de vanguarda, e, até hoje, em profunda sintonia com a linha evolutiva da música popular brasileira.
Para escrevê-lo, foram movidos pela admiração pela obra do artista?
Carlos Eduardo Drummond: gostávamos das músicas dele, mas longe de sermos fãs incondicionais, tietes, etc. Acreditamos que essa característica permitiu o grau de distanciamento suficiente para não escorregar em uma idolatria desnecessária.
Efetivamente, a partir de quando passaram a trabalhar em cima desse projeto?
Carlos Eduardo Drummond: tudo começou em 1997.
Quais foram os passos iniciais?
Márcio Nolasco: definido que escreveríamos sobre Caetano, a minha mãe (dona Ana Marlene) foi fundamental, pois estudou na adolescência com Rodrigo Velloso, irmão do personagem. A amizade entre eles propiciou que iniciássemos os contatos para que o projeto tomasse forma. Assim, conseguimos entrevistar familiares e amigos, bem como ter acesso a todo o acervo oficial do artista, sob a guarda da fotógrafa baiana Maria Sampaio. Além disso, contamos também com a ajuda de outro grande nome da música brasileira, Roberto Menescal, com quem fizemos a primeira das entrevistas dos artistas, o que nos abriu portas para vários dos nomes com quem conversamos.
Impressiona a profundidade da pesquisa feita por vocês. Têm noção de quantas pessoas ligadas ; direta ou indiretamente ; ao Caetano serviram de fontes para esse trabalho?
Márcio Nolasco: entrevistamos mais de 100 pessoas com algum tipo de ligação. Também tivemos a colaboração de várias outras, como diretoras de instituições em que ele estudou, agentes que nos ajudaram a encontrar artistas, pessoas que nos forneceram documentação, telefones, endereços, apenas para citar alguns exemplos.
Que tipo de dificuldades enfrentaram no processo de apuração?
Carlos Eduardo Drummond: realizar um projeto como esse não é tarefa simples. Não tínhamos noção do quão complicado seria quando começamos. E olha que tivemos manifestações de que algo desse gênero em um país como o nosso seria impossível. Passamos por inúmeras dificuldades, mas todas ajudaram em muito para ganharmos experiência com o processo. Teve desde carro quebrado em Santo Amaro até pessoas que se negaram a falar conosco. Justiça seja feita, esses casos foram poucos e raros. Dividíamos o tempo de pesquisa com as nossas outras atividades profissionais e o resultado foram incontáveis fins de semana trabalhando no interior de bibliotecas e arquivos. E também viajamos com recursos próprios. De tão complexa, a história de vida do Caetano exigiu de nós uma pesquisa que, em dado momento, nos pareceu não ter fim.
Houve algo que quiseram saber, que ficou sem resposta?
Márcio Nolasco: a visão e a opinião das pessoas que não conseguimos entrevistar. Certamente, essas pessoas teriam muito a acrescentar à obra. Mas, de um modo geral, o que tínhamos em mente como meta em termos de abrangência foi concretizado. E, como optamos por realizar uma biografia descritiva e não analítica, procuramos abordar todas as principais passagens relevantes para a formação de Caetano, seja como pessoa ou como artista. Uma vez que a vida dele é riquíssima em episódios e interpretações, uma só biografia não é suficiente. Esperamos que agora se inicie uma nova era, que outras obras sejam lançadas e a nossa possa contribuir como fonte.
Algum aspecto da vida e da trajetória artística tropicalista deixou de ser abordado?
Carlos Eduardo Drummond: procuramos fazer do modo mais completo possível, detalhando ;onde;, ;quando; e ;como; os fatos aconteceram, sem nos apegar mos a análises críticas da obra e da postura do artista. Para alguém que está em plena produção no alto de seus quase 75 anos, vale dizer que, se abordássemos analiticamente cada canção, cada disco, cada gesto do artista, acabaríamos por gerar um livro que, de tão extenso, traria dificuldades até para sua manipulação.
O Verdade tropical, livro escrito pelo Caetano, foi usado como fonte?
Márcio Nolasco: verdade tropical foi tão importante que, bem no início, chegamos a pensar em dar ao nosso o título de Outras verdades. Já que poderia soar pretensioso, como uma possível continuação do livro dele, que, aliás, ele já indicou ter intenção de fazer, buscamos outras opções até chegarmos ao título definitivo.
Incomodam os reparos feitos à obra por Caetano, Paula Lavigne e colegas da imprensa?
Márcio Nolasco: de forma alguma. Vivemos em uma democracia. O debate é natural, mesmo que muitas vezes polarizados em discussões quentes. Até quando há algum toque preconceituoso ou que transmita um gosto particular de determinado crítico, que gostaria de ver mais disso ou daquilo, ou gostaria que fôssemos mais específicos numa passagem, tudo isso tem de ser tomado como crescimento. Temos o nosso estilo e fomos fiéis a isso.
Caetano ; Uma biografia (A vida de Caetano Veloso, o mais doce bárbaro dos trópicos)
De Carlos Eduardo Drummond e Marcio Nolasco. Lançamento da Editora Seoman. Preço: 59,90.