Diversão e Arte

Criolo lança disco de samba e diz: 'O rap me fez ser alguém no mundo'

O cantor lança 'Espiral de ilusão', primeiro disco somente com composições de samba. Ao Correio, ele fala ainda sobre questões políticas

Alexandre de Paula
postado em 14/05/2017 07:00

Criolo lança 'Espiral de ilusão', primeiro disco de samba

Cria do rap, Criolo sempre compôs um sambinha aqui, outro ali. Nos discos anteriores, porém, o gênero sempre aparecia timidamente. Agora, a veia de sambista ganha espaço total em Espiral de ilusão, novo álbum do paulistano. O samba de Criolo mantém a poesia afiada e combativa, as vivências da favela e a dureza do cotidiano misturadas, porém, à esperança de tempos melhores. Em entrevista ao Correio, o compositor falou sobre a importância da arte para a periferia, a situação política do país e as origens do samba em sua vida.

Entrevista // Criolo

O samba já foi politicamente importante em vários momentos, durante a ditadura, na redemocratização, por exemplo. Esse poder político ainda está presente no gênero?
Eu acho que sim. Está presente em toda pessoa que faz a sua canção. A energia, a verdade da pessoa aparecem ali e fica um pouco a cara e o coração de quem fez.

Você sempre se posicionou politicamente, há letras que refletem isso também no disco, como Menino mimado. Como enxerga a situação atual do país? Dá pra ser otimista?
Se você olhar por uma ótica do quanto essas pessoas que estão no poder já nos perseguiram, já nos destruíram (a nós, nossos pais, avós, tataravós) é um cenário extremamente brutal. Mas se você olhar também pelo lado de o tanto de pessoas que estão fazendo coisas maravilhosas, visando contribuir para um mundo melhor, isso te dá um fôlego. Cada vez mais, eu tenho visto gente assim, e nós temos que mandar nossa força, nossa energia também.

E como se pode dar essa força a esse movimento, a essas iniciativas?
É difícil falar pelo outro, mas se você tem a sua fé e a sua esperança, isso é tão natural... E vai aparecer de um jeito ou de outro, seja no seu dia a dia, seja na arte que você promove, seja em você estar aberto para o mundo, para essas coisas boas. Cada um pode ter o seu jeito, cada um tem o seu jeito dentro de si.

Dentro da favela, da periferia, que impacto o rap, a cultura como um todo, tem ou pode ter?
O impacto é muito forte. O rap me fez ser alguém no mundo e me ver como alguém capaz de fazer alguma coisa. Ele ensina também a dialogar. O rap sempre foi um texto de contestação, um jeito de mostrar o tanto de coisas erradas que acontecem na sociedade e que muita gente vira as costas. Então, o impacto é muito grande e muito positivo.

De que maneira tudo o que você viveu, a desigualdade, isso de ver as coisas erradas acontecendo ao seu lado, influenciou na hora e na sua maneira de fazer arte?
Naturalmente, as experiências brotam no meio de tudo o que você está fazendo. Tem coisas que te marcam para a vida toda, tem coisas que marcam na alma.

E alguma coisa dessa realidade mudou?
Tem muitos passos ainda para se dar, tem muita coisa ainda para melhorar para todo mundo;

O que ainda falta?
É só você pensar o contrário e perguntar: ;O que não falta?;. É cruel isso, é cruel falar do que falta, porque, na verdade, o que não falta? Mas nosso povo está completamente abandonado, nossa nação está completamente abandonada. Mas nós temos forças para mudar, a gente tem alegria, esperança, sonho, só que existe um muro gigantesco e real de falta de diálogo, de falta de compreensão, de falta de enxergar o Brasil como algo mais amplo.

O rap e o samba conversam, eles podem ter esse diálogo?
Eles conversam. Sempre conversaram, porque em tudo está o tambor africano.

Como o samba faz parte da sua vida?
Ele faz parte de eu ver minha mãe cantar em casa e de meu pai cantar uma coisa ou outra. Ele não é muito de cantar, mas tinha os discos do Moreira da Silva e do Martinho da Vila. O mesmo tanto que minha mãe é apaixonada por Ney Matogrosso e por Raul Seixas, meu pai é por Martinho da Vila e Elza Soares. Então, eu trago isso de casa, vem de dentro.

Existe uma relação familiar muito forte nisso, né?
Olha, é um dos laços que eu tenho, que acabo tendo de lembranças. É uma das recordações que tenho do meu pai na infância junto com as lembranças de ele levar a gente para jogar bola, para ir ao o Pacaembu ver o jogo do Corinthians. Ele tinha esse ritual de colocar o disco para rolar. Não que ele fosse um cara que escutava samba pra caramba, não foi assim, não existiu isso; Mas quando ele escutava, a gente estava junto e ficou guardado no afetivo.

E como isso se refletiu na sua criação? Como você começou a compor sambas?
O maior número de composições de samba para mim aconteceu entre 2008 e 2009, depois deu um tempinho. Na verdade, eu sempre estava fazendo um sambinha. Mas sem procurar, sem pensar ;hoje vou fazer um samba;. Fazia sempre quando a emoção vinha em forma de samba.

Em que momento ou como você decidiu que era hora de gravar um disco de samba?
Eu mostrei algumas coisas para a minha turma. Essa decisão de que era hora foi coletiva. Eu estava sempre apresentando um pouquinho de samba. Isso acabou inundando todo mundo.

Eu tenho a impressão de que seus discos também têm uma coisa do trabalho coletivo, da importância das outras pessoas que estão no projeto com você. Como isso acontece?
Isso é muito natural. O rap me mostrou muito disso. Por mais que o disco seja solo, tem muita gente envolvida, muita energia, muita força de vontade e sonho envolvidos naquilo tudo. Acaba também que o disco é um reflexo desses momentos.

Como foi levar o seu estilo e a sua vivência para o samba?
As músicas foram surgindo naturalmente, com tranquilidade, elas foram nascendo e eu fui fazendo o registro delas. Quando fui ver, tinha um bocado. Não foi uma coisa pensada, agora vou falar sobre tal tema, vai ser de tal jeito. Não foi assim. Foi um tantão de sambas nascendo, aí juntamos tudo e escolhemos as músicas. Não foi uma coisa direcionada.

Você já alterou uma letra (quando retirou a expressão ;traveco; da música Vasilhame), já se retratou algumas vezes, mudou de ideia... Acha importante que o artista mantenha essa postura?
Eu acho muito importante essa postura e também respeitar o momento de cada um. No caso da letra, eu não tinha dimensão de onde tinha nascido a expressão, por que aquilo e de como ela poderia machucar alguém. Eu era bem mais novo. É importante pra caramba esse tipo de coisa. Que bom que eu tive a oportunidade de fazer isso!

Capa do disco 'Espiralk de ilusão'

Espiral de ilusão
Criolo. Oloko Records. 10 faixas. Preço médio: R$ 19,90. Disponível para download gratuito em http://www.criolo.net/espiral/

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