Diversão e Arte

Filme 'Terra em transe' terá exibição de gala no Liberty Mall

Sessão está marcada para às 20h30 e contará com as presença de Paloma Rocha e de Luiz Carlos Barreto

Ricardo Daehn, Severino Francisco
postado em 16/05/2017 07:15

Jardel Filho e Paulo Autran: desespero político extremamente atual

Meio século de existência e a certeza de ter sido uma influência, um modelo para muitas rupturas estéticas. O filme Terra em transe deflagrou o tropicalismo no cinema, na música, no teatro e nas artes plásticas. Além disso, impactou cineastas importantes em vários pontos do mundo.Este é o legado do longa-metragem Terra em transe, de Glauber Rocha.

"Ainda houve uma influência que se estendeu, assumidamente, para cineastas internacionais, como Martin Scorsese e Pier Paolo Pasolini", comenta o produtor executivo do longa, Zelito Viana. Dois colegas de profissão de Glauber e Zelito ; os produtores Luiz Carlos Barreto e Paloma Rocha ; estarão em Brasília, nesta terça-feira (16/5), às 20h30, para sessão seguida de debate, no Liberty Mall.

"Terra em transe será um filme atual, ainda nos próximos 100 anos", enfatiza Luiz Carlos Barreto, que guarda um compêndio de lembranças da repercussão da fita. Dados afetivos ; entre os quais o trabalho de manejo inigualável do "melhor câmera do mundo", o amigo Dib Lufti ; se mesclam a memórias tensas em torno da censura do filme interditado, por ser "subversivo e dotado de ideias exóticas", às vésperas do Festival de Cannes, no qual acabou premiado. "Fiquei com o Glauber, no Brasil, até a liberação, que foi muito próxima da exibição. O filme foi liberado pelo chefe da Polícia Federal! Olhando para trás, vejo que Terra em transe foi uma prova de que não se faz cinema apenas com dinheiro. Houve vontade de fazer e empenho. Além disso, Glauber não queria ser cult; tratava o cinema com uma linguagem revolucionária, sem dispensar a narrativa: tratou de um cinema útil e não fútil", avalia Barreto.

Na visão dos produtores, pesa a atualidade de Terra em transe. "O longa discute a representação popular, a liderança de um povo. O que significa ser um deputado, ser um empresário, isso numa época em que o nível de corrupção está na ordem do dia dos brasileiros", avalia Zelito Viana. Atores de ponta, entre os quais Jardel Filho, Paulo Autran, Paulo Gracindo e José Lewgoy esbanjam talento na trama aprofundada nos bastidores do toma lá dá cá, do fictício Eldorado. Alecrim aparece em cena como epicentro para desavenças e falcatruas. "Para mim, a política não é uma atividade que se transforme; se mantém estática, desde a Grécia. Nós criamos a crise: em vez de soluções, brigamos sempre pelo retorno ao poder. Acredito que o poder político não tenha atingido o patamar que imaginavam os filósofos", observa Luiz Carlos Barreto.

Monumental riqueza

Intelectual repleto de dúvidas, o poeta e idealista Paulo Martins (Jardel Filho) transita, sem ideias prontas, coberto de indagações, por Eldorado. "Glauber era um tanto assim: pensava em prol do povo", explica Barreto. Aos 79 anos, Zelito pontua peculiaridades de Glauber, à época da projeção da fita em Cannes. "A apreensão era grande, por causa do Deus e o diabo na terra do sol, quando ele ainda tinha 20 e poucos anos. Conheceu o sucesso muito novo. Um filme é sempre um problema: há de se corresponder à expectativa criada pelos anteriores. O texto de Terra em transe era muito forte. Traçava, na narrativa, poemas muito bonitos. Todos, no set, ficavam mobilizados com o Glauber. Nós sabíamos que estávamos construindo algo importante", diz.

Diretor de fotografia da obra-prima, Barreto conta que adequou a imagem à concepção avizinhada do clássico Vidas secas: luz natural, para não desfazer a luz dos trópicos. "Não eliminamos sombras, nem interferimos nos contrastes", observa.

Numa "situação mais ou menos nova para o Brasil, com a Lava-Jato", Zelito se mostra entusiasmado. Ânimo renovado, pela convivência com o genial Glauber. "Ele era um profissional exemplar. Teve a fama de louco e irresponsável; mas, comigo, nas três ocasiões em que trabalhamos, ele foi absolutamente irretocável. Era o primeiro a chegar e o último a deixar o set", conclui.

Na era da Lava-Jato


O Brasil da Operação Lava-Jato atualizou Terra em transe de uma maneira estarrecedora. Situado no imaginário país de Eldorado, o filme narra o desespero do poeta revolucionário Paulo Martins (Jardel Filho), desamparado tanto pela esquerda inepta, representada pelo líder populista Viera (José Lewgoy) quanto pela direita corrupta, encarnada pelo líder Porfírio Diaz (Paulo Autran). Glauber falava do desencanto com utopias de esquerda dos anos 1960. Nelson Rodrigues assistiu ao filme e disse que Terra em transe era um ideograma chinês, só que de cabeça para baixo. Mas, logo em seguida, teve um estalo e viu o óbvio: Terra em transe era genial.

No entanto, 50 anos depois do lançamento, Terra em transe se impregna de uma surpreendente atualidade. O desespero político de Paulo Martins é o desespero de todos nós em 2017: "Ando pelas ruas e vejo o povo magro, apático e abatido/Esse povo não pode acreditar em nenhum partido/Esse povo alquebrado/Cujo sangue sem vigor/Esse povo precisa da morte/Mais do que se possa supor/O sangue que estimula no irmão a dor/O sentimento do nada/Que gera o amor/A morte como fé/não como temor;.

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