Diversão e Arte

Alexandre Nero fala ao Correio: A cultura acaricia, mas também fere

Alexandre Nero está em cartaz na cidade com espetáculo sobre o sucesso. Em entrevista, fala sobre televisão, corrupção e sobre a função da cultura

Rebeca Oliveira
postado em 28/05/2017 07:00

Alexandre Nero (esquerda) com o elenco de O grande sucesso

Quando interpretou José Alfredo de Medeiros, o Comendador da novela Império (2014), Alexandre Nero viveu um dos ápices da carreira. A repercussão do papel não se compara à de outras produções ; A favorita (2008), Fina estampa (2011) e Salve Jorge (2012). Com o personagem, o primeiro protagonista na tevê, foi alçado ao posto de galã, mesmo que nunca tenha brigado pelo título. Isso porque a relação com as artes cênicas não se limita ao burburinho provocado pelos folhetins televisivos.

Para Alexandre Nero, sucesso e fracasso são conceitos relativos. Ele começou a carreira na década de 1980, quando integrou em Curitiba as bandas Grupo Fato, Denorex 80 e Maquinaíma. E já se considerava afortunado. Aos poucos, o teatro ganhou o mesmo peso que a carreira musical. A visibilidade natural de quem entrou no elenco da mais importante emissora brasileira, em 2008, não trouxe afetação ou o distanciou dos ideais políticos.

Em O grande sucesso, espetáculo que apresenta hoje em Brasília, o ator equilibra as duas vertentes de forma crítica e com o humor irônico, até autocrítico. O intento é discorrer sobre questões como o próprio fazer artístico, em texto imerso em metalinguagem. As cenas se passam na coxia de um teatro, com atores secundários que esperam mais de 3 horas para entrar em cena.

A peça é permeada, também, por afeto. Nela, o ator se reúne com os amigos Rafael Camargo, Eliezer Vander Brock, Fernanda Fuchs, Fabio Cardoso, Edith de Camargo e o diretor musical Gilson Fukushima. São amigos que conheceu há mais de 20 anos. Juntam-se a eles a musicista paulista Carol Panesi e o ator carioca Marco Bravo. As canções foram escritas por Nero e se misturam ao texto de Diego Fortes.

Em comum, o grupo tem fortes convicções de que a arte ;acaricia, mas também fere;, como define Alexandre Nero. Usam metáforas do universo artístico para tecer críticas políticas. Contemporânea, a peça dialoga, em menor grau, com o papel que ele fará em Filhos da pátria, seriado global com estreia prevista para o segundo semestre deste ano.

No outro extremo, se prepara para dar vazão ao Brasil que dá orgulho, distante das corriqueiras denúncias e crises: estreia, em 3 de agosto, o longa João, o maestro. O filme biográfico sobre João Carlos Martins tem direção de Mauro Lima e foi mais um respiro poético na trajetória do curitibano.

Entrevista/Alexandre Nero


Ator Alexandre Nero

Quanto há de biográfico em O grande sucesso?

De uma certa forma tudo é biográfico. Eu não acredito em história de ficção ; todas as histórias, quaisquer que sejam elas, são baseadas em fatos. A peça fala sobre a minha experiência, mas também das experiências de todo elenco, porque todos nós somos artistas. Se não estou falando de mim, estou falando dos meus próximos. O Diego Fortes assina a dramaturgia do texto, mas tudo que ele escreveu foi baseado na criação dos atores, nos improvisos, nas ideias, na vida de cada um ali. O espetáculo tem o sangue, o DNA, o fio de cabelo de todo mundo.


Como se sente ao reencontrar antigos amigos em cena?
Maravilhoso. É a minha galera, são as pessoas que sempre estiveram comigo e que me ensinaram tanto. A ideia era voltar a beber da minha fonte, nas coisas que eu fiz antes de ir para o Rio de Janeiro. Como foi um projeto proposto por mim, eu achei mais certo confiar nas pessoas que eu conheço, que já entendem a minha linguagem e que saberiam entender a concepção artística do projeto, como um todo.


Existe alguma dicotomia entre ser ator de teatro e ser ator de tevê?
Eu não sou daqueles que acha que o teatro é melhor ou pior, ou qualquer outra coisa do tipo, mas essa relação, essa possibilidade de ser um ator criador só o teatro te dá plenamente. Apesar de ser bastante cansativo, ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, fazer teatro é muito gratificante. No teatro eu sei exatamente o que estou fazendo: não conseguiria fazer o mesmo na televisão e dificilmente o faria no cinema, porque são estéticas completamente diferentes. Na maioria das vezes, eu acho que as pessoas se surpreendem com a peça, para o bem e para o mal, porque quem for nos assistir esperando um espetáculo com estética televisiva vai se surpreender bastante.


Em breve você entra no ar em Filhos da pátria, como um funcionário público imerso numa teia de corrupção. Há muitos paralelos com a situação política do Brasil?
Muitos, sem dúvida. A série mostra como a corrupção vai tomando conta do Brasil logo depois da Independência, quando os portugueses vão embora daqui. Eu faço o Geraldo, que é um funcionário honesto, mas que acaba entrando no jogo da corrupção, primeiro por chantagem, depois por gosto pelo poder e pelo dinheiro. Aí a gente fica sabendo de onde vem o tal jeitinho brasileiro de corromper e ser corrompido, em todas as escalas.


Em um país tão polarizado, de que lado se enxerga?
Do lado de dentro.


Qual o papel da cultura diante desse furacão político?
A cultura é que nos permite, enquanto seres humanos, construir o nosso conhecimento, a nossa forma de agir e pensar. A função da cultura, ao contrário do que a histeria contemporânea insiste em nos cobrar, não é alvo de objetificação. Ela existe para refletirmos o nosso tempo, mas também nossa existência. Isso não é fácil e muito menos rápido. Num mundo sem tempo, a cultura traz a contemplação, vem provocar o lugar-comum. Ela acaricia, mas também fere. Leva a questionamentos e reflexões.


Você representa, também, o Brasil que dá orgulho em João, o maestro. O que mais o impressionou na vida do maestro, permeada por vitórias e superação?
Além desse lado da superação, que talvez seja o que as pessoas mais conheçam do João, ele é reconhecido mundialmente como um dos maiores intérpretes de Bach. Ele criou um estilo muito particular e inovador de tocar Bach. Foi um privilégio conhecer de perto essa obra incrível, que pouca gente conhece no Brasil. Além de tudo isso, o João é muito divertido, tem aquele jeito muito peculiar de falar inglês com um sotaque só dele.... Nos divertimos bastante no processo de gravação.


O grande sucesso
No Teatro UNIP (913 Sul, s/n;, conj. B; informações 3703-5580). Hoje, às 20h. Ingressos a R$ 100 (inteira) e R$ 50 (meia). Não recomendado para menores de 14 anos.

[SAIBAMAIS]

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