Feliz e orgulhosa são adjetivos que acompanham a atriz paulista Letícia Colin, mas que nem precisaria confirmar o atual estado de espírito: na telinha, com sucesso em Novo mundo, a novela das seis, a intérprete da princesa Leopoldina só colhe elogios. Beleza, precisão no sotaque e dotes dramáticos têm sido ressaltados na mídia. ;Tem sido intenso. Estou com enorme volume de cenas. Leopoldina participa ativamente das decisões políticas, na trama. É um momento de expectativa e de grande emoção. Há muitas reconstituições que foram traços históricos. Todos os episódios são muito épicos. A novela tem este caráter;, explica Letícia, que, simpaticamente, atendeu o Correio, soterrada por pilhas de textos, dados como ;dever de casa;.
Simples, a atriz é adepta do transporte público. E sempre foi assim. ;Cheguei ao Rio de Janeiro, aos 12 anos, e nunca mais saí;, conta, aos 27 anos, 15 anos depois da ascensão pavimentada por obras como Malhação. Preconceito com aquele programa, na visão da atriz, é coisa que nunca se justificou. ;A própria Malhação que está no ar é superbem dirigida. A história começou ótima, com cinco garotas femininas e empoderadas. É coisa do passado o tal preconceito que se tinha. Minha geração cresceu vendo Malhação, até como maneira de formação de gosto dramatúrgico, e de explorar os assuntos debatidos;, enfatiza.
Unanimidade e alinhamento completo de postura são coisas que não casam com os princípios, ao menos os românticos, de Letícia Colin, atualmente, envolvida com o parceiro Michel Melamed. ;Divergir é saudável. Conversamos sempre abertamente, como casal, sempre sem nenhum tabu. Debatemos trabalhos e o que está acontecendo no Brasil. É muito rico. É ótimo estar com alguém que se preocupa com o mundo para além do seu umbigo;, observa.
Alargar a visão de mundo está cada vez mais pulsante no espírito da atriz, que revela admiração por intérpretes como Meryl Streep, Gisele Fróes e Isabelle Drummond (colega dela, em Novo mundo). ;O Brasil é um celeiro de gente legal que atua, canta e sabe se virar desde cedo. Nós somos muito musicais. Gosto muito e tenho maior orgulho da nossa música, a MPB;, conta Colin, sempre ligada à sonoridade.
;Cantava mais, quando eu estava em cartaz com as peças. Hoje em dia, estou mais próxima do piano, por causa da Leopoldina. Fiquei bem encantada com a relação com o instrumento;, explica. Tudo a favor da princesa, morta aos 29 anos, distanciada da família, próxima das traições do marido, e presa à adaptação no Brasil, mesmo com enorme choque cultural. ;Leopoldina, na novela, faz o que as mulheres de hoje querem fazer: se posicionar politicamente, defender interesses de bem maior, serem respeitadas. Meu personagem defende muito do feminismo atual;, conclui.
Você tem sido muito abordada nas ruas pelo sucesso com a Leopoldina?
A Leopoldina tem uma caracterização que me transforma, então as pessoas reconhecem, mas não sabem exatamente de onde. Houve todo um processo para deixar ela meio gordinha, por ela ser uma mãe. Ela era uma princesa conhecida por não ter vaidade. Tentamos dar uma derrubada na mitologia das princesas perfeitas. Ela era muito humana, real e até bem triste. Isso é sabido e está impresso até na roupa dela. Leopoldina traz o peso da diplomacia, de carregar o brasão de uma família real. Por ela ser uma monarca, do maior império vigente, que era o austro-húngaro, isso fazia dela uma princesa muito bem preparada. Ela tem temperança e tranquilidade diplomática. É amorosa, sensível e dedicada ao reino. É uma personagem para a qual o reino está acima de tudo, e isso é algo que a deixa infeliz, muitas vezes.
Tem gente querendo a perpetuação do casal D.Pedro I e Leopoldina. Como lidam com este manobrar da realidade, dentro de uma perspectiva dramatúrgica, onde cabem mudanças de curso?
Há uma licença poética até certo ponto. Gosto muito da medida que os autores da novela Novo mundo encontraram. Os episódios emblemáticos na história do Brasil não têm sido omitidos e muito menos estão sendo bastante deturpados. Uma pesquisa que saiu, junto a espectadores, traz o dado que muita gente acredita que nós (com a novela) temos contando a história do Pedro Álvares Cabral! E a novela tem isso com ela: ir apresentando e esclarecendo; então acho que a gente tem que fazer muitas e todas as tramas possíveis relacionadas ao país. Os americanos fazem isso bem: valorizam a história e os heróis deles. No Brasil, a gente tem certa preguiça de falar do índio ; tem mania de achar que pode não ser tão interessante. A novela tem que ser como aquele bom professor de história: trazer coisas que te envolvam, numa embalagem atraente. A história tem que ser ágil, bela e emocionante. Estou muito orgulhosa da maneira como temos feito. Nada ficou chato ou maçante.
Como observa a química entre sua personagem e a do Caio Castro?
A Leopoldina e o Pedro tinham amor um pelo outro. Eles se amavam, apesar de ele ter outras mulheres, numa circunstância de criação muito diferente da vigente nos nossos dias. As cartas não estavam completamente dadas, em termos de relação doméstica. A gente sabe como tudo terminou (com a morte prematura de Leopoldina), mas na dinâmica da novela os fatos ainda estão se desenrolando. Os autores são muito corajosos. É uma novela de época, mas é muito contemporânea. Temos em pauta a questão da demarcação das terras indígenas, e há o núcleo dos índios lá. A gente falou da Guerra Justa (ligada a expansionismo e escravidão), por exemplo, e começa a entender um pouco o porquê de o país ser assim. A gente entende o processo de colonização. A questão das carnes comercializadas de modo ilícito também despontou: na novela, uma taberna vende pombo no lugar de frango (risos).
Parece que a sua personagem tem muito efeito entre as jovens...
A Leopoldina, apesar de presa num sistema monárquico, é uma mulher atual. Ela faz o que as mulheres de hoje querem fazer: se posicionar politicamente, defender interesses de bem maior, serem respeitadas. Ela defende muito do feminismo atual. E acho que o papel do cidadão é o de se informar, e lutar pelo bem de todos. A mulher, apesar da maioria numérica, ainda é uma minoria. Sentia isso, desde mais nova: meu irmão podia sair e voltar mais tarde. Eu, não. Eu não podia sair sozinha. A gente cresce com este medo: não me sinto segura na rua. Moro no Rio de Janeiro ; uma das cidades mais lindas e violentas do mundo. Vivo isso, diariamente ; uso transporte público, sei deste assunto, e ser mulher é sentir medo. Infelizmente, é assim.
Você já viveu uma personagem muito vaidosa, a modelo de Sete vidas. Como lida com a beleza?
Isso tá mudando muito. Antigamente, havia recursos que só pertenciam ao mundo das mulheres. Hoje tem muito homem usando creminho, maquiagem e fazendo sobrancelha. Acho que isso já se atualizou. Na novela Novo mundo, quase não tenho usado maquiagem, pelo tom da personagem que assume olheiras e tudo mais. Mas eu gosto muito de me maquiar. É um prazer que vem desde os tempos da Cleópatra, com todos querendo se enfeitar com penas e adereços (risos). Acho que é por isso que a gente gosta tanto de carnaval (risos).
Você já fez novelas com exploração do tema do aborto. Qual seu posicionamento?
É superpolêmico, mas sou a favor. A mulher tem que ter domínio do próprio corpo. Tudo com responsabilidade e educação. A escola tem que estar pronta para ajudar na preparação da vida sexual dos nossos futuros adultos. Nisso, diminuirá a gravidez indesejada para quem não tem estrutura financeira ou emocional. No caso da novela Chamas da vida, minha personagem sofria estupro, então era clara e óbvia a necessidade do aborto. Já Leopoldina ; que teve sete filhos ; perdeu vários outros, por causa das limitações de recursos da época. O aborto é uma questão política, social, humanitária muito maior: tange a formação familiar.
Como foi dar ciúmes no Neymar, com as cenas de Nada será como antes, feitas com Bruna Marquezine (risos)?
Não sei se foi assim... Você é que está dizendo (risos). Foi um trabalho muito importante, sempre sonhei em trabalhar com o José Luiz Villamarim e com Walter Carvalho que fez a fotografia daquela minissérie. Para mim, eles são artistas especiais. Nada será como antes foi mais uma oportunidade para trazer temas que ainda chocam as pessoas. É algo ainda ligado a preconceito, isso do relacionamento homoafetivo. Fico feliz de contribuir e aumentar o coro para a mudança de tempos. São tempos de liberdade e de respeito à vida e às formas de amor, sejam elas quais forem.
Em Os Saltimbancos Trapalhões: Rumo a Hollywood, você homenagea artistas vitais para a nossa cultura. Como se viu naquela posição?
Tivemos estas homenagens ao Renato Aragão e ao Dedé Santana. Foi emocionante: fiquei feliz demais, num período de filmagens muito prazeroso e vi que eles são realmente extraordinários. São pessoas com as quais a gente cresce, vendo e amando. E, além de tudo, a gente conseguiu fazer um belo filme, revisitando assuntos que seguem em pauta: como a crise na situação dos artistas mambembes. É um fator importante na nossa cultura e que luta para sobreviver.
Como você se percebe, em meio à tal crise nacional?
Sou deste século: resolvida, e gostaria que o mundo mudasse para melhor. Mas acho que isso se resolve no dia a dia, de modo devagar. Tudo assim se transformará. Gosto de ser artista, ter voz para contar histórias às quais muita gente tem acesso e de poder falar coisas que toquem a quem se interessar pela minha opinião. Sou budista. A gente tá num momento muito delicado e crítico. Se a gente não acreditar numa solução, nem levanta da cama. Não sou a favor de lados opositores. Gosto da posição do ex-presidente uruguaio José Mujica que disse que, acima de tudo, ele era latino-americano. Acho que é isso: a gente tem que saber contrabalançar os interesses. Quando todos puderem estar bem, todos estarão melhores. Não tenho escolha definida entre esquerda e direita, sou a favor da vida. Do respeito ao próximo, da saúde e da educação. E isso não tem lado: são coisas primordiais.