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Educador há 40 anos, Mario Sergio Cortella lança livro sobre família

Mario Sergio Cortella falou ao Correio com a serenidade de quem não quer provocar conflitos, mas explicar que a disciplina, com amorosidade, conduz a um bom lugar

;Estamos vivendo o momento de heroificação do atalho;, acredita o filósofo, educador e palestrante Mario Sergio Cortella. Para ele, este apodrecimento ético que favorece a corrupção está diretamente ligado à falta de diálogo, de troca e de relações sadias na convivência familiar. Pela primeira vez em mais de 40 anos de carreira, depois de uma dezena de bestsellers publicados, escreveu um livro direto e preciso voltado às famílias. As razões se ligam diretamente à realidade sociopolítica brasileira.

Mario Sergio Cortella falou ao Correio com a serenidade de quem não quer provocar conflitos, mas explicar que a disciplina, com amorosidade, conduz a um bom lugar. Em tempos da dicotomia entre as abundantes conexões virtuais e o escasso contato real, ele prega e pede por mais tempo de qualidade entre pais e filhos em Família ; Urgências e turbulências. ;A vida em família não permite superficialidade;, defende.

Rotina
Hoje, temos uma vida que, mais que ser veloz, é apressada. Esse apressamento da vida que nos dá tarefas contínuas, sem sensação de serenidade, faz com que a gente tenha relações mais superficiais. A vida em família não permite superficialidades. Ela exige tempo de maturação, de conflito, de convivência. É mais ou menos como um casal. Se o casal sabe que tem pouco tempo para algum tipo de confronto, não o faz, porque não daria tempo de reatar. Por isso, a rarefação do tempo para a convivência com outras pessoas acaba gerando essa superficialidade nas relações, e as redes sociais são favoráveis à superficialidade na medida que permitem uma desconexão veloz. Elas permitem, inclusive, que você possa ter contato sem conviver. E contato sem convivência é extremamente facilitado, porque não tem nenhum tipo de embaraço. É mais ou menos como caminhar em uma terra virtual. Não tem poeira, não tem aroma, não mancha, não suja. Mas também não é real. É como se escolhêssemos Matrix como nosso modo de vida.

Disciplinar
Há uma diferença entre o exercício da autoridade e o autoritarismo na paternidade e maternidade. Uma pessoa que é firme é aquela que tem decisão, que tem clareza, que tem energia no que tem que fazer. É diferente de alguém autoritário, implacável, inamovível. Nesse sentido, há uma diferença entre rigidez e firmeza. Aquilo que se chamava em tempos anteriores de uma geração mais rígida, ela era em algumas situações rígida, mas não necessariamente firme. Ela mantinha uma inflexibilidade que a educação não aceita. Um pai ou uma mãe que quer conduzir uma criança ou jovem de modo firme precisa ter flexibilidade para alterar o modo de fazer. É muito mais a firmeza flexível como a de um bambu do que a firmeza inamovível de um carvalho.

Internet
As redes sociais cumprem um papel essencial na vida das pessoas, mas também têm um efeito colateral que é um certo isolamento. Há pessoas que, em nome da conexão com aquilo que é o mundo virtual, acabam se distanciando daquilo que está mais próximo. Em outros tempos, antes das redes sociais, tínhamos quase todo mundo perto, mas não junto. Agora, temos todo mundo junto e quase ninguém perto. Isso produz efeitos deletérios, danosos. As redes têm essa dupla possibilidade. À medida que conectam, podem gerar isolamento.

Gerações
Primeiramente, devemos entender que as novas gerações são um patrimônio, e não um encargo. Claro que nos dão responsabilidade e trabalho. Mas são um patrimônio intelectual, afetivo, amoroso, criativo. No entanto, essa nova geração precisa ter pontos de conexão com as gerações anteriores. Isso exige que cada família se organize e crie tempos de convivência, que fará com que as vivências de cada um possam ser permutadas, partilhadas. Aliás, a melhor maneira de conviver é o lúdico, a brincadeira. Pode-se, por exemplo, cozinhar junto. A capacidade de fazer algo que exige uma alegria, não apenas rigor. É preciso inventar os tempos de convivências, assim como arranjamos tempo para responder a todos os e-mails e dar todos os ;likes; e ;unlikes;. É uma questão de prioridade, se você diz que não tem tempo para algo, é porque aquilo não é sua prioridade. Essa palavra não tem plural, tem que se exclusiva. Quem não tem a família como prioridade terá que assumir, depois, as consequências.

Política
Toda essa situação política que estamos vivendo é criação nossa, de homens e mulheres. Se nós permitimos que assim seja, podemos tirar a permissão para que ajam em outra direção. Claro que o que hoje temos vivido no Brasil impacta o futuro, mas podemos corrigir a rota. A vida humana não é traçada como uma linha de destino. É uma construção no tempo. Haverá um impacto, como já há. Temos muitos jovens que perderam a esperança. Entendem duas coisas que não são verdadeiras. Primeiro, que isso é exclusivo do nosso tempo. Segundo, que isso não tem saída. É necessário que a geração com mais idade forme a atual para que não entenda o momento atual como uma fatalidade. Se nós fizemos, a gente desfaz.

Família
A família não é uma instituição democrática. É participativa, mas a democracia pressupõe direitos e deveres idênticos em relação à necessidade de atendê-los. Em uma família, o pai e mãe são responsáveis pela autoridade e os filhos, subordinados, sem escolha, sem delegação, diferente de quem elegemos. Ela tem sim a necessidade de os pais levarem em conta o que os filhos pensam, de ouvi-los, mas não se subordinarem a eles, e caso se subordinem, aí sim há uma democracia, mas diferente da existente no conjunto social.

Turbulências
O primeiro livro voltado exclusivamente às famílias tem a ver com o que estamos vivendo neste momento porque o apodrecimento ético tem como fonte original, mas não exclusiva, o afrouxamento da convivência decente, da subordinação, do esforço. Nós estamos vivenciando a heroificação do atalho. Quem toma um atalho desvia, corrompe, é aquele que se beneficia. Para impedir que a nova geração receba a ideia de que o atalho é o caminho correto, é necessário pensar a família. Como educador também na área de filosofia, fiquei angustiado com a questão de estarmos com famílias formando filhos que não se recusam a pegar o atalho.

Tédio
Somos um ser mais criativo porque em vários momentos não temos o que fazer. Não ter o que fazer não é desocupação no sentido de vagabundagem, mas a capacidade de ter um tempo livre. O tempo livre, ou o ócio, é a capacidade de criar. Quando era criança e não tinha o que fazer, dizia aos meus pais e eles me respondiam: inventa. Hoje, a gente não admite que uma criança tenha tédio. Ele fica o tempo todo em estado de conexão, atarefado, com um tsunami ocupacional em cima dele que retira a capacidade criativa e nos coloca uma vivência bastante alienada. Até os sete anos de idade, a criança ainda não tem conceito operacional sobre conceitos abstratos. Por isso, não posso discutir questões como justiça. O que preciso é transmitir a ética por meio de exemplos e colocações de limites.

Transgêneros
São questões muito novas. Nosso Estatuto da Criança e do Adolescente ainda não tem 30 anos, só fará em 2018. A escola precisa ter isso como um dos seus objetos de formação e de autoformação. Não podemos deixar essas questões de lado, temos que nos preparar para lidar com elas porque fazem parte do nosso dia a dia. Pessoas transgênero ou que tenham uma orientação sexual que não é hegemônica sempre existiram, mas eram colocadas à margem, invisibilizadas, silenciadas. E nós não as víamos como presentes. Como elas estão presentes e precisam sê-lo, temos que lidar com isso de forma competente e amorosa, lembrando que a principal função da educação é a proteção e a formação da vida, em vez da exclusão.



Educação
O Ensino Médio precisa passar por reformas. Há 10 anos existe uma discussão sobre esse tema. O governo atual fez uma colocação de algo que no mérito é correto, mas de uma maneira inoportuna e amadora. A educação pública não é para amadores, não pode ser colocada como se fosse uma medida técnica de implantação. Mesmo que se faça propaganda e se discuta, o modo com está sendo colocada não é a realidade das escolas públicas. E se ela não se entranha entre os professores e professoras, fica longe da prática, aparece só como uma legislação. A reforma é urgente, necessária, mas não deve ser feita como algo que venha da autoridade para a base.

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Família ; Urgências e turbulências
De Mario Serio Cortella. Cortez Editora, 144 páginas. Preço médio: R$ 38.