Diversão e Arte

Som das festas juninas divide artistas: sertanejo ou forró?

A polêmica do que ouvir nas festas juninas tem de um lado quem defende a democratização e do outro, os adeptos da tradição

Ronayre Nunes
postado em 06/06/2017 07:30

Elba Ramalho: não canto em Barretos

Tradicionalmente, o período das festas juninas ficou ligado no Brasil ao gênero musical do forró. Grandes mestres do gênero, como Luiz Gonzaga e Dominguinhos, deixaram uma marca profunda nas festividades de junho, que saíram do nordeste brasileiro e ganharam o resto do país. Porém, Brasília não se restringe mais ao forró quando se trata de festa junina, pelo contrário. Eventos cada vez mais ecléticos tomam conta da cidade, que vai do sertanejo, passa pelo axé e chega até o rock.

;A gente já participou de festas juninas em outros locais, e o único lugar que eu vi que as festas abrangem outros ritmos musicais tão amplamente assim, foi aqui em Brasília;, afirma o roqueiro Bruno Duarte, da Banda Sinco. Ele conta ainda que a participação nesses eventos não é algo natural para a banda, mas que eles conseguem se adaptar rapidamente: ;No começo ficávamos um pouco perdidos sobre o que fazer para tocar, mas a gente tenta tocar no nosso estilo, óbvio que é uma música que toca em festas juninas, mas no nosso estilo;.

Já o sertanejo Wagner Simão, participante cativo do circuito de festas juninas da cidade, acredita que o processo de maior aparição de estilos musicais nesses eventos não tem nada de surpreendente. ;Quando a gente fala de diversos gêneros, não é só em festas juninas. Os gêneros estão, cada vez mais, se misturando, e isso é muito legal. Não começou nas festas juninas, mas vem sendo representados por esses eventos;, acredita.

A cantora de axé Adriana Samartini concorda com Simões. Para ela, a presença de vários ritmos nas festas juninas significa uma maior ;democratização; e deve ser comemorada. ;Isso é uma coisa natural, já é uma característica de Brasília, nós somos uma mistura, faz parte da nossa cultura;, defende Adriana.

Tradição

Opinião diferente tem Jorge Rocha, do grupo de forró Fulô do Cerrado. Para ele as festas juninas têm um importante contexto histórico-social que está sendo, aos poucos, esquecido, o que se reflete em ;grave ameaça; ao gênero do forró. ;Eu tenho visto uma invasão sertaneja. Nada contra, mas é um evento tradicional. Eu não tenho nada contra a inserção de um gênero em festas típicas, mas quando se torna uma substituição, ai eu sou contra;, sustenta.

O músico também relata os representantes sertanejos são cada vez mais onipresentes nas grandes festas juninas da cidade, tirando parte do espaço que um dia pertenceu ao forró. ;Acho que existe uma máquina sertaneja que se organiza muito bem e está sendo avassaladora. É preciso ter cuidado para que a tradição não acabe;.

Outra preocupação de Rocha se aplica ao futuro do forró: ;Quando nossos ícones forem embora, vão ficar só nas revistas, nos jornais e nas memórias dos filhos. Infelizmente, eu não encaro isso com boas expectativas;, afirma.

A opinião de Rocha é compartilhada por alguns músicos de forró de Pernambuco, que lançaram ; por meio das redes sociais ; em uma campanha no mês passado, o desconforto de sentir a vertente musical ser substituída por outro gênero por meio da tag #DevolvaMeuSaoJoao.

[SAIBAMAIS]No último fim de semana, a cantora Elba Ramalho se apresentou na festa de Caruaru, revelou que aderiu à campanha dos forrozeiros: ;Eu não tenho nada contra nenhum artista, nada contra nenhum sertanejo. Tem espaço para tudo. Porém eu não toco na Festa de Barretos, Dominguinhos também não cantava. A festa é deles, é dos sertanejos, e eles têm bem esta coisa: essa área é nossa;, disse à imprensa local.

O futuro

Para Alexei Alves de Queiroz, professor de música do departamento de música da Universidade de Brasília, algumas confusões cercam as festas juninas em relação à mistura de ritmos musicais. ;Antes é importante que a gente faça uma consideração: o forró é um gênero, os outros são estilos. O gênero pode ter vários estilos, que com o tempo vão se expandindo, como um processo natural;, ensina. Queiroz ainda lembra: ;Com o passar do tempo, os estilos vão se expandindo, como um processo natural, o gênero surge, e as pessoas só vão inserindo estilos, não tem como impedir;.

Sobre o futuro dessa verdadeira miscelânea musical, Queiroz defende um cronograma quase acadêmico: ;O que vamos ter nas próximas décadas é a separação de dois grandes gêneros dentro desse contexto: o festivo ; com o pop, o sertanejo ;, e o nostálgico, que é essa que reflete uma tradição, entende? Que não precisa dos food trucks e etc, Não digo ;nostálgico; como pejorativo, mas é uma designação que precisa captar a atenção dos mais jovens para sobreviver com vigor;, conclui.

* Estagiário sob a supervisão de Vinicius Nader

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