Diversão e Arte

Roteiristas brasileiros comentam dificuldades e desvalorização da carreira

Enquanto nos EUA a classe ameaça parar Hollywood, escritores brasileiros do entretenimento são desvalorizados

Ronayre Nunes
postado em 21/06/2017 06:00
Novas mídias e formatos de produção na indústria do entretenimento podem se tornar aliados na valorização da profissão de roteirista

Você tem uma série favorita? Se sim, existe uma grande probabilidade de ela ser uma produção norte-americana, certo? E talvez você nem saiba, mas esse programa predileto quase foi paralisado no fim de abril.
O sindicato de roteiristas de Hollywood (representado pela associação WGA) ameaçou deflagrar uma greve que prometia afetar grande parte da produção de entretenimento do mundo. Mas não se preocupe, tudo ficou bem. Pelo menos por enquanto, e, pelo menos, em Los Angeles.

A realidade da possível paralisação dos roteiristas ; em consequência de uma das indústrias mais poderosas do planeta ; colocou em alerta a delicada posição em que os escritores dos maiores sucessos da TV se encontram, principalmente no Brasil. Por isso, o Correio ouviu roteiristas e especialistas sobre como a profissão pode se tornar mais forte e relevante no contexto do entretenimento. O caminho é longo, mas parece ter solução.


Paralisação

Já passava das 23h do último dia 30 de abril. O acordo feito entre os roteiristas e as grandes produtoras de Hollywood há três anos acabaria às 23h59 desse mesmo dia, se nenhum acordo fosse alcançado, toda produção de entretenimento realizada na região de Los Angeles e que precisasse de um roteirista, pararia.

Com poucos minutos de tempo restante, o acordo foi alcançado. Por meio de nota à imprensa internacional, o WGA explicou que conseguiu alguns direitos importantes para a categoria, como contribuição em plano de saúde, o piso de trabalho para produção de um episódio de TV (definido por pouco mais de duas semanas) e ganhos na venda comercial de conteúdos roteirizados. ;Com ajuda ; quase unânime ; dos amigos escritores, nós conseguimos um acordo que arrecada quase U$ 130 milhões;, afirma a nota do WGA, divulgada pela revista Variety.
[SAIBAMAIS]
As demandas realizadas pelos profissionais representados pela WGA reflete uma nova forma de trabalho pelo roteirista norte-americano, mas e no Brasil? Como pensam os escritores responsáveis pela TV e cinema tupiniquim?

A versão brasileira

Quando questionada sobre a possibilidade de um movimento dos roteiristas no Brasil semelhante ao ocorrido nos EUA, a roteirista Melanie Dimantas foi direta: ;Você quer que eu ria? Porque isso é uma situação inimaginável aqui, eu pelo menos, acho impossível;, afirma uma das responsáveis por escrever a série Cidade dos homens e o filme Meu pé de laranja lima (2012).

Segundo Melanie, uma das razões da posição de pouco reconhecimento dos roteiristas está na informalidade que ainda cerca o trabalho. ;Existe muita informalidade. O produtor muitas vezes é teu amigo e te chama, você até tenta deixar a coisa mais formal com a presença de um advogado, mas é uma negociação melindrosa;, explica. A escritora ainda conta uma experiência particular para ilustrar o argumento: ;Eu já fiz isso, foi uma oferta normal, mas a reação do produtor, não. Ele me ligou depois e disse ;Você está maluca?;. O resultado é que você precisa trabalhar, então aceita. Alguns roteiristas têm mais fama e podem dizer não, mas em geral não dá para fazer isso;.

Anna Muylaert, uma das roteiristas do filme O ano em que meus pais saíram de férias (2005) e diretora do aclamado Que horas ela volta? (2015), aponta que a profissão de roteirista no Brasil seria muito mais estável se os profissionais tivessem o mínimo de direitos perante a produção de sua obra. ;Sobre a profissão de roteirista no Brasil, creio que deveríamos ter uma proteção maior do autor. Normalmente, para os contratos que escrevemos, seja em cinema ou televisão, agimos como prestadores de serviços. Recebemos um cachê e depois ficamos sem direito autoral nenhum. Isso deveria ser mudado;, defende.
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Para o roteirista Eduardo Albuquerque, autor de obras como a comédia A esperança é a última que morre (2015), explica que a busca por maiores direitos dos escritores de obra de TV e cinema deveria começar com o básico: uma regulação para a categoria. ;A realidade da profissão no Brasil é muito diferente da norte-americana. Roteirista não é nem uma profissão regulamentada no país. Não temos sindicatos, temos associações. Acho que o caminho é um lobby das associações existentes junto à Ancine;, aponta o roteirista.
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Para Jotagá Crema, um dos roteiristas da série 3% do canal de streaming Netflix, além de direitos básicos, a profissão de roteirista no Brasil pode ficar muito melhor com apenas um elemento: educação. ;Eu vejo que existe uma dificuldade de ensino. As faculdades ainda estão desenvolvendo toda a especificidade da função. Outro desafio da profissão de roteirista é o mercado de trabalho. Muitas vezes, ainda não existe um plano de estágio ou trainee na área;, sustenta Crema.

Futuro

Para o professor de roteiro do Departamento de Audiovisual da Universidade de Brasília, Paulo Gonçalo Martins, novas mídias e formatos de produção na indústria do entretenimento podem se tornar aliados na valorização da profissão de roteirista. ;O que eu acho mais interessante é que novos formatos como videogame, séries, web séries, narrativa e outras, estão sendo mais exploradas. Isso, com o apoio público e privado, tende a consolidar a produção e seus setores. É uma coisa que com o tempo tende a melhorar;, aposta.

Ricardo Hofstetter, presidente da Abra (Associação brasileira de Autores Roteiristas), acredita que o poder dos escritores de entretenimento aqui no Brasil está cada vez mais próximo. ;A categoria dos roteiristas ainda não é muito unida, mas estamos caminhando para isso. Essa, inclusive, é uma das missões da Abra: buscar a união de todos os roteiristas brasileiros para conseguir mais força política e representatividade. Chegaremos lá em breve;, torce.

Hofstetter ainda completa sobre os desafios da regulação no Brasil. ;A lei de direito autoral no Brasil é mal redigida e dá margem a várias interpretações. Lutamos por uma reforma nesta lei. Já há, inclusive, uma proposta de alteração pronta que se chama Lei Nelson Pereira dos Santos.

*Estagiário sob a supervisão de Severino Francisco

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