Deborah Novais - Especial para o Correio
postado em 22/06/2017 08:32
Em 23 de junho, há 110 anos, nascia uma mulher que marcou profundamente a cultura do país com um estilo de humor peculiar: Dercy Gonçalves. Ela atuou intensamente no teatro, no cinema, na televisão e na música. ;Foi uma das artistas mais singulares e incomparáveis e fez tudo com uma personalidade extraordinária;, afirma João Antônio de Lima Esteves, professor da UnB. Para ele, a artista deixou como legado ;o exemplo de que a gente pode ser verdadeiro, inteiro, ser quem a gente é de verdade;.
A trajetória da artista foi tão extensa que ela até conquistou o posto de atriz com carreira mais longa do mundo, no Guinness World Records de 2012. E não é para menos. Dercy atuou em mais de 20 filmes, 18 programas de tevê e um número que vai além de 60 montagens teatrais ; meio em que também foi autora, produtora e diretora. Sobre o trabalho, o professor analisa: ;Ela possuía um enorme improviso dentro de si. Nada que fazia saía como o original ou o esperado. Todos os personagens eram diferentes, mas ainda assim eram sempre a própria Dercy;.
O professor relembra uma história de quando era assessor de teatro da Fundação Cultural, na década de 1970, em que Dercy Gonçalves pretendia levar um espetáculo para o Teatro Nacional, e ele deu parecer favorável. ;O processo foi para o nosso conselho, composto por homens ligados à ditadura, gente extremamente preconceituosa e careta;, critica. A produção foi vetada, mas João Antônio não se contentou e conseguiu um espaço para a montagem, no antigo edifício da Rádio Nacional. A casa lotou e o público adorou a apresentação. Mas a humorista não aguentou calada: ;a primeira coisa que ela fez foi esculhambar a fundação pelo preconceito que tinha sofrido;, completa.
Superação
De origem negra e pobre e nascida em uma cidade no interior do Rio de Janeiro, foi abandonada na infância pela mãe e criada pelo pai alcoólatra, sempre sofrendo discriminações, principalmente a racial. Trabalhou em uma bilheteria de cinema durante a adolescência para ajudar com as finanças de casa, e logo descobriu o amor pela carreira artística. O sonho foi realizado quando fugiu para fazer parte de uma companhia de teatro circense. ;Apesar dessa tragédia toda que foi a vida dela, ela só trouxe alegria para todo mundo. Era uma mulher que fazia o mundo gargalhar;, enfatiza João Antônio. Como a própria Dercy Gonçalves expôs em entrevista: ;O ontem acabou. Não tenho mágoa de nada e nem saudade de nada. Vivo o hoje. Tenho alegria de viver, adoro a vida;.
Revolução
Para João Antônio, a humorista influenciou intensamente a comédia brasileira, com a verdade cênica sempre presente nela e uma incrível relação com o espectador. ;Ela foi ficando cada vez mais senhora de si, se importando menos com o que os outros pensavam. Foi uma mulher revolucionária que não tinha vergonha alguma da própria história;, conta sobre o decorrer da carreira da artista. E a revolução também aconteceu na representação feminina do país. ;A Dercy nunca foi exemplo dessa mulher que o mundo machista moldou;, analisa o acadêmico. Conhecida por utilizar com frequência palavras de baixo calão, além de falar o que lhe ;desse na telha;, a artista se diferenciou das típicas donas de casa e ;mulheres de família; da época.
*Estagiária sob a supervisão de Severino Francisco