Isabella de Andrade - Especial para o Correio
postado em 22/06/2017 09:05
A intensa movimentação e participação de leitores na Arena Jovem da Feira do Livro de Brasília é um dos indicadores de que a nova geração está profundamente envolvida com a literatura. Acostumados a novos formatos e plataformas, os jovens leitores se habituaram em transitar entre livros impressos, tablets, sites, blogs, vídeos e canais on-line sobre o assunto, criando uma ampla rede de compartilhamento literário. É comum encontrar espaços on-line em que o foco principal é indicar novos livros, autores e compartilhar o aprendizado e experiência com cada obra lida. O público jovem é o que mais cresce e um dos que mais lê no Brasil.
Na Feira são mais de 40 atrações só para o público adolescente e o objetivo principal é fazer com que as pessoas se divirtam enquanto pensam criticamente sobre aquilo que é lido e consumido. Uma das atrações da Arena Jovem, a youtuber Pam Gonçalves tem mais de 209 mil seguidores em seu canal, uma das plataformas que utiliza para falar de livros há nove anos na internet. Pam é uma das grandes influenciadoras literárias para o público jovem no país e é comum ver comentários de leitores que buscaram uma obra por sua indicação.
A coordenadora jovem da Feira do livro, Bárbara Morais, é autora da trilogia Anômalos (Gutenberg), para jovens e adolescentes. Seus livros são alimentados por uma ficção científica cheia de superpoderes, intrigas políticas e explosões. Além deles, a escritora mantém o blog Nem um pouco épico, desde 2009, onde faz resenhas literárias de diferentes gêneros. ;Além disso, sou uma maníaca do twitter e do tumblr. Vejo que há um número grande de autores brasileiros jovens, que escrevem para esse público, e com os quais os adolescentes se identificam;. Ela destaca que são autores que fazem despertar o gosto por literatura, influenciam na hora da escolha de títulos e atraem multidões como audiência e público participativo.
Ao longo da programação, diferentes painéis e debates buscam entender os novos caminhos da literatura com o público contemporâneo. Temas como o papel da mulher na literatura e a carreira literária se concentram em um público jovem que mostra cada vez mais interesse pela leitura e escrita, ampliando as possibilidades da produção nacional. Um dos convidados da Feira, Jim Anotsu, de Minas Gerais, escreveu uma série de livros de fantasia baseada no jogo Minecraft, vendida para mais de 10 países.
Livros de gênero
Há ainda o Encontro de blogueiros e jovens escritores, que reúne nomes de grande influência digital na literatura, como Pam Gonçalves, youtuber e autora de Boa noite e O amor nos tempos de likes; além de Pedro e Hugo, do canal Pedrugo, que lançarão o Guia de K-Pop. Outros jovens autores completam a lista e mostram que a produção de obras juvenis e Young Adult não para de crescer.
A autora Pam Gonçalves conta que a ideia para o canal no youtube veio depois da criação de um blog, em 2009, quando era difícil encontrar informações sobre livros do gênero. O projeto deu certo, pois supriu a curiosidade e a procura de jovens leitores que buscavam a youtuber para encontrar indicações de livros e informações de lançamento. Pam acredita que a internet tem popularizado a relação dos livros com os novos leitores e afirma: ;Antes, não se tinha notícias de tantos jovens consumindo livros e realmente era um nicho pouco valorizado pelo mercado. É maravilhoso receber o retorno dos inscritos e leitores dizendo que voltaram a ler ou construíram o hábito literário depois de assistirem aos meus vídeos;.
Para ela, a leitura ainda não é suficientemente acessível, tornando mais difícil a transformação da literatura em hábito cotidiano. ;O hábito só vai ser prazeroso quando for adquirido de forma prazerosa;. O cuidado com a gravação dos vídeos é constante e a autora sabe da responsabilidade de falar para um público tão grande.
Sendo num mundo fantástico, numa sociedade distópica ou nosso dia a dia, o jovem se encanta com histórias que conversem com eles de alguma forma. Pode ser em relação ao enredo, a personagem principal ou ao grupo que ela está inserida, é possível perceber que adolescente tem paixão e lealdade aos seus ideais e ídolos. Marina Oliveira é autora do livro A parede branca do meu quarto, do gênero young adult, e participa da Feira na banca das Escritoras DF e da Livraria Leitura. A autora acredita que levar os autores para perto do público é um bom caminho para incentivar o gosto pela literatura com o público mais jovem, tornando a leitura mais acessível e representativa.
;Vivo escutando isso, de que os jovens estão lendo menos. Porém, em eventos de literatura, o que mais vejo são os jovens marcando presença e indo atrás dos autores;, destaca. Para ela, a mudança poderia vir da forma como a literatura é ensinada nas escolas. ;Uma possibilidade seria alternar autores clássicos com livros nacionais voltados para os jovens;.
Marina acredita que o ciclo virtuoso de leitura que se forma atualmente entre os jovens começa quando um adolescente lê um bom livro e quer saber mais sobre o autor. A seguir, ele descobre que o autor tem um blog, instagram e canal no youtube, que ele usa para interagir com os leitores. Seguindo esse autor, ele descobre outros autores, novos livros e assim segue. ;Você também pode fazer amigos conversando sobre livros de todos esses autores que descobriu e vocês vão aos eventos e juntos, fazem mais amigos e ainda descobrem mais autores;.
As autoras respondem
A internet e os canais literários são grandes influenciadores, eles mudaram a maneira de ler e entrar em contato com a literatura?
Pam Gonçalves
Acredito que temos cada vez mais oportunidade de entrar em contato com a literatura, e outras formas de consumir os livros também. Como é o caso dos livros digitais. E com certeza o livro sempre vai ter espaço, para falar a verdade, eu acho que agora sim o livro tá começando a ser democratizado. A minha geração está lendo mais que a dos meus pais e a próxima está mais ainda. É só parar para ver os eventos literários e grandes autores reunindo multidões. O fato de a literatura jovem nacional também estar sendo priorizada, só aproxima ainda mais o leitor dos seus autores favoritos. Só vejo coisas positivas pela frente. Mas é claro, que com um pouco mais de incentivo e preparação poderiam ser melhores
Bárbara Morais
Sim, mudou bastante. Até pouco tempo, a melhor maneira de entrar em contato com a literatura era na escola, com as leituras obrigatórias, ou se seus parentes e as pessoas da sua convivência tivessem o hábito da leitura. Hoje, basta ter um acesso à internet para descobrir um mundo de blogs e canais literários que indicam os mais diversos tipos de livros. E, assim, se uma pessoa de um grupo de amigos é contagiada pelo vírus da leitura, acaba passando para todo o seu grupo. A internet também conecta leitores e cria amizades e vínculos entre pessoas que tem interesses com comum, o que é maravilhoso! Tenho muitas amizades que fiz por causa de Harry Potter na internet, há mais de 15 anos, e elas continuam até hoje. É um movimento de convergência impressionante.
Marina Oliveira
O que mudou foi o crescimento dos e-books. Conheço pessoas que descobriram que gostam de ler depois que compraram um tablet ou um e-reader. Temos também agora várias adaptações de livros, o que incentiva que algumas pessoas busquem o livro depois. No geral, a maneira de entrar em contato com a literatura não mudou. O ideal é que comece em casa, perpetue-se na escola e siga durante a vida. Muita gente diz que não gosta muito de ler. Talvez algumas não gostem mesmo, mas o que observo é que a maioria apenas não encontrou o tipo de livro que gosta e se cansou de ouvir que literatura de verdade é apenas a clássica. Na minha opinião, o que importa é ler (e quantos começam só com um gênero e aos poucos vão se aventurando em outros). O livro nunca vai morrer. O seu formato, porém, está se multiplicando. E-book, audiobook, quadrinhos, graphic novels, mangás, livros de todos os tipos e até os polêmicos livros de YouTubers, tudo é literatura.