Desde o fim de maio, a cantora paulista Mallu Magalhães se viu no epicentro de debates nas redes sociais, plataformas que deram a ela grande visibilidade no início da carreira, em 2007, quando tinha apenas 15 anos. A divulgação do clipe Você não presta, single do quarto disco solo, Vem, levantou acaloradas acusações de racismo. Dançarinos negros com corpos besuntados em óleo aparecem com pouca roupa em um cenário com grades, sem interação física com a cantora. Pipocaram postagens ou comentários apontando esterótipos preconceituosos reforçados com as imagens.
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Demorou três dias até ela se posicionar sobre a polêmica. ;Sei que o racismo ainda é, infelizmente, um problema estrutural e muito presente. Eu também o vejo, o rejeito e o combato;, desculpou-se, via Facebook. Um mês depois, convidada para participar do programa global Encontro com Fátima Bernardes, a cantora afirmou, antes de tocar o sambalanço Você não presta: ;Essa é para quem é preconceituoso e acha que branco não pode tocar samba;.
As discussões se intensificaram e, mais uma vez, Mallu entrou no noticiário. Desta vez, foi acusada de racismo reverso. Em conversa com o Correio, a artista de 24 anos mostrou-se frustrada com os primeiros acontecimentos, mas disposta a aprender com eles. ;Essa situação mereceu o meu lamento, minha tristeza, meu choro, minha atenção e minha preocupação. Eu li tudo, acompanhei e pensei muito antes de me posicionar, de definir o que eu gostaria de dizer. Senti muito;, desabafou.
Certo é que Vem, disco que sucede Pitanga (2011), ganhou atenção tanto de quem a defendia quanto de quem a criticava. Produzido pelo marido da cantora, Marcelo Camelo, o quarto álbum solo da carreira de Mallu Magalhães carrega, nas 12 faixas autorais, grande parte da história da cantora. Maternidade, a vida em Portugal, influências sonoras, ligações afetivas. O álbum tem arranjos do próprio Camelo e de Mario Adnet, e direção artística de Marcus Preto. O ex-Los Hermanos Rodrigo Amarante entra no time de músicos, assim como Davi Moraes, Kassin, Dadi Carvalho, Armando Marçal, Mauricio Takara e Victor Rice.
Entrevista / Mallu Magalhães
Passada a polêmica, quais lições tirou após o lançamento do clipe Você não presta?
Por ser uma pessoa sensível, essa situação mereceu o meu lamento, minha tristeza, meu choro, minha atenção e minha preocupação. Eu li tudo, acompanhei e pensei muito antes de me posicionar, de definir o que eu gostaria de dizer. Senti muito, mas a verdade é que minha intenção é bem clara, até para as pessoas que criticaram. Houve discussão de maneira saudável. O ódio desnecessário e sem fundamento nem vem ao caso. Eu cresci com isso, li, entendi. Por ser uma pessoa sensível, honesta, legal com tudo e com todos, fiz um disco com a ideia de um convite. Nunca pensei em nada ofensivo. Fiquei preocupada e esse caso mereceu minha atenção. As pessoas que discutiram com fundamento iniciaram uma conversa construtiva, me ensinaram muito. Hoje, tenho uma sensibilidade muito mais aguçada e apurada desse assunto, provavelmente serei uma cidadã social com mais argumento, mais repertório para lidar com essa questão tão sensível.
A mudança para Portugal tem alguma relação com esse tipo de polêmica? Foi uma forma de preservar sua imagem?
Não tive a intenção de fugir do Brasil. Sou apaixonada pelo país. Aqui, ainda há alternativas de viver uma vida com mais privacidade. Foi uma vontade de experimentar e viver um desejo meu e do Camelo. Hoje, moramos meio a meio. Consigo aliviar a saudade com o fato de morar metade do meu tempo aqui.
Você agradeceu quando Anitta fez um Stories no Instagram compartilhando Você não presta. Gosta do som da cantora?
Lógico, imagina! É uma cantora enorme do nosso país. Eu acho incrível.
Ela recebeu algumas críticas com Paradinha, agora um sucesso internacional...
Sou uma pessoa otimista. Essas impressões negativas não surtem tanto efeito sobre mim. Acredito que tudo é possível, mesmo com a idade que tenho. As decepções que passei me mostram que quanto mais fundo o buraco, mais alto é o pulo, mais orgulho teremos por ter conseguido superar e encontrar uma saída positiva daquilo. Não acho que, por sermos brasileiros, somos vítimas de uma praga do ;não pode dar certo;. Às vezes sinto, sim, uma onda de pessimismo e de ódio desnecessária. Porém, não a acho maior do que a onda positiva que também existe. Há muito mais pessoas torcendo a favor da Anitta ou de mim do que contra. É por isso que, no frigir dos ovos, continuamos a fazer nosso trabalho e levar nossa vida para frente.
A maternidade influenciou sua carreira e o disco Vem?
Com certeza. A maternidade transforma e, a meu ver, para o bem. É um paradoxo curioso entre ;o que vou fazer com essa criança? Será que eu sou capaz?; e, ao mesmo tempo, uma coragem que não sabemos nem de onde vem. Essa coragem, essa autoconfiança, essa sensação de ser uma super-heroína, de fazer o impossível, agregam especialmente algo a minha carreira.
Alguma música foi composta dentro desse contexto?
Casa pronta foi feita diretamente para a Luisa. Ela está presente em todas as outras músicas, claro. Quando viramos mãe, passamos a ter e ver os nossos filhos em todos os nossos gestos, em todas as nossas intenções, em tudo que a gente faz.
Mais uma vez seu marido, Marcelo Camelo, participou da produção do disco. Levar ;trabalho para casa; ajuda ou atrapalha?
Eu gosto muito e acho que só ajuda. Marcelo tem um comprometimento com a produção de um disco que eu nunca vi igual. Ele se dedica muito, sabe qual é o poder e a importância que cada um deles tem. Além da questão pessoal. Ele se dedica ainda mais, faz muito, é intenso. Claro que temos desafios, mas somos artistas e pessoas mais experientes e sabemos preservar o que temos de mais valioso: nosso relacionamento. Isso é o mais importante. A gente quer protegê-lo, e fica mais fácil o serviço. Se você gosta, dá para fazer as coisas terminarem bem.
Fica evidente seu investimento nas composições, reforçada
em parcerias como Gal Costa, que gravou Quando você olha para ela (do disco Estratosférica, de 2015)...
Sempre fui compositora e meu fundamento é mais esse do que o de intérprete. Gosto mais de compor do que de me expor. Mas também gosto da exposição. Sou exibida, gosto de mim e do meu trabalho. Meu lado preferido, porém, é o da composição. Foi uma alegria a Gal gravar a música, e foi importante para que eu me visse dessa forma. Depois da experiência mais pessoas me chamaram para parcerias. Ajudou bastante.
Esse tipo de parceria ajuda a quebrar a desconfiança que algumas pessoas têm em relação a você, inclusive pelo fato de ter começado a carreira muito nova?
Não sei nem se tenho como argumentar com pessoas que desconfiam do meu trabalho pela minha idade. São pessoas que, naturalmente, não se colocam à disposição de uma discussão saudável. É óbvio que a idade não interessa. Não dá nem para estabelecer um diálogo.
Entre Pitanga (2011) e Vem houve um empoderamento seu, das letras à forma como se apresenta no palco?
Toda essa confiança, experiência e bagagem fazem toda diferença no palco. Tudo que aconteceu na minha vida foi libertário e engrandecedor. Isso se reflete no palco, na forma como eu me apresento, em não ter vergonhas ou receios. Honro o que eu acredito, antes de evitar fazer qualquer coisa com medo de alguma consequência.
As músicas de Vem foram compostas pensando no disco ou feitas de forma mais orgânica, como uma maneira de retratar experiências pessoais?
Foi bem variado. Cada música tem um lugar e um motivo. Há faixas como São Paulo, um elogio à cidade que eu adoro. Guanabara fala do Rio de Janeiro. Gigi foi feita para minha mãe. Essas são as mais autobiográficas. Linha verde tem influência do fado. A maioria das músicas, aliás, tem esse entorno português, a paz e a tranquilidade que Portugal traz para a nossa produção artística.
O disco foi produzido entre Brasil e Portugal?
Foi feito entre Lisboa, São Paulo e Rio de Janeiro. Em SP e no Rio por Skype e a distância. É muito fácil fazer música a distância hoje. Qualquer estúdio que tivesse internet e entrada de áudio no computador servia para fazermos sessões ao vivo, ouvindo o que estava saindo da mesa de som e gravando na hora. Escutávamos, dávamos palpite e mandávamos de volta.
Vem
Quarto disco de Mallu Magalhães. Sony Music, 12 faixas.
Preço médio: R$ 29,90.