Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Curta-metragens da cidade estão em mostra do CCBB

A mostra "Brasília em plano aberto" reúne quatro curtas brasilienses

Ao lado de fora da sala de cinema, acordes nordestinos misturados com música brasiliense, além de uma integração do público com a proposta das foodbikes, dispostas no Centro Cultural Banco do Brasil. Dentro do cinema, no local, a cada primeira quarta-feira do mês, a mostra Brasília em Plano Aberto pinçará quatro curtas-metragens da cidade para projeção, com entrada franca, a partir das 19h30. Com a exibição do filme Crônicas de uma cidade inventada (de Luísa Caetano), a diretora Dácia Ibiapina verá apresentado o filme dela batizado como Vladimir Carvalho, conterrâneo velho de guerra (2004). ;O Vladimir tem projeção nacional e construiu uma obra, que nem começou em Brasília, mas que traz uma enorme coerência estética e abraça um cinema político de traços sempre fortes. Ele se afirmou como um dos maiores documentaristas da geração dele, ao lado do Eduardo Coutinho;, observa Ibiapina.

Ainda na noite de hoje, o homenageado cineasta paraibano, que adotou a capital como morada em 1969, trará para a tela do CCBB o curta Vestibular 70, o primeiro filme dele rodado em Brasília. O curta, ainda hoje, instiga o espectador, destaca a professora Dácia Ibiapina, há 23 anos integrada à Universidade de Brasília, entidade em que se dedica à graduação de alunos, em aulas de direção e de encaminhamento de pré-projetos (o famoso TCC). ;Vestibular 70 traz o olhar de uma fase áurea, sempre conferida pela passagem do tempo. Mostra como começou a UnB, mostra o Minhocão ainda em construção, revela como as pessoas se vestiam e em que carros elas chegavam. Nasceu dali, uma das maiores universidades do país;, comenta Dácia Ibiapina.

Enquanto se mostra atenta aos ;processos diferenciados; para o atual ingresso nas universidades, Dácia aponta o permanente espírito de competição (reinante em Vestibular 70). Em termos de seleção, ela enfatiza os traços reinantes em parte da mostra Brasília em Plano Aberto. ;É possível identificar traços de humor, bem característicos, como nos filmes do Santiago Dellape; mas há dramas e acúmulo de experimentações em cinema. Acho ainda que uma das características do cinema da cidade é um aumento na expressão das mulheres, com representação de diretoras negras, por exemplo. Temos muito incremento nas questões de raça e de gênero;, comenta a professora.

Destacado na programação de hoje, com o curta O homem que não cabia em Brasília, o diretor Gustavo Menezes, às vésperas da formatura em audiovisual da UnB, é apontado pela curadoria como representante de cinema ousado feito na cidade. Aos 24 anos, Gustavo, que nasceu em Vitória da Conquista (Bahia), celebra o circuito recentemente percorrido pelo filme, exibido em Belém, Fortaleza e Curitiba. ;Editais surgem todos os dias, mas, se um filme não é exibido, seu esforço como realizador não valeu nada;, avalia. Gustavo, por sinal, não tem do que reclamar, já que o curta passou na cidade em eventos como o Jogo de Cena e em noite de celebração de talentos locais, no Sesc.

Interpretado por Wellington Abreu (de fitas de Adirley Queirós), O homem que não cabia em Brasília traz para o plano central o embate entre artifícios populares (na linguagem) e dia a dia modesto (uma realidade para o personagem). ;Aqui, temos um custo de vida altíssimo, e o filme mostra o convívio do protagonista com uma elite preconceituosa. Explorei a literatura de cordel e acho que tive inspiração no filme O homem que virou suco ; em torno de um homem humilde, mas que não perde a dignidade;, comenta o realizador.

Além do deboche característico do conterrâneo baiano, o diretor Edgar Navarro (de Eu me lembro), Gustavo Menezes detecta outra influência no cinema que faz: Vladimir Carvalho. ;Ele é um dos heróis do cinema; é um documentarista incrível, um dos mais importantes do Brasil. Teve perrengues como trabalhar com negativos de filmes vencidos, além de filmes censurados. Ele trouxe para nós filmes importantes como o Conterrâneos velhos de guerra (1990), rememorando uma história que eu nem conhecia: muitos nordestinos que construíram a capital tiveram mortes violentas, tendo sido massacrados;, sublinha.




Três perguntas / Wol Nunnes, curadora




No bloco de fitas apresentadas, você percebe uma real identidade para o cinema brasiliense? Há temas ou abordagens recorrentes?
Durante três anos, o Maurício Witczak e eu (curadores) realizamos, no Brasília Shopping, uma mostra semanal que valorizava produções da cidade. O atual projeto trará parte do acervo de quase 300 filmes locais mostrados naquele período. Nossa linha curatorial propõe o encontro de 12 cineastas veteranos com outros, de nova geração. Definimos temáticas específicas para os meses entre agosto e dezembro, que serão: ditaduras, inclusão, crianças, diversidade e consciência negra, além de destinos. Teremos bate-papo com os cineastas após a sessão e um espaço de convivência com foodbikes e DJ Criolina tocando trilhas de cinema que dialogam com os filmes de cada sessão.

Vocês, curadores, já montaram outras mostras com fitas locais. Que resposta obtiveram com a iniciativa?
Nossa proposta sempre foi a de ajudar na formação de plateia do cinema nacional, sobretudo na apreciação do curta, que tem espaço restrito. Tivemos excelentes respostas de cineastas e espectadores e é com alegria que retomamos nosso projeto, agora com fomento do FAC e parceria com o CCBB.

Qual tem sido o reflexo da produção de curtas locais?
O curta-metragem tem grande importância para os realizadores, porque é um espaço de experimentação e amadurecimento. Os cineastas locais têm alcançado grande êxito em festivais (até internacionais), que, além de render visibilidade, abrem portas para futuras produções de filmes. Percebemos que a maioria deles, no DF, acredita no poder de comunicação, estimulando críticas e reflexões.