A música brasileira é bastante diversificada quando se fala em gêneros, indo da bossa nova ao rap e da MPB ao sertanejo. Nos últimos anos, críticos e até parte do público têm contestado a qualidade da música nacional. Ela teria empobrecido? Estudo publicado em maio deste ano na internet pelo analista Leonardo Sales, intitulado Análise da música brasileira, demonstra verdade nessa premissa. Leia o estudo aqui.
Sales fez uma análise de dados levando em consideração os acordes e as letras nas composições nacionais. O estudo foi dividido em quatro partes e a última analisou a evolução temporal da música brasileira, passando por todos os ritmos. "A ideia era tentar analisar tudo que fosse possível levando em consideração a complexidade das composições e variáveis relativas a letras e acordes", explica.
A conclusão do estudo foi que houve "um declínio da complexidade da música brasileira", levando em consideração os acordes (quantidade, tamanho e raridade). A primeira queda em relação aos acordes aparece nos anos 1960 e depois mais forte no fim dos anos 1980 e início dos 1990 e permanece constante nos dias de hoje.
Na opinião do analista, há três razões para o fato: a absorção da música brasileira pelo rock;n;roll, primeiramente com a Jovem Guarda na década de 1960, quando há a primeira queda em relação a acordes; a popularização do rap e do hip-hop, com harmonias mais simples nos anos 1980; e a guerra televisiva nos anos 1990, que teria influenciado na linha de produção de hits. "A produção de músicas de prateleira foi o golpe final na complexidade das composições nacionais", define.
Destaques nacionais
Apesar de o estudo mostrar um empobrecimento da música nacional com o passar dos anos, a pesquisa se aprofundou também em situações mais positivas, sendo capaz de dizer quem são os artistas e estilos musicais mais complexos dentro da música brasileira. O ranking geral, que considera todos os índices relacionados a acordes e letras (raridade, quantidade, percentual e tamanho), é encabeçado por Chico Buarque, que ganhou o primeiro lugar no índice de raridade de acordes e ocupou o terceiro no quesito de quantidade de palavras, e o sétimo, quando a pesquisa compara quantidade de músicas com percentual de letras distintas.
O segundo artista com a obra mais complexa do Brasil é Djavan. Dono de diversos hits, como Oceano, o cantor se destacou em todas as dimensões de raridade nos acordes e quantidade de harmonias distintas. O ranking dos 10 maiores artistas brasileiros tem ainda Ivan Lins, João Bosco, Ed Motta, Caetano Veloso, Lenine, Vinicius de Moraes, Simone e Gilberto Gil. Destes, o estudo dá uma importância maior a nomes como Ed Motta e Lenine que tiveram bons índices em relação aos acordes de suas composições. Lenine é o artista que mais utiliza harmonias desconhecidas dos outros cantores. Já Ed Motta se destaca quando se trata em percentual de acordes únicos em seu repertório.
Quando se fala em ritmo, a MPB é o estilo musical mais completo em relação a harmonias, seguido da bossa nova, samba e pagode (que foram analisados como um gênero único) e música gospel. Em compensação, quando se fala de amplitude de vocabulário nas letras, o campeão é o rap ao lado da MPB e da música regional. "Alguns resultados me surpreenderam e outros eu já esperava. Por exemplo, um protagonismo da MPB eu já esperava. O ritmo tem uma música muito complexa. Assim como eu sabia que as letras do rap teriam um destaque, apesar de uma harmonia mais simples", comenta Leonardo Sales.
Facção Central é o grupo brasileiro que tem mais variações de letra. A banda se tornou famosa no início dos anos 1990 por conta de suas composições ,que tinham um conteúdo considerado forte, falando das mazelas do país. Destacam-se ainda Apocalipse 16, Chico Buarque, Caetano Veloso e Maria Bethânia.
Similaridade dos ritmos
Leonardo Sales ainda resolveu comparar os ritmos nacionais. Os resultados causaram polêmica e, nesse caso, até surpresa ao analista. Levando em consideração a similaridade entre os acordes, ele chegou a cinco classificações, apelidadas de Feijoada clássica, Mistureba, Leve seu filho pro bom caminho, Ouça com seus pais e Pra ninguém reclamar.
O mais populoso dos gêneros foi a Mistureba, que engloba rock dos anos 1980, axé, forró atual e sertanejo atual. Assim o gênero criado por Leonardo Sales reúne Legião urbana, Capital Inicial, Engenheiros do Havaí, Asa de Águia, Babado Novo, Cheiro de Amor, Bruno & Marrone, Fernando & Sorocaba, Falamansa e Calcinha Preta. Polêmico? Leonardo explica: "A impensável junção entre Legião e Asa de Águia ocorre no grupo Mistureba, que, na prática, ao que parece, juntou acordários mais enxutos, como é próprio da Legião, dadas suas influências oriundas do rock inglês e do punk. A axé music, de 1990 para cá ,também investe em harmonias simples."
Outra surpresa está no grupo Pra ninguém reclamar, formado pela MPB atual, axé, pagode, reggae e funks melódicos. Nele, Leonardo Sales reuniu artistas como Lenine, Chico César, Cássia Eller, Claudinho e Buchecha, Perlla, Netinho, Banda Eva, Natiruts e Armandinho. As demais classificações são mais comuns, como Leve seu filho pro bom caminho, que une rock dos anos 1990 e punk (Raimundos, Charlie Brown Jr., Tianastácia, Mamonas Assassinas e Planet Hemp); Ouça com seus pais, composto por MPB, velha guarda e sambas (Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Elizabeth Cardoso, Maysa, Herivetto Martins, Baden Powell, Toquinho, Cartola, Arlindo Cruz e Exaltasamba); e Feijoada clássica, com brega, sertanejos antigos e Jovem Guarda (Erasmo Carlos, Chitãozinho & Xororó e Fagner).