Rebeca Oliveira
postado em 23/07/2017 07:34
;Estávamos lá no nosso ensaio, eram oito da noite, e a gente decidiu: compramos uns color jets e resolvemos invadir a sede administrativa. Era só cruzar o estacionamento, entrar e subir quatro andares. Começamos a pichar todos os quadros do térreo, do primeiro andar, tudo. Legião em guerra!”.
O relato de Dado Villa-Lobos remonta à 1994, quando a EMI estava, às escondidas, gravando uma coletânea da Legião Urbana sem autorização dos integrantes. Indignados com a ação, ele e os colegas de banda resolveram pichar a sede da extinta gravadora. Esse foi um dos depoimentos coletados pelo jornalista Daniel Ferro para o programa Contos do rock, exibido entre 2012 e 2013 no canal Multishow. Fora do ar há três anos, a atração acaba de ganhar novo fôlego. Virou livro.
Publicado este mês, Contos do rock é similar ao que o público viu na televisão. A obra chega às prateleiras na mesma época em que Lobão lança Guia politicamente incorreto dos anos 80 pelo rock. Com quase 500 páginas, o livro tem desabafos do cantor sobre amizades (e os eternos desafetos, como gigantes da MPB, a exemplo de Chico Buarque), parcerias e o lado B do rock nacional. Com teor ácido, as páginas causaram polêmica.
[SAIBAMAIS]
Um pé em Brasília
De leitura fácil, Contos do rock tem depoimentos diretos, informais e, por vezes, escrachados. A inspiração de Daniel Ferro para criar a atração televisiva veio depois de assistir a premi;re de Rock Brasília ; A era de ouro, documentário lançado em 2011 por Vladimir Carvalho.
Outro nome da cidade também tem ligação com essa história. Helen Ramos, a Hel Mother, participou da produção da série do Multishow por meio da produtora audiovisual My name is films, empresa que comandou antes de criar um canal no Youtube sobre maternidade.
Do palco para os bastidores
Antes disso, Daniel Ferro já havia tocado em bandas, como a Emo., no qual foi baterista. Ele sabia os bons casos que a vida em turnê proporcionava. Na obra, cada história ganha uma ilustração que remonta aos cordéis nordestinos, em arte assinada por Rogério Pires.
Músicos, roadies e jornalistas foram ouvidos. Andreas Kisser, Nasi, Paulo Ricardo, Fernanda Takai, Digão, Dinho Ouro Preto, Kiko Zambianchi, Erasmo Carlos (em depoimento inédito). Todos estão lá. Em um total de 250 contos, 54 foram pinçados para a versão impressa.
O objetivo não é servir como um documento formal ou biografia das bandas. Ainda que não tenha esta pretensão, Daniel Ferro faz um panorama do gênero nos últimos 50 anos. ;O Biquíni Cavadão, por exemplo, fez um playback no programa do Chacrinha com uma fita cassete, e o toca-fitas estava com a pilha fraca. A rotação ficou em metade de velocidade, a música vinha com uma voz lenta;, enumera.
;A maioria das bandas independentes (ForFun, Fresno, Glória, NX Zero) passaram por situações parecidas de chegar ao show e o contratante não pagar, ou o transporte parecer uma van normal, com outros passageiros e parando em pontos de ônibus. Eu já passei por isso;, conta o jornalista. ;Começa-se a entender como é ter uma banda de rock;, complementa. E essa rotina passa longe do glamour. ;É um trabalho árduo, no estilo faça você mesmo. São histórias movidas à paixão;, completa.
Depois de compilar tantas histórias, é possível definir a identidade do rock brasileiro hoje?
Ao contrário do que muitos dizem, o rock está vivíssimo. Temos bandas de vários estilos, do metal da Project46 e da Ego Kill Talent até o som da banda O Terno, mais ligada à MPB. O gênero está forte. Temos muitos grupos, além desses que citei. Mas eles estão fora da mídia. E confesso que acho bom no sentido de que ele se resgata como um estilo transgressor. O rock é como o Jason, nunca morre. Pode até ficar enterrado, mas volta com mais força.
Você também dirigiu o programa documental Pop Estrada (exibido no canal Bis), em que acompanhou artistas distintos como Anitta, Ludmilla e Michel Teló...
Já saí na estrada com bandas underground e também trabalhei com Claudia Leitte, Michel Teló, O Rappa. Em todas as turnês, vi artistas que acreditam no que fazem, que não pensam só na questão comercial, que respiram aquilo. Dá para saber de ver os pelos dos braços arrepiados. Por mais que sejam diferentes, a van com o grupo Vanguart no meio do Mato Grosso do Sul ou com Anitta na Europa existem pessoas com brilho nos olhos. É fácil contar boas histórias assim. Os artistas verdadeiros são os que permanecem.
Contos do rock
Organizado por Daniel Ferro; Dublinense, 224 páginas. Preço: R$ 49,90
Guia politicamente incorreto dos anos 80 pelo rock
De Lobão. Leya, 496 páginas. Preço: R$ 59,90