Atração de terça-feira (25/7), na programação do Canal Brasil, o longa-metragem Desabafo, como todo filme, é resultado de trabalho conjunto. Mas, um nome saído de Brasília foi vital para a realização da obra baseada em montagem de Amir Haddad, premiada (com o Shell) pelo texto: o da atriz Inez Viegas que, aos 40 anos, desponta como produtora. ;Produzir veio como uma coisa muito mais autoral. Foi meu esforço para falar de coisas que, como atriz, eu não estava sendo elencada para falar. Não via temas fundamentais sendo ditos. Produzir não se resumiu à prestação de serviços, a negócio;, explica a atriz, que, há 13 anos, mora no Rio de Janeiro.
Intérprete da trupe do grupo Tá na rua, Inez Viegas conta que Desabafo, para a versão em cinema, teve limada a carga de teatralização do texto, antigamente, um recurso de oposição à ditadura. ;Pela atualidade proposta, é como se a gente não tivesse caminhado quase;, brinca. Se ouviu a pomposa definição do mestre Haddad que Desabafo era ;um corte transversal na estratificação social do brasileiro;, Inez opta por termos mais simples.
;O filme mostra uma sociedade muito perdida, com um foco muito fora de si. Há o casal rico, com muito dinheiro e nada por dentro ; eles não conseguem objetivar nenhum vínculo com a espiritualidade. Eles têm uma vida árida, doutrinada pelo dinheiro. Sem felicidade, se drogam em tempo integral, por uma amortização. Noutro momento, o filme revela casal com excessos de objetificação do parceiro: a mulher, por exemplo, tem que ser perfeita. Nela, o marido enxerga pelanca até onde não tem;, explica a intérprete que se reveza em papéis, ao lado do colega de cena, o ator Fernando Alves Pinto.
Na carreira do longa, montado ao custo de R$ 67 mil (alcançado em três meses de crowdfounding) e outros R$ 83 mil tirados do bolso, houve tanto êxito ; a primeira exibição comercial se deu num voo entre Dublin (Irlanda) e Adis Abeba (Etiópia) ; quanto breves percalços, entre os quais o apertado ;espaço para cinema muito autoral;, no circuito dos festivais em que o filme não foi selecionado. ;Acho que a gente esbarrou no limite (pelo conteúdo forte);, avalia a atriz, sem polemizar. ;O filme foi feito, na cara, na coragem e na dívida (risos);, conta, ao destacar o sistema de guerrilha da produção independente.
Ao longo dos seis anos como moradora de Nova York (entre 1997 e 2003), Inez Viegas não se limitou a cursar a renomada escola de Lee Strasberg e ainda a absorver, sob a supervisão de Uta Hagen, técnicas de interpretação de Stanislavski: ao tempo em que encenava, off Broadway, peças como American women, cursou a Escola de Design Parsons, aplicada em gestão de moda.
Opulenta infelicidade
Inez, anteriormente, até havia tentado se concentrar na carreira de business, mas largou. Curiosamente, o projeto do filme Desabafo, idealizado há cinco anos, quando ela percebeu a importância da ;ebulição política; brasileira, inquieta pela crítica à rede monetária que cerca casais da ficção. ;No texto, o ser humano é oprimido por um sistema financeiro que intervém, de modo independente, nas classes sociais retratadas. O sistema, seja pela opulência ou pela carência, castra a humanidade dos personagens;, observa a produtora.
Na trajetória pessoal, Inez Viegas, que começou a carreira artística aos 12 anos, na capital, preza muitos vínculos humanos. ;Tenho boas memórias com o Dimer Monteiro, que foi meu professor na Dulcina. No Sesc Garagem (913 Sul), também cursei algo. Além disso, tenho a Escola Parque (308 Sul), muito guardada num cantinho do meu coração. Foi lá que estreei, com a peça O grande tirano;, conta a intérprete.
Depois de quatro temporadas bem-sucedidas da peça infantil A semente não mente, Inez Viegas não descarta a possibilidade de restabelecer o contato com o público de Brasília. Filha de diplomata e de uma gestora cultural, além de irmã da atriz Adriana Viegas, Inez é lembrada, pelo grande público, pela Marli da novela Como uma onda (secretária do vilão vivido por Henri Castelli, além de joguete nas mãos do personagem de Ricardo Pereira) e por Nara Leão, personificada no programa global Por toda a minha vida.