Alexandre de Paula
postado em 27/07/2017 07:00
No fim da década de 1960 e início dos anos 1970, a música brasileira fervia. Movimentos como a Tropicália e o Udigrudi incorpovaram experimentalismos, inovações e letras radicais e lisérgicas às raízes do som nacional. A distorção alucinante do fuzz nas guitarras, os sintetizadores e instrumentos incomuns faziam o som de algumas bandas. A inventividade e a maluquice desses grupos, à exceção de alguns mais populares, virou, porém, página pouco lembrada da história da música do país.
Novos grupos influenciados por aquele som, e o trabalho de alguns pesquisadores, no entanto, colocaram, nos últimos tempos, a psicodelia tupiniquim de volta à pauta. Uma dessas tentativas de resgatar a lisergia nacional é o álbum Tributo à psicodelia brasileira, uma homenagem aos artistas do gênero.
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Com 14 bandas do cenário contemporâneo, o projeto traz releituras de canções importantes para a psicodelia no país. De nomes conhecidíssimos, como Gal Costa e Rita Lee, a grupos mais undergrounds, como Ave Sangria, a coletânea faz um passeio pelo cerne da lisergia musical brasileira.
O idealizador da coletânea foi o designer Fabricio Bizu. Ele está à frente do selo Psico BR, especializado em discos e pôsteres psicodélicos brasileiros. Bizu fez a seleção das canções que entrariam no álbum e levou a ideia ao selo independente Miniestéreo da Contracultura, que deu suporte ao projeto.
O músico e produtor Eduardo Kolody foi um dos organizadores da coletânea. Depois da lista com as músicas feitas por Bizu, ele colaborou na seleção das bandas e na produção do tributo. ;A ideia era mesmo convidar alguns artistas novos para tocar versões dos grupos antigos. E em especial apresentar músicas que não eram tão conhecidas, que não são os chavões da psicodelia nacional;, explica.
Com a seleção e o convite das 14 bandas, cada uma delas trabalhou separadamente sua faixa. Kolody conta que não havia restrições quanto ao método de gravação ou algo assim. ;Cada banda foi responsável pela própria gravação, ninguém foi obrigado a cumprir termos, seguir estrutura de arranjos... A ideia era que cada um fizesse uma versão sua da música;, explica.
[SAIBAMAIS] Muito celebrada fora do país, a psicodelia nacional ainda se mantém obscura no país. Esse foi um dos fatores que motivou o lançamento da coletânea. ;Existem alguns nichos que o próprio brasileiro não conhece. Os gringos reeditam material nosso lá fora, e ninguém aqui conhece. Então, a ideia era tentar trazer isso para esse público mais novo;, explica Kolody.
A música Cultura e civilização (composição de Gilberto Gil mais lembrada na voz de Gal Costa) abre o álbum. A canção é tocada pela banda brasiliense Rios Voadores, da vocalista Gaivota Naves. Logo depois, o grupo da capital Joe Silhueta (representado pelo vocalista Guilherme Cobelo) apresenta uma versão de Nas paredes da pedra encantada. Cobelo acompanha a banda de Eduardo Kolody, a Orquestra abstrata.
A música faz parte do álbum Paêbiru: Caminho da montanha do sol, de Lula Côrtes e Zé Ramalho. Um dos mais raros e desejados álbuns da psicodelia brasileira, Paêbiru foi lançado em 1975 e, nele, a dupla abusa do experimentalismo e da fusão de gêneros. ;É um disco que eu gosto muito. Minha monografia em história foi sobre esse movimento, essa turma do nordeste, com Lula Côrtes, Zé Ramalho, que se chamava Udigrudi;, comenta Cobelo.
Ele conta que sempre foi influenciado por bandas do gênero. ;Muita coisa de Zé Ramalho, Mutantes e outras não tão psicodélicas, mas que, para mim, também entram nisso, como Secos & Molhados;, conta. Para ele, ainda há muito para se conhecer sobre o gênero. ;É algo sub-lembrado, apesar de a internet promover um resgate. Mas ainda tem muita coisa para descobrir, muito para pesquisar. Outras pérolas devem aparecer;, acredita.
Projetos como esse tributo, acredita o músico, são possibilidades de trazer a psicodelia brasileira de volta à pauta. É uma maneira de tornar o passado, presente. Muitas releituras no disco tentam dar uma modernidade estética àquele som, é uma maneira de apresentar a novas pessoas.;
Tributo à psicodelia brasileira
Vários artistas. Miniestéreo da Contracultura. 14 faixas. Disponível em aqui.
Psicodelia brasileira em livro
Foi ao ouvir um disco de Ronnie Von, em 1999, que o jornalista Bento Araújo se deu conta de que existia rock psicodélico produzido no Brasil. ;Eu já conhecia, obviamente, bandas como Os Mutantes e Novos Baianos, mas o fato do Ronnie Von também ter praticado o gênero me deixou intrigado;, contou ao Correio. O príncipe, como Ronnie ficou conhecido nos tempos de Jovem Guarda, foi responsável por três discos clássicos da psicodelia brasileira (desprezados à época, mas relançados e cultuados hoje). A partir da descoberta do LP Ronnie Von (de 1968), Araújo começou a vasculhar músicos que também tivessem praticado ou só flertado com a psicodelia em terras tupiniquins. Da pesquisa, surgiu o livro Lindo sonho delirante ; 100 discos psicodélicos do Brasil, um apanhado do gênero no país.