Diversão e Arte

Combate ao preconceito é o foco da 15ª Flip, em Paraty

Flip ampliou a participação de escritores negros; polarização do embate político também entrou na pauta. Relato de professora negra arrancou lágrimas da plateia e de Lázaro Ramos; veja o vídeo

Márcia Maria Cruz/Estado de Minas
postado em 29/07/2017 12:50
Professora Diva Guimarães contou sua história como neta de escravos e emocionou Lázaro Ramos (E) e a plateia
O terceiro dia da 15; Festa Literária Internacional de Paraty foi marcado por protestos. Pela manhã, o ator e escritor Lázaro Ramos e a jornalista portuguesa Joana Gorjão Henriques debateram sobre como Brasil e Portugal lidam com o racismo. A plateia que lotou a tenda montada às margens do Rio pediu a saída do presidente Michel Temer e também entoou críticas ao governador do Rio, Luiz Fernando Pezão. Na tarde dedicada ao escritor Lima Barreto, a pesquisadora Beatriz Resende e o escritor Luiz Antonio Simas mostraram como é atual a obra do escritor, jornalista e cronista carioca.

Nesta edição da festa, cuja curadoria aumentou a participação de escritores negros (30% do total) e de mulheres (50%), Lázaro Ramos convocou todos para participar do debate sobre o racismo, não apenas os negros. Lázaro afirmou que a acusação de vitimismo às pessoas que denunciam o racismo é reincidência da agressão. ;Dói quando dizem que é mimi. Sou homem e me esforço para criar empatia com o que as mulheres dizem;.

Ele criticou o processo de silenciamento do outro de quem se discorda. Defendeu a conversa como caminho para superar a polarização no Brasil. Com o livro Na minha pele entre os mais vendidos no Brasil, à frente com Taís Araújo da série Mister Brau e vindo de temporada de sucesso de O topo da montanha, Lázaro é uma das estrelas da festa, levando centenas de pessoas às mesas que participou.

Ao ser perguntado sobre como vê o combate ao racismo no Brasil, Lázaro não identifica avanços. ;Vejo iniciativas dos coletivos, da sociedade civil, estudantes propondo novas narrativas, afirmação estética dos jovens, mas, na agenda política, não vejo. Na política não tem nada inovador;, disse reforçando que não se identifica com nenhuma iniciativa partidária.

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Ao ler capítulo inédito que não entrou no livro, Lázaro destacou o quanto palavras como ;petralha; e ;coxinha; são limitadoras e interditam o diálogo necessário para que o Brasil saia da crise pela qual passa ; o ator-escritor afirmou que não se trata de uma crise política ou econômica, mas de uma crise civilizatória. ;Será que a nossa sina é que a barbárie sempre vença?;, perguntou, depois de citar casos como a morte de Cláudia Sílvia Ferreira, em 2014, arrastada por 350 metros por um carro de polícia e dos cinco jovens assassinados depois que o carro onde estavam ter sido metralhado pela polícia no Rio.

PORTUGUESES IMIGRANTES

[SAIBAMAIS]Autora de Racismo em português ; lado esquecido do colonialismo, a jornalista Joana Gorjão afirmou que não há qualquer iniciativa de Portugal no sentido de pensar políticas de reparação em decorrência dos males trazidos pela escravidão imposta pelo país até o fim do século 19 no Brasil ; o último país no mundo a extinguir a escravidão. O livro foi feito a partir de cinco reportagens em que Joana investiga o racismo como prática e herança nas antigas colônias africanas de Portugal. ;Temos uma geração inteira de portugueses que cresceram como imigrantes e continuam sendo considerados assim por Portugal.;

Os impactos dessa interpretação de que Portugal é um país eminentemente branco é a inexistência de dados sobre a população negra que vive no país para que sejam implementadas políticas públicas. A jornalista questiona a não existência em Portugal de museu que trata da escravidão e também de ações afirmativas.

DEPOIMENTO EMOCIONANTE

Quando a palavra foi concedida à plateia, a professora Diva Guimarães, de 77 anos, emocionou o ator Lázaro Ramos, a jornalista portuguesa Joana Gorjão Henriques e a plateia. ;Dona Diva, a senhora quer nos matar?; disse Lázaro, em tom de brincadeira, depois do relato. Lázaro reforçou que o combate ao racismo deve ser tema de interesse de pessoas de todas as etnias. O ator reconheceu que é uma exceção no Brasil, elencando caminhos para enfrentar situações de desigualdade causadas pelo racismo: uma família estruturada e acesso a educação.

Com os cabelos brancos trançados, Diva mal conseguiu controlar o choro para contar que saiu do interior do Paraná para estudar. Como neta de escravos, enfrentou situações causadas pela sua cor de pele. ;Sou do Sul do Paraná, lá do interior. Sou uma brasileira que sobreviveu porque tive uma mãe que fez de tudo, passou por todas as humilhações, para que nós estudássemos;, disse.

Lima Barreto, a voz do subúrbio
Como nos dias de hoje, em que Lázaro se coloca como voz pública contra o racismo, o mesmo fez Lima Barreto no início do século 20, quando atuou como cronista dos jornais da então capital do Brasil. Na tarde, na mesa Subúrbios, Beatriz Resende e Luiz Antonio Simas demonstraram que os escritos de Lima Barreto jogam luz sobre a situação atual do Rio de Janeiro, que passa por uma das maiores crises econômicas e de segurança de todos os tempos.

Beatriz e Luiz Antonio destacaram que, na obra de Barreto, o subúrbio aparece como o espaço da desatenção, como local esquecido pela municipalidade. ;Lima Barreto estava em trânsito permanente entre o subúrbio e o Centro,;pontuou Beatriz, mas como nenhum outro escritor trouxe o subúrbio para a literatura na ambientação de contos e romances e na construção dos personagens. Luiz Antonio lançou Coisas Nossas, da editora José Olympio.

Luiz Antonio Simas destacou que, entre 1910 e 1920, os governantes desejavam transformar o Rio, então capital federal, em cartão-postal, o que fez com parte mais pobre da população subisse para os morros e a classe média baixa se deslocasse para os subúrbios. Ele destaca que é importante, no entanto, compreender que os subúrbios são muitos. ;Um processo de modernização violenta e excludente. Como defensor da cidade, Lima ia para os jornais falar;, afirmou. Os autores destacaram como Barreto contribuiu para a constituição do gênero. A crônica era usada por ele para descortinar a cidade; completou.

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