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Após acidente e morte do namorado, Gaivota Naves renasce pela música

Depois de grave acidente de carro e da morte do namorado, o músico Pedro Souto, cantora Gaivota Naves supera tragédias pessoais

Rebeca Oliveira
postado em 02/08/2017 06:00
Cantora se apresenta este fim de semana em Brasília no festival Coma
Meio brasiliense, meio sergipana, Gaivota Naves viu a vida dividir-se em duas desde 15 de janeiro. Ela voltava para casa quando foi surpreendida por carro descontrolado, que invadiu a pista em sentido contrário e acertou-a em cheio. Com o impacto da batida, a cantora bateu o rosto no volante e quebrou 80% dos ossos da face. Levou mais de 400 pontos na boca. Teve traumatismo craniano. Os médicos se perguntavam: qual milagre a deixou viva?
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Durante todo o processo, a vocalista da banda Rios Voadores teve apoio incondicional do músico e amigo Pedro Souto, por quem se apaixonou. Não demorou até a amizade de sete anos virar namoro. O amor ; visceral e longe de clichês ; foi a força transcendental que a salvou. Três meses depois da tragédia pessoal, o guitarrista sofreu um aneurisma nos braços de Gaivota. Pequenina, a menina de 1,50m e 29 anos precisou, mais uma vez, renascer. Dessa vez, o tal milagre responde por outro nome. A música. Sua religião, remédio e razão de existir.

As ondas sonoras a fizeram se despir de vaidades. Agora, ela sobe aos palcos mais confiante. Menos cruel com a própria imagem, brinca com ;os três rostos; (foram feitas duas cirurgias reparadoras, e uma terceira está marcada para agosto) como quem incorpora personagens diferentes.

O que pode ser útil para quem, como ela, se envolve em vários projetos simultaneamente. Um deles a banda O Grogue, um tributo a Pedro formada com Carlos Beleza (guitarra e vocal), Marlon Túgdual (bateria e vocal), Guilherme Cobelo (violão e vocal), Gaivota Naves, Tarso Jones (teclado) e Marcelo Moura, com o qual se apresentou no último fim de semana no CCBB. Sábado, a cantora se apresenta com a Rios Voadores no Academia Café, na 201 Norte, a partir das 21h. No próximo domingo, e participa do festival Coma, na Funarte, com o Joe Silhueta, outra banda da qual é vocalista.

Entrevista com Gaivota Naves


O que se lembra do dia do acidente?
Estava na casa do Pedro Souto e, nessa época, ainda não namorávamos. A gente estava gravando um disco (ainda vou ter que mexer nele, não tive coragem de ver essas coisas, está muito recente). Passamos o domingo ensaiando. Não tinha bebido, nem nada. Comprei uma marmita em um restaurante nordestino e estava voltando para Sobradinho. Na Ponte do Bragueto, um pouco depois da entrada do Lago Norte, um carro que vinha na contramão acertou o meu. Eu não tinha airbag e sou muito pequena, dirijo bem próxima ao volante. Bati o rosto.
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O que aconteceu?
Quebrei mais de 80% dos ossos da minha face. Por sorte, não quebrei o maxilar. Suturei tudo, tive mais de 400 pontos na boca, que se abriu em quatro. O nariz quebrou, o crânio também. Fui levada para o Hospital de Base. Foi um caso de milagre, mesmo. Muito doido. Fui para o hospital e tive toda a assistência. Em determinado momento, a galera me deu alta. Mas eu estava com traumatismo craniano, não podia voltar para casa. A mãe do Pedro, quando ficou sabendo, falou para eu ir para o Hospital Brasília, onde há uma equipe de neurocirurgiões. Lá, fiz o primeiro procedimento cirúrgico.

Você estava consciente?
Sim, isso que foi louco. Só perdi a consciência na hora do baque do carro. Inclusive, mandei mensagem para os meninos do Grogue falando: ;tô viva, cara;. Depois, passei por um segundo procedimento. Tive que ser escalpelada. Fizeram as aplicações de titânio para reconstruir a parte frontal, os orbitais. Mas não puderam mexer no nariz porque o crânio ainda estava aberto. Estou esperando essa cirurgia, está marcada para agosto.

Foi uma segunda chance?
Na hora, foi lindo de ver o tanto de pessoas que se comoveram e mandaram energias de cura, de melhora. Gente que fez reiki a distância. Foi uma movimentação energética gigante para que eu ficasse curada. Dentro desse processo, eu e Pedro começamos a namorar. Foi uma coisa bonita, porque ele me trouxe de volta à vida. Dizia: ;você já consegue cantar?;, ;vamos tentar andar?;, ;vamos sair de casa?;. Fui a um show e ele me chamou para tocar 20 mil raios de sol. Ele chorou, eu chorei, a banda chorou. Foi a volta ao palco depois de três meses e dessa experiência de quase morte.
Como uma volta aos pequenos prazeres?
Totalmente. Como quando comi pela primeira vez arroz em grãos, em vez de ser uma papa. Esses detalhes do dia a dia que a gente passa batido. Quando saí do hospital e vi a cidade pela primeira vez, comecei a chorar. ;Que bom que estou viva, que bom que estou vendo a cidade;. E aí, tudo muito bem e muito bom, voltando a cantar e aos palcos, e Pedro tem um aneurisma nos meus braços. Eu tentei ressuscitá-lo na hora, chamei o Samu, o porteiro, fizemos massagem cardíaca. Ele ficou mais sete dias no hospital e faleceu. Agora vem o tranco. Estava bonito renascer quando a morte era minha, mas dói quando a morte é do outro, e do outro que a gente ama e que é cúmplice, de verdade. Ele já era meu amigo e meu parceiro de vida há mais de sete anos. Quando rolou amor e paixão, foi só uma simbiose maluca. Agora, está sendo muito mais difícil para eu retomar o gosto pela vida do que quando foi comigo. É um trabalho diário.

O que te salvou?
Parei e pensei, dentro das coisas todas, o que unia todos nós, o que a gente mais amava e o que eu mais amo no mundo, independentemente dele e de qualquer pessoa? A música. É a única forma de ficarmos eternos. Eu tenho um compromisso não só comigo, com todos os amigos, a produção, com o que quero da cultura de Brasília. Tudo isso passa pela cabeça. Sei lá, depois de tudo isso, vi que tinha uma missão a cumprir. Estou dedicando o máximo do meu tempo, fazendo aula de voz, fazendo a pré-produção do meu disco autoral, fora o nosso disco, que seria um duo esquisito meio Berlim, meio Alemanha. O meu, Gaivora, é um disco de faixas que não cabiam nem nesse projeto nem na Rios Voadores. Juntamos Marcelo, Cobelo, Macaxeira Acióli, estamos juntando o pessoal. Acabamos de ganhar o FAC com a Rios Voadores e para o projeto do Festival Grogue. Haverá seis edições em zonas administrativas. Ainda não fechamos quais, mas será de tarde e com a proposta de trazer bandas novas da cidade (mais uma banda dos Grogues, que são mais de 10).

A música é sua religião?
Com certeza. É o único contato direto que eu tenho com algo do qual não consigo duvidar. Religiões passam por coisas racionais. Fico pensando o quanto de humanidade tem dentro dessas coisas, ou de castração social. A música vai direto. Quando entro no palco, ela me leva. Não consigo pensar no que estou fazendo, se vou me jogar ao chão. A música vem como um furacão dentro da minha alma. É isso que tem sido interessante, descobrir o que move a alma. A gente deposita nossa felicidade e tristeza nos outros, mas somos nós quem temos o domínio e controle disso.

Se ama mais hoje?
Antes do acidente, eu me achava horrível. Tinha baixa autoestima. Quebrei a cara. Mudou tudo.

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