Rui Martins - Especial para o Correio
postado em 11/08/2017 16:39
[LOCARNO] Por certo, roubar livros nos dias de hoje não deve ser função lucrativa. Exceto edições especiais e livros raros anotados à mão do argentino Borges, quem rouba livros deve ser para seu próprio consumo, para ler. Finalidade cultural que, por si só, quase desculpa o ato, ainda mais se for praticado por jovem culta e bonita. Quem sabe um tanto cleptômana.
Num mundo em que parece diminuir a atração pelos livros e com a diminuição de seus leitores, muitos deles preferindo tabletes ou livros eletrônicos, é corajoso se escrever um história de amor vivida numa livraria. Ora, um livro desses, destinado a não ser lido, foi escrito pelo jovem escritor guatemalteco, Rodrigo Rey Rosa. Porém, Severina (o título do livro), não só foi lido como transformado em filme por outro visionário, o diretor de teatro e cineasta Felipe Hirsch.
É verdade que histórias de livros costumam dar bons filmes, porém, é raro um filme ter livros como seus principais figurantes e um livraria como local de filmagens. Assim, é o filme Severina, exibido aqui em Locarno, na mostra Cineastas do Presente, uma coprodução com o Uruguai e, talvez por isso, falado em espanhol.
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A livraria do filme é dessas poucas pequenas livrarias que restam, onde se pode ir encontrar amigos para se discutir os lançamentos, teorias literárias ou políticas. Um pouco como a Realejo, em Santos. Ali, surge uma bela jovem, Ana Severina, que discretamente furta alguns livros e sorridente, despejando charme para o também jovem livreiro, vai embora. Essa história nos faz lembrar da Librairie Maspero, no Quartier Latin parisiense, onde os jovens esquerdistas franceses e inclusive exilados brasileiros (era a época da ditadura militar) roubavam livros para completar sua formação literária, social e política.
O jovem livreiro constata os furtos e espera uma nova visita para um flagrante, mas acaba sucumbindo ao charme da misteriosa colecionadora de livros furtados. Descobre que ela vive numa pensão com o pai que, indeniza os livreiros por onde passa sua filha cleptômana. Na verdade, parece que vivem da venda de livros raros. Cria-se uma cumplicidade, um caso amoroso, até Ana Severina desaparecer como aparecera, sem deixar traços, e resta um livreiro desolado, talvez com um bom tema para escrever seu primeiro romance. E talvez com tempo para ler também Gabriel Garcia Marquez, Jorge Amado e Manuel Scorza.